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Estado de Minas VIOL�NCIA

'N�o existe Justi�a': o drama dos pais de crian�as assassinadas no Rio

Sem puni��o, mortes se repetem, dizem estudiosos da viol�ncia %u2014 no caso mais recente, as primas Rebbeca e Emily perderam a vida na porta de casa


15/12/2020 15:11 - atualizado 15/12/2020 16:39

Apenas 11% das investigações homicídios têm resolução no Rio de Janeiro, conforme dados coletados pela Sou da Paz(foto: EPA)
Apenas 11% das investiga��es homic�dios t�m resolu��o no Rio de Janeiro, conforme dados coletados pela Sou da Paz (foto: EPA)

A dor que fulminou a fam�lia de Rebecca e Emilly — primas assassinadas por um tiro de fuzil em 4 de dezembro enquanto brincavam em frente de casa, na comunidade do Barro Vermelho, em Duque de Caxias (RJ) — foi a mesma que desmoronou sobre Leandro Monteiro de Matos, pai de Vanessa Vit�ria dos Santos, morta em julho de 2017, com dez anos, ao ser baleada na cabe�a dentro de casa na regi�o conhecida como Boca do Mato, em Lins de Vasconcelos, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, durante uma opera��o policial.

 

 

 

Como no caso de Rebecca Beatriz Rodrigues Santos (7 anos) e Emilly Victoria da Silva Moreira Santos (4 anos), a morte de Vanessa provocou grande como��o, colocando press�o sobre a Pol�cia Civil e o Minist�rio P�blico do Rio de Janeiro para esclarecer o caso.

No entanto, mais de tr�s anos depois, ningu�m foi punido pelo crime e Matos ainda n�o tem resposta sobre os respons�veis por retirar a vida de sua filha precocemente. Uma demora, diz ele, que torna seu sofrimento ainda pior.

"Eu entreguei na m�o de Deus (a resolu��o do caso). Eu tenho esperan�a que seja resolvido, mas n�o estou muito confiante porque, infelizmente, pra pobre e favelado n�o existe Justi�a", afirmou � BBC News Brasil.

"A verdade � que o Minist�rio P�blico eu n�o sei nem pra que serve", disse tamb�m, ao criticar o que v� como falta de vontade da institui��o para investigar o caso.

Para o pai de Vanessa, a falta de resolu��o e puni��o para a morte de sua filha e in�meros casos semelhantes ao dela alimentam a repeti��o desses assassinatos. Somente em 2020, outras dez crian�as de at� 14 anos al�m de Rebecca e Emilly morreram baleadas no Estado do Rio de Janeiro, segundo monitoramento da organiza��o Rio de Paz.

"Eu fico muito triste com isso (a morte das duas primas). Porque se l� atr�s, quando eu pedi (por puni��o), se tivessem feito o que eu tava pedindo, e que outros pediram antes de mim, teria evitado de acontecer", lamenta ele.

"Eu sou criado em comunidade. Infelizmente, veio a acontecer com minha filha, mas j� vi acontecer com v�rias outras pessoas e ningu�m saber (quem s�o os culpados). O parente vai, faz o sepultamento do parente falecido, e acabou", revolta-se.

Vanessa foi baleada ao chegar em casa da escola, numa tarde de ter�a-feira, 4 de julho de 2017. Segundo parentes que estavam presentes, policiais militares da Unidade de Pol�cia Pacificadora (UPP) Camarista-M�ier invadiram a resid�ncia para atirar contra traficantes. Um inqu�rito da Pol�cia Civil investiga o caso, mas at� hoje n�o foi conclu�do.


Leandro Monteiro espera há três anos por um resposta sobre a morte da filha, Vanessa(foto: Arquivo pessoal)
Leandro Monteiro espera h� tr�s anos por um resposta sobre a morte da filha, Vanessa (foto: Arquivo pessoal)

O abandono do caso de Vanessa n�o � exce��o no Rio de Janeiro, Estado que resolve apenas 11% dos casos de homic�dio, segundo a edi��o deste ano do estudo Onde mora a impunidade, da organiza��o Sou da Paz, que analisou homic�dios ocorridos em 2017 e esclarecidos at� dezembro de 2018.

