
Entre os purpurados que assumem, nove s�o eleitores em um eventual conclave - ou seja, t�m menos de 80 anos. As vozes das periferias seguem bem representadas. Torna-se cardeal o bispo Cornelius Sim, o �nico de Brunei, pa�s mu�ulmano onde a evangeliza��o crist� � proibida. Tamb�m recebem o barrete cardinal�cio o arcebispo Antoine Kambanda, sobrevivente do genoc�dio de Ruanda - praticamente toda a fam�lia morreu no massacre de 1994 - e o arcebispo filipino Jos� Advincula.
"Um cardeal viaja v�rias vezes em sua vida a Roma - pelo menos uma vez por ano. Ao nomear o bispo Cornelius Sim cardeal, administrador apost�lico de uma diocese com apenas tr�s padres em Brunei, uma monarquia mu�ulmana, o papa torna essa realidade ‘perif�rica’ da Igreja ainda mais presente no Vaticano", afirmou a vaticanista argentina In�s San Mart�n, diretora do escrit�rio romano da Crux Catholic Media. Para ela, isso proporcionar� ao Vaticano uma "experi�ncia muito diferente" se comparada com a trazida pelos purpurados de um pa�s onde cat�licos s�o maioria.
Cardeais americanos
Altamente simb�licas foram as indica��es de dois arcebispos de grandes dioceses do continente americano. Ex-presidente da confer�ncia episcopal dos Estados Unidos, o arcebispo de Washington, Wilton Gregory, ser� o primeiro negro americano cardeal - em um momento em que os EUA vive onde de protestos raciais.
Olhando para um Chile tamb�m tomado por manifesta��es e vandaliza��o de igrejas, Francisco tornar� purpurado o espanhol Celestino A�s Braco, arcebispo de Santiago. Para o vaticanista italiano Andrea Gagliarducci, o nome de Braco "foi uma escolha quase �bvia", j� que a Igreja chilena "passa por forte mudan�a ap�s o esc�ndalo de abusos" e "precisa de um cardeal, um guia".
No caso do norte-americano, Gagliarducci acredita que "n�o � o fato de ele pertencer ao Black Lives Matter que conta, mas sim o desejo do papa de "mudar o perfil dos cardeais americanos". O vaticanista entende que o recado � que a Igreja busca, no episcopado dos Estados Unidos "n�o guerreiros culturais, mas construtores de pontes, mesmo em quest�es candentes como as de vida e g�nero".
Europa perde hegemonia
Este � o primeiro papado em que os europeus n�o comp�em a maioria do col�gio cardinal�cio. Em 1903, no primeiro conclave do s�culo 20, 98,4% dos cardeais eram origin�rios da Europa. No entanto, essa cifra chegou a 42,9% no consist�rio do ano passado e cair� para 42,2% a partir do dia 28, considerando os cardeais eleitores. Quando o argentino Jorge Mario Bergoglio se tornou papa Francisco, em 2013, a Europa detinha 60,9% do col�gio."A geopol�tica de Francisco � pautada pelas periferias. Vemos isso nas suas viagens, nas pautas que defende e nas nomea��es, tanto de cardeais quanto de bispos", comentou a vaticanista Mirticeli Medeiros, pesquisadora de Hist�ria do Catolicismo na Pontif�cia Universidade Gregoriana de Roma. "Foi a lugares que jamais tinham sido visitados por um papa ou onde os crist�os s�o minoria, como Mianmar, Bangladesh, Tail�ndia e Emirados �rabes. Escolhe cardeais de pa�ses que nunca sonharam em ter um."

"O papa Francisco pensa de forma poli�drica. Ou seja, v�rias facetas para compor o cen�rio multilateral da Igreja e do col�gio de cardeais. Todos precisam ouvir a todos para realizar a sinfonia", afirma o te�logo e fil�sofo Fernando Altemeyer Junior, da Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo (PUC-SP).
Tornou-se comum no pontificado atual a nomea��o de cardeais j� com mais de 80 anos. � o caso de quatro dos nomes anunciados no �ltimo domingo. Francisco costuma fazer isso como forma de reconhecimento. "Em muitos casos, a trajet�ria pastoral da pessoa, bem como o povo sofrido que ela representa, pesam muito mais do que o curr�culo acad�mico na hora da escolha", diz Mirticeli.
Primeiro afro-americano � nome forte
Entre os novos anunciados por Francisco para compor o cardinalato, as vozes baixas dos corredores do Vaticano j� elegeram o norte-americano Wilton Daniel Gregory, arcebispo de Washington, como o nome mais forte. Aos 72 anos, o primeiro cardeal norte-americano negro da hist�ria sintetiza valores muito caros ao pontificado de Francisco. Ao mesmo tempo, ele est� no centro de movimentos importantes do mundo contempor�neo."� uma mensagem muito clara n�o apenas no contexto do Black Lives Matter, mas em um momento em que o pa�s norte-americano est� profundamente dividido pelo racismo, polariza��o e radicaliza��o do discurso p�blico", afirma a vaticanista argentina In�s San Mart�n, diretora do escrit�rio romano da Crux Catholic Media.

