
Com dados da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a m�dica alega que os casos de depress�o dobraram durante a pandemia e os de ansiedade e estresse aumentaram em 80%. “O mais preocupante � que a quarta onda n�o come�ou depois da primeira, da segunda e da terceira. Ela se iniciou l� atr�s, junto com a pr�pria pandemia. E, diferentemente das outras, que terminam com o controle da covid-19, ela deve continuar. A expectativa � de que ela perdure por mais dois anos”, lamenta.
Mesmo antes da pandemia, o Brasil j� era o pa�s com mais deprimidos na Am�rica Latina e com mais ansiosos no mundo, segundo a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS). Agora, o isolamento, a sobrecarga de trabalho dom�stico e profissional, e a crise econ�mica e pol�tica s�o gatilhos a mais com os quais os brasileiros t�m precisado lidar e que v�m piorando a sa�de mental da sociedade.
De acordo com o psiquiatra Michel Haddad, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), s�o 12 milh�es de pessoas sofrendo de depress�o e 18,6 milh�es enfrentando a ansiedade no pa�s. “O trip� gen�tica, manifesta��es biol�gicas e ambiente desencadeiam as doen�as. Um ambiente t�o desfavor�vel, com tantos estressores, com a pandemia e as consequ�ncias dela, pode desarranjar o funcionamento do organismo”, explica.
Rodeada de incertezas
Doutorando do programa de biologia microbiana da Universidade de Bras�lia, Clara Vida Carneiro, 26 anos, voltou a trabalhar no laborat�rio h� cerca de um m�s. Foi dif�cil ficar longe. Ela j� havia vivenciado ansiedade e depress�o por conta das “trucul�ncias da academia”, h� dois anos, quando terminava o mestrado. Isso a fez refletir bastante antes de entrar no doutorado. Chegou � conclus�o de que seguiria em frente, mas tentando n�o se cobrar tanto, e “n�o se esgoelar por coisas sobre as quais n�o tem controle”.
A terapia � uma das ferramentas que a ajudam nesse tipo de decis�o. Ela faz, desde 2016, e recomenda a todos. Conta que, �s vezes, para por um per�odo, mas sempre acaba voltando. N�o estava fazendo quando a pandemia come�ou, mas precisou retomar. “� remoto. No in�cio, achei que ia ser besteira, mas deu muito certo”, conta. Al�m disso, ela procura praticar ioga toda manh�. “� meu ritual, minha principal certeza do dia. Faz com que eu comece o dia com a cabe�a mais centrada, tentando n�o pensar em not�cia, em besteira, em perder a minha bolsa”, avalia.
Isolada desde mar�o, a pandemia tirou Clara do laborat�rio, local que adora trabalhar, e as incertezas passaram a dominar a cabe�a. “Eu amo fazer ci�ncia, a p�s-gradua��o, mas sempre houve um preconceito das pessoas, que falam que eu n�o trabalho, s� estudo. Mas � um trabalho pesado e eu tenho que dar um retorno para a sociedade. Agora, ent�o, piorou. Nosso pa�s valoriza cada vez menos a pesquisa, n�o acreditam na ci�ncia, na educa��o, na universidade p�blica”, reclama.
Alguns colegas perderam suas bolsas. Outros tiveram toda a pesquisa interrompida. E, na mente dela, quest�es e mais quest�es: “ser� que ainda vou ter um trabalho para o qual dar continuidade no laborat�rio?”; “ser� que a bolsa vai ser prorrogada?”. Sem falar na preocupa��o por nunca ter tido a carteira assinada.
Em uma das crises, decidiu se abrir em um grupo de WhatsApp com outros pesquisadores e professores da universidade. Contou que, embora estivesse trabalhando na pesquisa te�rica, em sua qualifica��o, e escrevendo o cap�tulo de um livro para publicar, n�o estava se sentindo produtiva. Sentiu-se melhor por outras pessoas tamb�m terem se sentido � vontade para desabafar e relatar emo��es parecidas. E o privil�gio maior foi o orientador dela acalmar a todos: “Ele escreveu que, este ano, era para n�s nos cuidarmos, principalmente da sa�de f�sica e mental, e que n�o seria o ano mais produtivo de ningu�m mesmo.”