Ou seja, no Rio de Janeiro, a cada cem assassinatos no ano da morte de Vanessa, apenas onze haviam gerado uma den�ncia criminal pelo Minist�rio P�blico at� o fim do ano seguinte — o pior resultado entre onze estados que disponibilizaram dados para o estudo (AC, DF, ES, MT, MS, PA, PE, RJ, RO, SC, SP).

No entanto, mesmo os casos em que h� den�ncia criminal costumam se arrastar na Justi�a, aumentando a insatisfa��o das fam�lias, disse � BBC News Brasil o defensor p�blico F�bio Amado, coordenador do N�cleo de Direitos Humanos da Defensoria do Rio.

"Essa demora faz perdurar o luto, o sofrimento das fam�lias. A Justi�a precisa ser, claro, eficiente, correta, mas tem que ser r�pida tamb�m. Porque, quando ela demora demais, faz nascer dentro das fam�lias um sentimento de injusti�a", nota ele.

Segundo Amado, a Defensoria d� suporte �s fam�lias tanto em a��es civis, que buscam repara��o com apoio psicol�gico e repara��o financeira, quanto nos processos criminais. Ele diz, por�m, que a maioria busca a puni��o penal.

"Em regra, a fam�lia tem mais interesse na esfera criminal. O sentimento de justi�a caminha muito por uma responsabiliza��o criminal do autor ou autores dos disparos", ressalta.

Pol�cia tem baixa capacidade de investiga��o

Assim como o pai de Vanessa, a diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, tamb�m considera que a baixa resolu��o dos homic�dios no Rio contribui para que os assassinatos se repitam.

"A puni��o tem um impacto dissuas�rio ao desbanalizar esse crime. Mas n�o se trata apenas de ficar colocando homicida na cadeia, � porque um bom esclarecimento produz dados melhores sobre as din�micas de homic�dios importantes para que se possa fazer melhores pol�ticas de preven��o tamb�m", defende.

"Al�m de garantir o direito na Justi�a � verdade, � mem�ria para as fam�lias das v�timas", acrescenta.

Ela diz que � fundamental aumentar a capacidade de investiga��o da Pol�cia Civil, ampliando a qualifica��o dos agentes e dando mais instrumentos para produ��o de provas periciais, como a an�lise r�pida da cena do crime. "As primeiras 24 horas, 48 horas, s�o muito importantes para a elucida��o do homic�dio", destaca.

No caso de uma pessoa morta baleada, a atua��o da per�cia busca elucidar, por exemplo, a trajet�ria do proj�til que atingiu a v�tima, para descobrir de onde partiram os tiros. Caso a bala seja encontrada, � poss�vel realizar um exame de confronto bal�stico para identificar de qual arma o tiro foi disparado.

De acordo com o defensor F�bio Amado, o exame inicial do crime produz um "laudo de exame local". � um exame que depois deve ser complementado com mais profundidade pela reprodu��o simulada dos fatos, prova pericial mais conhecida como reconstitui��o do crime.

Considerada etapa fundamental numa investiga��o penal, a reconstitui��o n�o foi feita no inqu�rito que investiga a morte de Vanessa, afirma seu pai.

"A reprodu��o simulada dos fatos n�o acontece em todos os processos, mas ele � crucial. � um procedimento que demanda �s vezes um efetivo grande de peritos, agentes, muitos servidores p�blicos", nota F�bio Amado.

"Isso (a realiza��o da reconstitui��o) varia de acordo com o delegado que est� presidindo o inqu�rito, a delegacia onde corre, a exist�ncia de peritos para acompanhar e executar esse tipo de dilig�ncia, mas a m�dia tem um papel crucial em levar adiante esses fatos, porque, a partir de uma grande visibilidade e repercuss�o, nos percebemos que as reprodu��es costumam ser feitas", acrescentou.

