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Estado de Minas

Brasil vive barb�rie em s�rie com linchamentos e espancamentos

Brasil assiste a uma escalada de linchamentos e espancamentos coletivos. Para especialistas, a onda revela descren�a na Justi�a e se alimenta da divulga��o


postado em 04/05/2014 00:12 / atualizado em 04/05/2014 07:10

Número de espancamentos aumentou depois da divulgação, em fevereiro, do caso de menor amarrado em poste no Flamengo, RJ (foto: Reprodução/Facebook)
N�mero de espancamentos aumentou depois da divulga��o, em fevereiro, do caso de menor amarrado em poste no Flamengo, RJ (foto: Reprodu��o/Facebook)

Osvaldo Bachinam, de 32 anos, e os irm�os Ivacir Garcia dos Santos, de 31, e Arci Garcia dos Santos, de 28, mantiveram ref�m, sob a mira de um rev�lver, uma fam�lia em Matup�, cidade de 14 mil habitantes, no Mato Grosso. Depois de horas de negocia��o eles se renderam. Mas n�o chegaram a ser presos, muito menos condenados pela Justi�a. Foram linchados pela popula��o da cidade. Um cinegrafista amador, que vivia de filmar casamentos, gravou toda a viol�ncia. As cenas s�o chocantes. Depois do espancamento, um homem joga gasolina nos tr�s. Em seguida, algu�m ateia fogo. Um deles, ainda vivo, se debate enquanto tem o corpo incendiado. O crime aconteceu no fim de 1990. Poucos meses depois, as imagens vieram a p�blico e correram o mundo. E o n�mero de linchamentos no Brasil bateu recorde. Foram 148 casos em 1992, contra 48 do ano anterior, segundo dados do N�cleo de Estudos da Viol�ncia da Universidade de S�o Paulo (NEV/USP).

A din�mica “not�cia de linchamento-explos�o de casos” parece se repetir este ano. No rastro da metodologia adotada nas pesquisas do NEV/USP, cujos dados s�o baseados em not�cias publicadas na imprensa, a reportagem do Estado de Minas levantou, por meio de informa��es divulgadas em portais de not�cias, 36 casos de linchamentos e espancamentos coletivos neste ano em 15 dos 26 estados e no Distrito Federal. Dezenove deles resultaram na morte da v�tima. A m�dia � de um caso a cada oito dias. A maioria absoluta aconteceu a partir de fevereiro, logo depois que um adolescente foi espancado por cerca de 15 homens e amarrado nu a um poste no Bairro Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro, em 31 de janeiro, com repercuss�o nos portais de not�cias e redes sociais.

Para a soci�loga e pesquisadora do NEV/USP Ariadne Natal, autora de uma tese de mestrado sobre linchamentos em S�o Paulo, � preciso ter cuidado ao falar de aumento ou decr�scimo de casos ao longo do tempo, pois a varia��o no total de not�cias pode ser decorr�ncia somente de um maior ou menor interesse da imprensa pelo tema em determinado momento. Uma eleva��o nos registros pode, ainda, segundo a pesquisadora, resultar da maior publicidade dos casos, que teria como efeito colateral a difus�o do linchamento no imagin�rio da popula��o como um recurso de justi�a em situa��es de aumento de criminalidade e fraca resposta do Estado.

Ariadne Natal ressalta, entretanto, que independentemente dos motivos, n�o h� d�vida de que multid�es fazendo “justi�a com as pr�prias m�os” revelam um descr�dito da popula��o com as institui��es respons�veis pela manuten��o do estado de direito. “A linguagem do linchamento � p�blica. A inten��o � ir ao extremo da viol�ncia para mostrar descontentamento com o Estado, por isso n�o basta espancar, matar. Tem que expor o corpo em pra�a p�blica e, nos tempos atuais, nas redes sociais”, analisa. Isso explica, segundo a pesquisadora, o fato de muitos casos de linchamento serem fotografados e filmados e depois compartilhados nas redes sociais.

