
Sob amea�as travestidas de atos de bondade para "purificar" a alma das v�timas, Jair T�rcio teria mantido sob seu dom�nio sexual e manipula��o psicol�gica pelo menos 14 mulheres adultas, jovens e adolescentes durante anos. O caso foi denunciado no Fant�stico, da TV Globo, no domingo, 2.
Quem conta os detalhes para o Estad�o � uma das v�timas, Tatiana Badar�, de 33 anos, que denunciou o autoproclamado "guru" junto com outras 13 v�timas, todas de Salvador, na Ouvidoria do Conselho do Minist�rio P�blico e Projeto Justiceiras. Jair T�rcio est� sendo acusado por elas de ter cometido crimes de abuso sexual e psicol�gico. O procedimento investigativo foi aberto semana passada, no Minist�rio P�blico da Bahia, e corre sob sigilo, coordenado pela promotora Sara Gama.
Procurado pelo Estad�o, o MP informou que ainda n�o pode adiantar detalhes do procedimento, e que est� na fase de levantamento de provas e ouvindo as partes envolvidas. A promotora Sara Gama preferiu n�o se pronunciar neste momento.
Entre as supostas provas j� coletadas, h� grava��o telef�nica entre T�rcio e uma menor registrada em um Boletim de Ocorr�ncia, em Salvador, na qual a garota informa que sua m�e a levar� ao ginecologista e que teria 'perdido a virgindade' com ele. T�rcio, ent�o, pede para que ela n�o v�. A defesa do guru espiritual nega as acusa��es.
Tatiana conta que ap�s denunciar o caso em suas redes sociais, recebeu outros 200 relatos de mulheres que sofreram abusos de Jair T�rcio, mas somente 14 quiserem se expor ao MP. O ato mais antigo teria ocorrido h� 41 anos.
Os abusos, relatam Tatiana e outra v�tima, que preferiu n�o ter sua identidade revelada, ocorriam em duas resid�ncias de Jair T�rcio, em Salvador: uma no apart hotel Victoria Marina, no Corredor da Vit�ria, bairro nobre da Capital, e outros na casa do bairro de S�o Tom� de Paripe, em frente � praia de Inema. Outros, ainda, ocorriam no munic�pio de Piat�, na Chapada Diamantina, onde eram organizados retiros espirituais nas montanhas.
Lavagem cerebral
Tatiana tinha somente 15 anos quando foi levada pelo ent�o namorado e ex-marido � Organiza��o Cient�fica de Estudos Materiais, Naturais e Espirituais, a Funda��o Ocidemnte, onde foi apresentada a Jair T�rcio, tido como l�der espiritual do chamado Imutabilismo, um movimento religioso criado por ele.
T�rcio dizia ter sido a reencarna��o do profeta Mois�s, do fil�sofo Baruch Spinoza, do artista renascentista Leonardo da Vinci e do l�der espiritual hindu Mahavira. Os ensinamentos do "guru" estariam compilados no livro Arca Sagrada, supostamente escrito por ele.
At� chegar ao ato sexual, Jair T�rcio constru�a uma rela��o de confian�a com as mulheres, por meses ou anos, at� inform�-las que deveriam passar por um "tratamento" ou "purifica��o" a fim de que fossem perdoadas por algum suposto ato tido como prom�scuo ou alcan�ar o que desejassem naquele momento. No caso de Tatiana, que engravidou do namorado aos 16 anos, para ser purificada de sua "conduta prom�scua" nesta encarna��o e reparar o Karma, era necess�rio ceder aos atos sexuais de Jair T�rcio. Assim foi entre os anos de 2007 e 2015.
"Estava em um momento de imensa vulnerabilidade. Quando voc� procura um ambiente religioso, voc� vai de peito aberto. Ele se colocava como minha salva��o...Eu duvidava de minha pr�pria sanidade. N�o sabia se eu estava louca", disse. Ficava em d�vida sobre a corre��o de Jair T�rcio, mas temia repres�lias do grupo maior. "Iriam dizer que eu estava mentindo".