Nascido em Chicago, filho de pais divorciados, Gregory decidiu se tornar padre aos 11 anos, antes mesmo de ter se convertido ao catolicismo. Foi ordenado em 1973, doutorou-se em Liturgia Sagrada em Roma e tornou-se bispo em 1983. Ao longo de seu episcopado, ficou conhecido pela postura de acolhimento a cat�licos LGBT e pela defesa da import�ncia de uma maior representatividade dos negros na Igreja dos Estados Unidos.
O religioso � enf�tico no discurso antiarmamentista. Em pelo menos duas ocasi�es, criticou publicamente o presidente Donald Trump.
Em meio aos atuais movimentos antirracistas, sua voz se ergue em defesa dos negros norte-americanos. Entre 2001 e 2004, Gregory presidiu a confer�ncia episcopal norte-americana (USCCB, na sigla em ingl�s). Nessa �poca, conduziu uma pol�tica de toler�ncia zero frente a casos de abusos sexuais do clero. Em 2019, quando a Arquidiocese de Washington estava no epicentro de esc�ndalos sexuais, ele foi nomeado pelo papa Francisco para assumir o posto e recuperar a confian�a dos fi�is. A partir da�, j� se ventilava que Gregory estava cotado para receber o barrete cardinal�cio.
"A geopol�tica de Francisco � pautada pelas periferias. Vemos isso nas suas viagens, nas pautas que defende e nas nomea��es, tanto de cardeais quanto de bispos"
Mirticeli Medeiros, pesquisadora de Hist�ria do Catolicismo na Pontif�cia Universidade Gregoriana de Roma
Pesquisadora de Hist�ria do Catolicismo na Pontif�cia Universidade Gregoriana de Roma, a vaticanista Mirticeli Medeiros concorda que Francisco "s� esperava o momento certo para faz�-lo" cardeal. "E o clamor popular, os protestos, o debate em torno do tema talvez o tenham motivado a lan�ar, de uma vez, essa nomea��o", comentou.
"Parece ser uma pessoa moderada. Fala pouco mas, quando fala, fala forte", pontua o vaticanista Filipe Domingues, da Universidade Gregoriana de Roma. "Por ser um negro nos Estados Unidos, onde os negros cat�licos s�o a minoria da minoria, ele traz uma bagagem que n�o estava representada no col�gio cardinal�cio."
Para o te�logo e fil�sofo Fernando Altemeyer Junior, da PUC de S�o Paulo, a nomea��o de Gregory mostra que "a Igreja segue seu caminho sem submeter-se aos imperialismos ou decis�es dos grandes detentores do poder mundial". Os cardeais, acrescenta, "s�o escolhidos sintonizados com o projeto de uma Igreja mission�ria e pr�xima dos povos". "S�o novos horizontes de sentido, um novo modo de ser bispo e ser cardeal."
Sem representantes de Brasil e da Amaz�nia
Havia uma expectativa de que o papa Francisco, atento �s quest�es ambientais e na sequ�ncia do S�nodo dos Bispos sobre a Amaz�nia realizado no ano passado, fizesse cardeal algum bispo amaz�nico. Da lista dos 13 anunciados pelo pont�fice, contudo, n�o consta nenhum novo nome brasileiro ou da regi�o.Com nove cardeais, o Pa�s segue bem representado no col�gio cardinal�cio. Quatro deles ainda s�o eleitores: o arcebispo de S�o Paulo, d. Odilo Pedro Scherer; o do Rio, d. Orani Jo�o Tempesta; o de Salvador, d. S�rgio da Rocha; e o atual prefeito da Congrega��o para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apost�lica no Vaticano, d. Jo�o Braz de Aviz.
"Por que nenhum brasileiro?", indaga-se o te�logo e fil�sofo Fernando Altemeyer Junior, da PUC-SP, ao ver a lista dos novos indicados por Francisco. "Creio que algum bispo amaz�nico poderia ser nomeado em um pr�ximo consist�rio…"
O papel de representante amaz�nico dentre os purpurados do Vaticano vem sendo cumprido por um amigo pessoal do papa Francisco, o cardeal Cl�udio Hummes, arcebispo em�rito de S�o Paulo e presidente da rec�m-criada Confer�ncia Eclesial da Amaz�nia.
"Olhando para o atual col�gio, o Brasil tem um n�mero adequado de representantes", analisa o vaticanista Filipe Domingues, doutor pela Pontif�cia Universidade Gregoriana de Roma.
As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.