S�o Paulo, 14 - Desde que viu a m�e ser morta a golpes de facada pelo pr�prio pai h� cinco anos, Ana, hoje com 12 anos, e seu irm�o Pedro (nomes fict�cios), de 6 anos, s�o criados pelos av�s maternos, primeiro no Recife e agora em Camaragibe, no Cear�. "Eu nunca consegui perdoar meu pai e acho que n�o vou perdoar nunca", conta a adolescente. A vida dos irm�os retrata a realidade de muitas crian�as no Brasil. Em pelo menos dois ter�os dos casos de feminic�dio, a mulher assassinada � m�e. Na maioria das vezes, ela deixa dois filhos e em 34% dos casos, pelo menos tr�s.
"Os dados da pesquisa apontam o tamanho do problema que est� escondido embaixo do tapete", afirma o professor Jos� Raimundo Carvalho, da P�s-Gradua��o em Economia da UFC, que coordena a Pesquisa de Condi��es Socioecon�micas e Viol�ncia Familiar contra a Mulher.
Patrocinado pelo Banco Mundial, com apoio da Secretaria de Pol�ticas para as Mulheres e do Instituto de Estudos Avan�ados de Toulouse, na Fran�a, o diagn�stico tem dados apurados com entrevistas em comunidades onde vivem parentes e/ou vizinhos de v�timas de viol�ncia dom�stica.
"Esses primeiros dados comprovam o que era uma impress�o da Maria da Penha, ou seja, o universo de �rf�os, que ela chama de v�timas invis�veis do feminic�dio", diz Carvalho, referindo-se � biofarmac�utica cearense Maria da Penha, que d� nome � Lei 11.340/2006, considerada um marco no combate � viol�ncia dom�stica no Pa�s.
Para Maria da Penha, a pesquisa levanta ainda uma outra preocupa��o. "Muitas dessas crian�as podem estar vivendo em contato com os pr�prios homicidas", afirma. Ela tem tr�s filhas, vive em uma cadeira de rodas por causa do ataque que sofreu em 1983, quando foi baleada pelo marido, e dedica parte de seu tempo � ONG que trabalha com os impactos da viol�ncia dom�stica e contra as mulheres.
Na opini�o da advogada Tha�s Dantas, do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, a quest�o deve ser vista "sempre pelo �ngulo do que � melhor para a crian�a". Assim, n�o h� como simplesmente vedar a conviv�ncia delas com pessoas ligadas ao agressor, como os av�s paternos ou tios. "Tem de ver cada caso, sempre procurando o que � melhor para aquela crian�a."
Dificuldades
Ana e Pedro n�o tem nenhum contato com o pai ou a fam�lia paterna. T�mida, a adolescente conversou com o jornal O Estado de S. Paulo acompanhada pela av�, Paula (nome fict�cio), e pela psicol�gica que a acompanha h� quatro anos. "Eu lembro das brigas. Ele era ciumento, batia na minha m�e, trancava ela em casa. Um dia, estava dormindo e acordei com os gritos dela. Minha m�e estava ca�da no ch�o e ele, por cima dela. Foram mais de 20 facadas. Eu fiquei paralisada. Meu irm�o n�o lembra de nada porque era um beb�, mas ele sabe de tudo. Muitas noites eu acordo vendo aquela cena. Nunca vou esquecer", diz.
Ap�s o crime, Ana come�ou a enfrentar problemas na escola e a ter dificuldades de se relacionar com outros jovens. O pai foi preso quase dois meses depois do assassinato, na Para�ba. Hoje, aguarda o julgamento em regime semiaberto.
"Esse homem n�o matou somente minha filha, matou uma fam�lia inteira. Depois que ele foi preso, o pai e um dos irm�os dele ficaram nos amea�ando. Tivemos que entrar com uma medida protetiva, mas, mesmo assim, vivemos assustados. Ana tem pesadelos constantes e n�o consegue formar v�nculos de confian�a com outras pessoas", conta a av� Paula.
Foco na crian�a
Aju�za Teresa Cristina Cabral Santana, da 2.ª Vara Criminal de Santo Andr�, que atua na Coordenadoria da Mulher em Situa��o de Viol�ncia (Comesp), destaca que a Justi�a tem preocupa��o especial com �rf�os. "A gente costuma dizer que quem agride a mulher bate na fam�lia toda", diz a magistrada.
Para ela, as crian�as s�o v�timas indiretas da viol�ncia enquanto h� o conflito. "S�o as crian�as que ouvem, participam, sentem o reflexo dessa viol�ncia, porque � uma situa��o multifacetada." Ela alerta, ainda, para a necessidade de cuidar para que esses filhos, no futuro, n�o sejam v�timas de agress�o ou reproduzam o tipo de comportamento que presenciaram em casa. As informa��es s�o do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Pablo Pereira; Colaborou M�nica Bernardes)