No primeiro ano, Tatiana foi abusada todas as quartas-feiras � noite, ela lembra. Passado este per�odo, pelo menos uma vez ao m�s. At� que, certa vez, ao ter acesso ao celular do l�der espiritual, encontrou mensagens id�nticas para muitas mulheres da Funda��o. Percebeu que estava sendo abusada e rompeu. "� uma lavagem cerebral", afirmou.
Outra v�tima que n�o quer ter a identidade revelada neste momento, diz que sofreu abuso duas vezes, nos anos de 2006 e 2007. Tamb�m levada pelo namorado para a Funda��o Ocidemnte, ouviu de Jair T�rcio que precisava passar por uma purifica��o para que pudesse engravidar de seu hoje ex-marido, tamb�m adepto do movimento Imutablismo. "Ele [Jair T�rcio] come�ou enviando mensagens por SMS dizendo que eu devia me masturbar", lembrou. "Me chamava de menininha".
At� que, cerca de um ano ap�s, disse que havia chegada a hora do tratamento de purifica��o dos chacras para que ela viesse a engravidar do marido. No apart hotel, pediu que ela fosse ao banheiro, tirasse a roupa e deitasse na cama com um len�ol cobrindo seu corpo. Ap�s pairar sua m�o no ar sobre ela, tocou em sua vagina. "Fiquei est�tica, n�o sabia o que fazer (...), depois ele me penetrou".
O que diz a defesa
A reportagem teve acesso a tr�s contatos de telefones m�veis de Jair T�rcio Cunha Costa, mas ele n�o atendeu �s liga��es. Procurado pelo Estad�o, seu advogado de defesa, Fabiano Pimentel, enviou nota de esclarecimento na qual nega viol�ncia f�sica e psicol�gica e diz que "que todas as rela��es que [Jair T�rcio] teve, em toda a sua vida, foram consentidas e marcadas por carinho e afeto".
"Apesar de sua trajet�ria no campo dos estudos da espiritualidade e de ser autor de diversas obras liter�rias, fatores que o al�aram a autoridade na mat�ria, o Sr. Jair T�rcio nunca se valeu de sua posi��o para lograr vantagens esp�rias, principalmente em �mbito sexual", disse o texto. At� o momento, diz ainda, "o Sr. Jair T�rcio n�o foi intimado a comparecer a nenhum interrogat�rio, mas j� se colocou � disposi��o das autoridades para esclarecimentos, inclusive por acreditar que todos os fatos ser�o elucidados no curso do processo".
A Grande Loja Ma��nica do Estado da Bahia (GLEB) tamb�m soltou nota � imprensa informando que Jair T�rcio, que ocupou a cadeira de Gr�o Mestre da entidade, responder� � sindic�ncia interna, j� instaurada, "tendo sido cautelarmente afastado das atividades regulares na ma�onaria, com seus direitos ma��nicos suspensos". A entidade tamb�m afirma que pr�ticas reprov�veis e � margem da lei, realizadas por qualquer indiv�duo precisam ser apuradas e, se comprovadas, devem ter san��es legais aplicadas.
A GLEB ressalta que todos os membros da ma�onaria possuem o direito a um julgamento pelo Tribunal Ma��nico, "respeitada a garantia da ampla defesa e do contradit�rio". Por essa raz�o, a institui��o n�o comentar� nem emitir� ju�zo de valor do processo, que tramita em sigilo.
J� a Funda��o Ocidemnte, com sede em Salvador, informa em nota de esclarecimento, em seu site, que foi idealizada pelo "educador" Jair T�rcio Cunha Costa, o qual, desde 2017, "n�o exerce mais nenhuma fun��o ou atividade na institui��o, e nem em suas unidades parceiras". Afirma, ainda, que "n�o �, e nunca foi, uma organiza��o religiosa" e que o desenvolvimento humano � "atrav�s de processos de ensino-aprendizagem-sentimento, pesquisas e extens�o que incluem medita��o, consci�ncia e autoconhecimento, sem qualquer tipo de conota��o religiosa ou v�nculo com institui��es com este perfil".
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.