S�o Paulo, 04 - Daniela Andrade, de 30 anos, sempre se sentiu Daniela. Era assim que amigos e conhecidos a chamavam. Mas at� novembro, passava por situa��es constrangedoras quando tinha de apresentar um documento. "Mandava meu curr�culo para as empresas e as pessoas chamavam a Daniela para a entrevista, mas muitas recepcionistas recusavam-se a me anunciar como Daniela. S� porque no meu RG constava um nome masculino", conta ela, que prefere n�o revelar o nome de batismo. No fim do ano passado, ap�s vencer uma a��o judicial, ela conseguiu mudar nome e g�nero.
"Muita gente n�o consegue nem trabalhar porque n�o tem a documenta��o. N�s pagamos os mesmos impostos que todo mundo e n�o temos direito a nada. O resultado � que muitos acabam caindo na prostitui��o", diz Jo�o Nery, que d� nome ao projeto de lei dos deputados federais Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Erika Kokay (PT-DF). Autor do livro Viagem Solit�ria, ele assumiu sua identidade masculina, em 1977, 20 anos antes de a cirurgia de mudan�a de sexo ser legalizada no Pa�s. � o primeiro transexual masculino do Brasil.
"H� pessoas que n�o existem nos registros p�blicos e em alguns documentos, e h� outras pessoas que s� existem nos registros p�blicos e em alguns documentos. E umas e outras batem de frente no dia a dia em diversas situa��es que criam constrangimento, problemas, nega��o de direitos fundamentais e uma constante e desnecess�ria humilha��o", diz a justificativa do projeto de lei, ainda em tramita��o no Congresso.
Sofrendo mais com o preconceito e a discrimina��o do que os gays e as l�sbicas, transexuais s�o "pessoas que n�o existem socialmente", segundo a psicanalista Edith Modesto, coordenadora do curso de extens�o da USP Diversidade de Orienta��es Sexuais e Identidades de G�nero. "O que vigora na sociedade � que eles s�o homossexuais mais negativos."
O pr�prio conceito de transexual se confunde com o de travesti, pois uma pessoa pode ser transexual mesmo sem ter feito a cirurgia de transgenitaliza��o - transexuais preferem essa express�o pois consideram que o sexo n�o se reduz � genit�lia. "Quem se sente do g�nero contr�rio � transexual. Travesti n�o se sente inteiramente homem nem mulher. � preconceito acreditar que, para ser transexual, � preciso passar por uma cirurgia", afirma Edith.
Daniela, por exemplo, est� h� cinco anos na fila de espera para realizar a cirurgia pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS). Ela nunca teve d�vidas de que � uma mulher. "Tanto que eu nunca nem precisei contar aos meus pais. Eles sempre souberam."
Pol�mica. O n�mero de pessoas na fila de espera para realizar a cirurgia n�o � divulgado, mas apenas quatro hospitais fazem o procedimento pelo SUS: Hospital de Cl�nicas de Porto Alegre, Hospital Universit�rio Pedro Ernesto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Hospital das Cl�nicas de S�o Paulo e Hospital das Cl�nicas da Universidade Federal de Goi�s.
Segundo o Minist�rio da Sa�de, entre 2008 e 2013, foram realizados 228 procedimentos cir�rgicos referentes ao processo transexualizador no Brasil. Deste total, 184 referem-se a cirurgias genitais de mudan�a de sexo de homem para mulher e 44 cirurgias de pomo-de-ad�o e corda vocal para a feminiliza��o. A idade m�nima � 21 anos, embora no ano passado uma portaria a tenha reduzido para 18 anos. O governo recuou e revogou a portaria menos de 24 horas depois.
O minist�rio n�o tem dados sobre as cirurgias de mudan�a de sexo de mulher para homem. Por ser um procedimento mais complicado, elas s�o feitas apenas em car�ter experimental. No Hospital das Cl�nicas de S�o Paulo, o n�mero de cirurgias de homem para mulher � cerca de quatro vezes maior que o de mulher para homem. L� s�o feitas apenas 12 cirurgias ao ano.
A cirurgia s� � feita pelo SUS porque a transexualidade � considerada uma patologia pela Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS). "� uma m� forma��o cerebral, ou seja um problema no desenvolvimento biol�gico do c�rebro. Em vez de se desenvolver congruente ao sexo anat�mico, segue na dire��o contr�ria", explica Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulat�rio de Transtornos de Identidade de G�nero e Orienta��o Sexual do Instituto de Psiquiatria do HC de S�o Paulo. Transexuais discordam dessa classifica��o. "N�o estou aqui pulando em cima da mesa ou gritando como uma louca. N�o sofro de patologia nenhuma", diz Daniela.