Envolto em preconceito
A l�der m�dica da Upjohn, divis�o da farmac�utica Pfizer focada em doen�as cr�nicas n�o transmiss�veis, Elisabeth Bilevicius afirma que, em 2019, segundo pesquisas da empresa e a pr�pria OMS, os dados sobre depress�o no Brasil j� eram preocupantes. “De l� para c�, fazemos uma reflex�o de que, n�o s� n�o melhorou, como a pandemia trouxe novos desafios”, afirma.
Estudo feito pela empresa, antes da pandemia, concluiu que as pessoas n�o veem a depress�o como uma doen�a. Dos 2 mil entrevistados, 72% a entendem como mito ou n�o reconhecem que ela � mais comum em quem tem hist�rico na fam�lia. Al�m disso, quase metade (47%) acredita que para vencer a depress�o basta ter uma atitude positiva perante a vida e alegria. “As pessoas n�o acham que, para controlar a press�o alta, � s� se acalmar, mas, na depress�o, ainda t�m essa vis�o”, lamenta.
O psiquiatra Michel Haddad explica que o medicamento comp�e o tratamento, mas n�o age sozinho. Al�m disso, quando o tratamento completo � feito precocemente, pode ser otimizado, e as pessoas recuperam a funcionalidade muito mais rapidamente. A psiquiatra Alexandrina Meleiro ainda completa: “Eu uso �culos h� anos. Se eu tirar, n�o enxergo nada. Se eu colocar, volto a enxergar. N�o significa que estou dependente dos �culos. Ele corrige minha defici�ncia. � isso que queremos que as pessoas tenham no��o. A pessoa precisa daquilo, porque � uma doen�a cr�nica. As pessoas falam muito mal dos rem�dios. A pessoa precisa ter disciplina de pensar que sabe o quanto sofreu e n�o quer de novo.”
Grupos de apoio durante a pandemia

A idealizadora e coordenadora do servi�o, Teresa Freire, psic�loga cl�nica, terapeuta comunit�ria e mestre em psicologia, explica que, assim que a pandemia come�ou, preocupou-se com a sa�de mental das pessoas, principalmente das mais pobres, muito mais sujeitas ao desemprego, ao desamparo, � falta de comida, � conviv�ncia familiar em uma casa muito pequena e com muito mais gente, � criminalidade, � viol�ncia dom�stica. “Ent�o, tivemos a ideia de atender voluntariamente. A princ�pio, �ramos sete, depois 17, at� chegar a 70”, conta. S�o volunt�rios do pa�s inteiro com pacientes de dentro e de fora do Brasil.
Para ela, os planos e as ideias que todos tinham como proje��o para o futuro foram obstru�dos. “Uma das caracter�sticas para superar os problemas e ser resiliente � ter uma orienta��o positiva para o futuro, mas isso est� mesmo mais dif�cil diante de uma sociedade mundial que est� derretendo, esfacelando”, lamenta. Por conta disso, mesmo pessoas que nunca tiveram quadros ansiosos e depressivos est�o suscet�veis.
Ansiedade a mil
Quando a pandemia iniciou, Kayo C�sar Borges Rodrigues, 25, estava desempregado. Foi como um banho de �gua fria nas esperan�as de conseguir um emprego. “Eu pensei: agora que n�o vou arrumar nada mesmo”, relembra. O irm�o estava prestes a abrir uma sorveteria, na qual Kayo poderia trabalhar, mas o plano acabou engavetado ainda — h� at� tr�s semanas, quando o com�rcio, finalmente, saiu do papel e Kayo come�ou a trabalhar. Motivo para comemorar.
A dificuldade de conseguir emprego e o isolamento social n�o fizeram nada bem para Kayo. No primeiro m�s, o irm�o e a cunhada mudaram-se para a casa onde mora com os pais e era tudo novidade, festa. “N�s sempre cozinh�vamos, fic�vamos juntos”, conta. Mas, quando o casal saiu, os fins de semana ficaram sem gra�a.
O rapaz passou a ter ins�nia, a ficar irritado por coisas pequenas. “Eu tive o privil�gio de fazer terapia desde os meus 14 anos. Da �ltima vez, recebi alta, no meio do ano passado. Ent�o, quando percebi que estava no meu limite, procurei meu �ltimo psic�logo”, relata. O profissional o orientou que procurasse um projeto de terapia remota gratuita. Ele foi atendido por um psic�logo que estava no Rio de Janeiro, e adorou a experi�ncia. “Com o tempo, fui me estabilizando, sentindo-me melhor”, avalia.
