
Nesse cen�rio, uma gesta��o inesperada pode ser a expectativa de uma vida melhor e diferente. A gravidez, por si s�, � um per�odo que traz uma mistura de sentimentos. Passar por tudo isso em isolamento social, ent�o, � um desafio in�dito.
Enquanto a maioria das fam�lias pausou os planos de uma gravidez, diante das incertezas do momento, outras se viram surpreendidas pelo teste com dois risquinhos, indicando positivo. A analista Anna Em�lia Arend dos Santos, 29 anos, e o personal trainer Ian Caetano Quadrado, 31, s�o casados h� oito anos e planejavam o primeiro beb� em pelos menos dois ou tr�s anos. Mas Isabel j� estava pronta para fazer parte da fam�lia. Aos quatro meses de gesta��o, Anna brinca que ela � geniosa. “Decidiu vir agora e n�s s� podemos aceitar.”
Anna confessa sentir um pouco de medo e at� ter se questionado como pode trazer uma crian�a a um mundo t�o complicado. As d�vidas, por�m, logo s�o esquecidas quando a analista avalia a chegada de Isabel pela �tica esp�rita — religi�o da fam�lia. “Precisamos evoluir de uma forma ou de outra. Uma hora tudo isso vai passar. Estamos na posi��o de criar crian�as, que podem fazer do mundo um lugar melhor”, acredita.
Quanto � influ�ncia direta do isolamento social durante a gesta��o, Anna enxerga o home office como uma vantagem. N�o precisar perder horas no tr�nsito e ter hor�rios mais flex�veis ajudam com o sono excessivo pelo qual tem passado. A analista conta que em julho, quando o marido voltou ao trabalho presencial, o casal passou a se permitir encontrar alguns familiares e amigos que tamb�m estivessem se cuidando de forma rigorosa. Mas ao descobrir a gravidez, voltou a se isolar durante os tr�s primeiros meses de gesta��o, uma vez que estudos sugerem que o v�rus pode afetar a forma��o do beb�.
Agora, o foco � no futuro. Ao sair para as consultas do pr�-natal e para preparar a casa e o quarto de Isabel, Anna tenta esquecer a pandemia e as consequ�ncias que o v�rus pode trazer. “Tentamos pensar al�m do v�rus. Eu me permito planejar o futuro, n�o posso deixar de ir �s consultas ou de preparar a chegada dela, ent�o, tento n�o focar nisso.”
Alertada pela obstetra sobre a import�ncia da atividade f�sica, Anna faz caminhadas ao redor do pr�dio, escolhendo os hor�rios mais vazios, e frequenta aulas de hidrogin�stica para gestantes duas vezes por semana. “� tudo bem controlado.”
Ian sempre quis ser pai e n�o poderia estar mais feliz, apesar da surpresa. O casal confessa que sabia que a gravidez era uma possibilidade n�o t�o inesperada assim, uma vez que Anna j� est� h� alguns anos sem tomar p�lula anticoncepcional. “Brincamos que quem est� na chuva � para se molhar e j� estamos muito animados. Ela vai ser a primeira neta da fam�lia e j� est� sendo muito mimada.”
Queda de fertilidade
Andr�ia Regina Ara�jo, ginecologista e chefe da Unidade de Ginecologia e Obstetr�cia do Hospital Materno Infantil (Hmib), informa que na rede p�blica n�o foi registrado um aumento no n�mero de gesta��es, mas, sim, uma mudan�a de perfil.
A m�dica explica que houve diminui��o dos chamados atendimentos de porta no Hmib. “As pessoas que chegavam para o atendimento emergencial estavam realmente em situa��es que n�o poderiam esperar. Mas, em tudo o que podia ser adiado, percebemos as gr�vidas evitando se expor.”
Em an�lises das gr�vidas atendidas nas redes p�blica e particular, tanto por ela quanto por outros colegas, Andr�ia ressalta o car�ter n�o planejado das gesta��es. A maioria das mulheres em tratamento para engravidar, em processo de reprodu��o assistida ou as que planejavam ter beb�s este ano, optou por adiar um pouco os planos, tanto por uma quest�o de sa�de quanto pelas incertezas do futuro.