Dados sobre linchamentos levantados pelo NEV/USP em uma s�rie hist�rica que cobre os per�odos de 1980 a 2006 s�o praticamente os �nicos dispon�veis no Brasil com abrang�ncia nacional. No per�odo estudado, ocorreram no pa�s 1.179 casos de linchamentos, definidos pelo n�cleo como a��es coletivas de justi�amento, mesmo em casos em que a viol�ncia n�o resulta em morte. Em 2006, foram seis registros. Os dados mais atuais s�o de S�o Paulo, onde a s�rie hist�rica do n�cleo seguiu at� 2010, quando ocorreram 10 casos no estado, com tr�s mortes. Os n�meros, entretanto, n�o s�o precisos, uma vez que linchamentos e espancamentos coletivos n�o s�o caracterizados como um tipo penal (descri��o pela legisla��o de um ato il�cito) e, por isso, n�o fazem parte das estat�sticas de crimes feitas pelos �rg�os de seguran�a.

Mil�cias O soci�logo Rud� Ricci lembra que, no Brasil, fazer justi�a com as pr�prias m�os n�o � um ato restrito aos linchamentos. Ele cita os casos das mil�cias ou justiceiros que atuam em diversas regi�es do pa�s, principalmente nas periferias. “O motivo disso � a aus�ncia simb�lica ou concreta do Estado, ou a desconfian�a de que a justi�a n�o vai ser feita ou ser� tardia”. Como agravante do quadro, ele aponta a crise de representa��o que o Brasil enfrenta e que ficou muito evidente nas manifesta��es de junho.

Segundo o �ndice de Confian�a na Justi�a, elaborado pela Funda��o Getulio Vargas, s� 5% dos cidad�os confiam nos partidos pol�ticos. No Poder Judici�rio (42%), no Congresso (40%) e no governo federal (40%) a confian�a � maior, mas o descr�dito � majorit�rio. O soci�logo e ex-secret�rio-adjunto de Defesa Social de Minas Gerais Luis Fl�vio Sapori tamb�m corrobora a tese de que esse tipo de viol�ncia � uma “sinaliza��o clara da sociedade, em todos os sentidos, de que a seguran�a p�blica e a Justi�a est�o em xeque”.

Veredicto

Durou 21 anos, mas os acusados da morte de Ivacir e Arci Garcia dos Santos e de Osvaldo Bachinan foram condenados pelo Tribunal do Juri em 2011. Em um julgamento que durou quatro sess�es, Luiz Alberto Donin recebeu a pena de cinco anos e quatro meses de reclus�o, em regime inicial semi-aberto, e Mario Nicolau Schorr de quatro anos e oito meses de reclus�o, em regime semi-aberto. Valdemir Pereira Bueno, que admitiu ter jogado combust�vel nas v�timas, foi condenado a oito anos de reclus�o em regime inicialmente fechado. Os outros 15 r�us foram inocentados por falta de provas. O caso ficou conhecido como a “Chacina de Matup�”.

 

Cenas de Injusti�a e Dor

O soldador Jevanilson Rios Santos, de 20 anos, carinhosamente chamado pela fam�lia de Sinho, chegou do trabalho e resolveu tarde da noite ir atr�s de um mo�a que tinha conhecido havia pouco tempo em um povoado perto da cidade onde ele mora com a fam�lia. Um amigo deu carona de moto para ele e ficou de busc�-lo mais tarde. Como Jevanilson n�o apareceu no local combinado, ele resolveu procur�-lo. Encontrou o soldador desacordado, sangrando e deformado por chutes e pancadas em todo o corpo. Segundo a m�e do rapaz, a dona de casa Zenilda Rios, de 42, ele foi espancado por moradores que o confundiram com um assaltante. Segundo informa��es da Pol�cia Militar repassadas � fam�lia, na localidade conhecida como Humildes, distrito do munic�pio de S�o Gon�alo dos Campos, a 108 quil�metros de Salvador, estavam ocorrendo diversos roubos de motocicletas, e a popula��o, ao ver uma pessoa desconhecida no povoado, suspeitou que ele pudesse ser o respons�vel pelo crime e o espancou barbaramente. Sinho est� internado no Hospital Cleriston Andrade, em Feira de Santana, cidade onde mora com a fam�lia.