Estrat�gias para uma mente saud�vel
A psiquiatra Alexandrina Meleiro explica que � importante n�o confundir isolamento f�sico com social. � importante manter contato com os amigos e a fam�lia. Ela aconselha tamb�m a valorizar o sono, por ele ser reequilibrador. “� quando a gente recupera a oxida��o do c�rebro”, afirma. � importante dormir em um hor�rio razo�vel para se beneficiar dos picos de horm�nio. Al�m disso, procurar ter uma alimenta��o equilibrada e evitar �lcool e cigarro.
Sobrecarga dentro de casa

Al�m disso, ela afirma que uma pessoa acostumada a sair muito para trabalhar ou para lazer sente uma perda do seu papel social. “Agora, confinada, uma parte da vida dela fica com uma sombra, sem saber como vai acabar.” Sem falar na sobrecarga de trabalho dentro de casa. “Antes, as pessoas tinham ajuda nos afazeres dom�sticos, as crian�as iam � escola”, exemplifica.
Foi o que aconteceu com Amanda Stephanie Gaspari, 29, empres�ria. No in�cio, a fam�lia curtiu a nova rotina, a possibilidade de ficar mais tempo junta. Mas n�o imaginaram que duraria tanto. Como ela e o marido s�o aut�nomos, ele precisou logo voltar � rotina de trabalho na empresa do casal, mas ela descobriu que estava gr�vida do terceiro filho e se viu no grupo de risco. O confinamento se tornou ainda mais importante.
Em meio aos horm�nios da gesta��o, havia aulas on-line dos filhos, servi�os dom�sticos, trabalho administrativo no neg�cio da fam�lia, incertezas do mercado de constru��o — ramo da empresa do casal —, isolamento social e falta de rotina. Tudo isso desencadeou a tr�s dias consecutivos de choro. “Eu n�o sabia nem explicar por que eu chorava, mas n�o conseguia parar. Nunca tinha passado por isso antes, nunca tinha sentido aquele turbilh�o”, relembra.
Buscando ajuda
Amanda lan�ou m�o de algumas estrat�gias para se recuperar e evitar uma nova crise. Passou a acordar mais cedo, para come�ar o dia com mais calma, enquanto as crian�as ainda dormiam. “Fa�o, ent�o, uma reflex�o, uma medita��o, tomo meu caf� da manh� tranquila. J� deixo algo preparado para quando eles acordarem”, relata.
At� o filho mais novo entrou na jogada. Com 10 anos, ele ajudou a m�e em um painel de tarefas, para que a fam�lia tivesse uma rotina. Foi uma divers�o. “Assim, ficou tudo mais ou menos com hor�rio, para a gente n�o se perder. Porque, no in�cio, a rotina estava toda bagun�ada, acord�vamos tarde, a� almo��vamos tarde, tamb�m”, relembra.
E, para completar, entrou em um grupo terap�utico on-line espec�fico para gestantes. Tr�s psic�logas acompanham as gr�vidas na plataforma. “Eu vi que tem muita gente passando pelo mesmo e � muito bom ver que n�o estou sozinha nisso, que n�o sou s� eu naquele barco. Uma ajuda a outra”, alegra-se.
Cartilhas na internet
Pensando no momento �nico que estamos todos vivendo e no somat�rio de condi��es que levam � mudan�a do humor, o grupo de extens�o Liga Acad�mica de Terapia Cognitivo-Comportamental do Departamento de Psicologia da UERJ, que fazia encontros presenciais com a comunidade, tem publicado cartilhas voltadas � sa�de mental dispon�veis, na internet, para toda a sociedade. “Elas s�o resultado de projetos anteriores, que foram adaptados para este momento de pandemia”, explica a doutoranda de psicologia Evlyn Rodrigues.
“Para quem faz o afastamento f�sico entre as pessoas, com crian�as em casa, sem poder extravasar a energia, tarefas dom�sticas que, antes, n�o eram feitas pelos moradores. E para quem n�o faz, que tem bravamente que ir trabalhar: o medo de sair, usar m�scara o dia todo, convivendo com o p�blico, controlando-se para n�o pegar no rosto. Tudo isso cria um problema de natureza emocional devastador”, cita Angela Donato Oliva, coordenadora do grupo.
Confira as cartilhas:
Ligando pais, filhos e av�s na #quarentena
Ansiedade em tempos de isolamento social
Por que me sinto assim? Compreendendo, � luz da psicologia, minhas rea��es � pandemia de Covid-19
Empatia e coopera��o frente � covid-19