“Nos consult�rios, colegas chegaram a passar tr�s, quatro meses sem abrir novos cart�es de pr�-natal. Ano que vem, acredito que vamos ter um v�cuo, uma queda de nascimentos, como reflexo deste ano”, analisa. As mulheres que seguiram os planejamentos de gravidez foram as na faixa dos 40 anos.
Entre o choque e a alegria

No caso da publicit�ria Andrezza Vict�ria Nicolau Vieira da Costa, 24 anos, a janela da troca de anticoncepcional acabou resultando na gravidez da primeira filha, Ana Clara. Acostumada a ter alguns dias de atraso no ciclo menstrual, Andrezza demorou um pouco para suspeitar e atribuiu o cansa�o excessivo � rotina intensa de trabalho.
A fadiga e as dores nas costas chamaram a aten��o de algumas colegas durante os poucos encontros de trabalho presenciais e elas sugeriram o teste. “Falei que n�o tinha nada a ver, que era s� o estresse da campanha que est�vamos fazendo, mas elas insistiram e foram comprar na farm�cia”, lembra.
Andrezza ficou paralisada quando viu o resultado e chegou a duvidar do positivo, alegando que o segundo risquinho estava muito apagado. Mas n�o havia muito espa�o para d�vida e, no mesmo dia, as amigas ajudaram a publicit�ria a fazer uma caixinha com um sapatinho de beb� para que ela pudesse surpreender o namorado. “Foi at� engra�ado, elas empolgadas, montando a caixinha, escrevendo que ele ia ser papai e eu sentada, olhando para a frente, e em choque.”
Andrezza sempre quis ser m�e, mas n�o pensava em engravidar nos pr�ximos tr�s anos. As l�grimas de emo��o e alegria do namorado a tiraram do estado de choque e os planos que o casal tinha de morar juntos come�aram a sair do papel mais r�pido.
A import�ncia do isolamento
Aos seis meses de gesta��o, Ana Clara j� tem plano de sa�de e o lugar onde vai estudar imaginados pelo casal. Com o parto previsto para o fim de fevereiro, Andrezza tem esperan�as na vacina, mas garante que pretende viver os primeiros meses da filha o mais isolada poss�vel. “Fazemos planos como se o mundo tivesse normal, mas e se n�o estiver? � importante estar preparada.”
Ela acredita que o processo de isolamento foi determinante para a chegada de Ana Clara. Em home office e com a impossibilidade de sair, o casal investiu em programas a dois, o que aumentou o romance.
Com poucos compromissos presenciais al�m das consultas, Andrezza revela que ficou ainda mais atenta aos cuidados com higiene. Durante a gesta��o, precisou lidar com a morte do av� por covid-19 e percebeu que suas experi�ncias a influenciaram a se posicionar contra a falta de preven��o do coronav�rus. “Sinto que o mundo parou, tanta gente demitida, que perdeu pessoas amadas, e abro as redes sociais e vejo o pessoal em festas, bares. Parece que n�o se importam com o sofrimento alheio. Como m�e, e no dia que recebi a not�cia sobre meu av�, eu me senti na obriga��o de me posicionar para proteger minha fam�lia.”
Apesar de ressaltar a import�ncia do isolamento, Andrezza conta que se sente solit�ria algumas vezes e ficou triste por n�o poder curtir a gesta��o como imaginava. A expectativa da fam�lia e dos amigos reunidos e mimando sua barriga povoava os sonhos, mas a realidade precisou de ajustes. Encontros familiares via v�deo foram o que salvaram os momentos de revela��o da gravidez e do g�nero do beb�.
O momento certo

Com quase oito meses e meio de gravidez, a banc�ria Gisele Omizzolo, 37 anos, desde o in�cio da pandemia, carregaca, sem saber, a primeira filha biol�gica, Emanuele. Atribuindo o atraso na menstrua��o ao estresse, ela demorou um pouco para desconfiar e descobriu a gesta��o na primeira semana de home office.
Apesar de enxergar algumas vantagens, como poder passar esses meses em casa, com roupas confort�veis e trabalhar com os p�s descal�os e colocados confortavelmente para o alto, Gisele lembra que, logo no in�cio da pandemia, com a falta de informa��es precisas e o isolamento mais intenso, foi dif�cil. Al�m do receio de sair de casa para exames e consultas, Gisele lamenta n�o ter tido a chance de curtir a barriga cercada de amigos e familiares.