Dona Zenilda n�o se conforma com o que ela classifica como “barbaridade”. “Sinho ficou deformado. N�o fala e n�o se mexe. A maioria dos chutes e pauladas que ele levou foi na cabe�a. Uma viol�ncia que nunca vi na vida e contra um menino muito bom.” Segundo ela, seu filho nunca teve passagem pela pol�cia, come�ou a trabalhar aos 16 anos e, no ano passado, concluiu o ensino m�dio e come�ou a trabalhar de soldador em uma empresa de Feira de Santana. “Ele nunca me deu trabalho, n�o tenho uma reclama��o, sempre foi um �timo filho”, conta a m�e, que disse estar “sofrendo muito” com o que aconteceu. “Aonde isso vai? Aquilo n�o poderia nunca ter acontecido com ningu�m. Nem com um inocente, nem com um bandido. N�o � assim que se faz justi�a”, defende a dona de casa.

Ela conta que os m�dicos n�o t�m previs�o de alta da unidade de tratamento intensivo nem sabem dizer se ele ter� sequelas. Ele teve fraturas, passou por uma traqueostomia e uma cirurgia. A assessoria de comunica��o do hospital n�o d� detalhes do quadro dele. Diz apenas que seu estado de sa�de � “est�vel”. De acordo com dona Zenilda, a delegada que investiga o caso, Cristiane Oliveira, disse que na semana que vem ter� novidades sobre o caso. “Mas ela pediu paci�ncia, pois � uma investiga��o dif�cil.” � que, de acordo com Ariadne Natal, soci�loga que estuda linchamentos no Brasil, os casos n�o costumam ter desfecho, pois a justi�a � feita com a descri��o individual das condutas de homic�dio, tortura e les�o corporal, que � como s�o definidos os casos de linchamento na legisla��o brasileira. “Isso tamb�m favorece condutas desse tipo”, destaca.

Jevanilson est� em estado grave, mas tem chances de sobreviver e se recuperar da barbaridade. Quatro anos mais velho que o baiano, Isaias dos Santos Novaes, morador de Nova Crix�s, a 380 quil�metros da capital, n�o. No dia 5, ele foi preso, acusado de estupro, e levado pela pol�cia para fazer exame de corpo de delito no hospital. A popula��o revoltada invadiu e quebrou o hospital, pegou Isaias, espancou-o e o esfaqueou at� a morte. Tudo foi filmado e colocado nas redes sociais. Outros casos como esse foram registrados em Minas Gerais, S�o Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Sergipe, Pernambuco, Para�ba, Acre, Cear�, Maranh�o, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

JUSTI�AMENTO EM GRUPO

O QUE �
Os linchamentos s�o a��es que contam com a participa��o de um grupo ef�mero e sem organiza��o pr�via, que age geralmente em local p�blico, com o objetivo de fazer justi�amento sum�rio, sem a media��o do Estado, contra pessoas suspeitas de cometer crimes e viol�ncias de toda sorte. No estudo do N�cleo de Viol�ncia da Universidade de S�o Paulo (NEV/USP) s�o considerados linchamentos inclusive os casos em que as v�timas n�o morreram, mas em que houve espancamentos e agress�es coletivas.

ORIGEM DA PALAVRA
H� controv�rsia sobre a origem da palavra linchar. Surgida nos Estados Unidos, ela deriva do nome Lynch, que pode ser uma refer�ncia ao coronel Charles Lynch, que fazia justi�a com as pr�prias m�os, por volta de 1782, durante a guerra da independ�ncia, ou uma deriva��o do nome do capit�o William Lynch, que mantinha um comit� independente encarregado de preservar a ordem e a justi�a em um condado no estado da Virg�nia, no per�odo de 1870. Nos EUA, o termo � usado somente quando o espancamento resulta em morte.

ESTAT�STICAS NO BRASIL

De 1980 a 2006 foram registrados 1.179 casos de linchamento no Brasil

O auge desse tipo de a��o foi em 1991, quando ocorreram 148 casos. Naquele ano, um caso de linchamento em Matup�, no Mato Grosso, teve repercuss�o nacional

O menor n�mero de registros foi em 2006, com cinco casos

Em todos os outros estados, foram registrados menos de 15 casos entre 1980 e 2006

No estado recordista de casos, S�o Paulo, os principais motivos de linchamento foram roubo/sequestro, homic�dio e estupro e atentado violento ao pudor envolvendo crian�as

N�meros mais recentes do NEV/SP trazem dados apenas de SP e RJ
Em SP, em 201O, foram 10 casos
No RJ, no mesmo per�odo, foi registrado um caso

Fonte: N�cleo de Estudos da Viol�ncia da Universidade Federal de S�o Paulo


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