O pai de Gisele, que mora no Sul e faz parte do grupo de risco pela idade, tinha at� desistido de ser av�, o que a fez criar coragem de viver uma aventura para mostrar a barriga aos pais. Ela e o marido, o banc�rio An�bal Ramos, 41, pegaram o carro, encheram de mantimentos e seguiram para a Serra Ga�cha. Foram mais de 4 mil quil�metros de ida e volta, mas valeu a pena. “Foi m�gico compartilhar isso com eles. A tecnologia � boa, ajuda, mas nem sempre os mais velhos conseguem usar direito. Foi muito especial eles poderem me ver”, lembra.
Cuidado redobrado
Para a banc�ria, o respiro de ver a fam�lia foi essencial para se manter bem emocionalmente. Ela prev� que, depois do nascimento do beb�, passar� ainda mais tempo na vida de eremita. Com o marido e a enteada, Elo� M. Ramos, 10 anos, a quem considera filha de cora��o, n�o recebe ningu�m em casa e manteve os h�bitos de higiene extremamente refor�ados. A fam�lia agarro-seu nas partes positivas do planejamento para se animar.
Elo� n�o poderia estar mais empolgada com a chegada da irm�, muito desejada. Gisele conta que adiou a gravidez por diversos motivos e que, h� alguns anos, decidiu deixar a cargo do destino. Se engravidasse seria incr�vel; caso contr�rio, tudo bem. N�o queria se submeter a uma s�rie de procedimentos m�dicos.
Gisele acredita que tudo aconteceu como deveria, se estivesse planejando engravidar, dificilmente tomaria a decis�o em 2020. “Se fosse analisar racionalmente, eu n�o planejaria, porque o mundo est� uma loucura, mas a sensa��o de gerar uma vida � m�gica. Acredito que tudo tem um prop�sito e esse era o momento de ela chegar.”
A banc�ria acredita, ainda, que a partir do momento que as coisas come�arem a melhorar e estivermos mais perto de uma solu��o, a sensa��o de continuidade da fam�lia vai aumentar e podemos viver um baby boom. “Com novas crian�as chegando, temos a oportunidade de deixar filhos melhores para um mundo melhor.”
Tranquilidade durante a gesta��o
A psic�loga Ana L�dia Angel explica que a gesta��o, por si s�, � um momento de muita fragilidade emocional, em virtude das oscila��es hormonais, e que a pandemia surge como um agravante. A falta de contato com familiares e amigos e o medo do futuro tornam-se ainda mais delicados quando se considera que n�o temos repert�rio de aprendizado para lidar com o processo de pandemia e isolamento social.
Para Ana L�dia, sempre que nos deparamos com dificuldades in�ditas, nossa mente n�o est� preparada, o que piora as consequ�ncias emocionais. No caso das gestantes, al�m das preocupa��es com a pr�pria sa�de e com o beb�, o sofrimento ps�quico � agravado. “O novo assusta, o diferente causa p�nico, e tudo que a gestante precisa � se sentir segura. Ent�o, � imprescind�vel cuidar do emocional nesse momento.” A psic�loga ressalta ser comprovado de que as emo��es da m�e, como ansiedade, ang�stia e inseguran�a, podem ser transmitidas para o beb�.
O processo de psicoadapta��o ao que vivemos, no entanto, j� come�ou. O c�rebro e o emocional conseguem compreender melhor a pandemia e temos informa��es no que diz respeito � preven��o, bem como esperan�a em solu��es, como as vacinas.
Ana L�dia recomenda que as gestantes de quarentena busquem suporte emocional, seja com a fam�lia, seja com os amigos, com os parceiros, usem a leitura e a informa��o confi�vel para aumentar a sensa��o de seguran�a e, quando necess�rio, n�o hesitem em buscar suporte profissional.
Al�m disso, ter uma rede apoio confi�vel, pessoas que estejam se mantendo isoladas e respeitando as medidas de seguran�a, � importante. “Em uma situa��o em que a gestante precise de um aux�lio, de algu�m ali, � importante ter op��es.”