O assassinato de Jo�o Pedro Matos Pinto, de 14 anos, ocorrido durante opera��o policial em maio no complexo de favelas do Salgueiro, em S�o Gon�alo, regi�o metropolitana do Rio, por exemplo, teve a reprodu��o simulada dos fatos realizada em 29 de outubro, demora atribu�da � pandemia de coronav�rus.

A reconstitui��o do crime contou com cerca de 20 policiais, dez testemunhas, al�m de peritos e investigadores da pol�cia e do Minist�rio P�blico estadual, segundo o portal G1. Tamb�m foram usados na reconstitui��o um blindado e um helic�ptero da Pol�cia Civil — ap�s ser baleado, Jo�o Pedro chegou a ser levado de helic�ptero pela pol�cia e a fam�lia ficou horas sem not�cias dele.

Parentes e amigos de Jo�o Pedro que estavam presentes no momento de sua morte dizem que agentes entraram na casa atirando e balearam o menino. A vers�o da pol�cia � de que traficantes pularam o muro da resid�ncia e o menino foi atingido durante confronto.

O caso � exemplar de irregularidades comuns em investiga��o de mortes de pessoas baleadas nas comunidades do Rio. Como diversas vezes a pol�cia est� envolvida, nota Carolina Ricardo, � frequente que policiais, ao inv�s de preservar o local do crime, removam o corpo da v�tima e tentem destruir provas.

No caso de Jo�o Pedro, como ele foi baleado em �rg�os vitais, � prov�vel que j� estivesse morto quando foi levado de helic�ptero, avalia a Defensoria P�blica do Rio de Janeiro. O �rg�o questiona tamb�m o fato de tr�s granadas (n�o detonadas) que os policiais que participaram da a��o apresentaram como prova de que os traficantes entraram na casa terem sido periciadas pelo Esquadr�o Antibombas da Core (�rg�o do qual fazem partes policiais que estavam na opera��o) e depois terem sido destru�das.


Família só localizou o corpo de João Pedro no dia seguinte à sua morte(foto: Reprodução/Facebook)
Fam�lia s� localizou o corpo de Jo�o Pedro no dia seguinte � sua morte (foto: Reprodu��o/Facebook)

Testemunhas amedrontadas

Com a baixa capacidade de investiga��o, a prova mais comumente utilizada pela pol�cia no Brasil � a colheita de depoimento de testemunhas, afirma Carolina Ricardo. Ela diz que mesmo esse tipo de investiga��o precisa ser melhorada, pois muitas vezes a testemunha n�o se sente segura em falar.

Esse problema tamb�m foi enfrentado pelo pai de Vanessa, que conta ter tido medo de ser morto devido a sua insist�ncia em cobrar justi�a pelo assassinato de sua filha.

Matos disse � reportagem que foi interrogado como se tivesse responsabilidade pelo ocorrido, porque a crian�a estava sozinha na casa no momento em que a pol�cia invadiu a resid�ncia — ela entrou para trocar o sapato pelo chinelo antes de ir para a casa de sua madrinha, vizinha � dela.

"O que eles fizeram (no inqu�rito) foi interrogar os parentes que estavam presentes, minha nora, a madrinha (da Vanessa). Me chamaram tamb�m, nem presente eu tava (no momento da morte) e tive que ir na DH (Delegacia de Homic�dios) duas vezes. Horas e horas e horas e, mesmo na presen�a de advogado, eles n�o respeitam nem a dor da pessoa", contou.

"Eu na �poca estava morrendo de medo porque eu estava dando muita entrevista", lembrou tamb�m.

Leandro Matos tem sido assessorado pelo escrit�rio do advogado Jo�o Tancredo, conhecido por atender fam�lias pobres vitimadas pela viol�ncia policial. Ele diz que, independente de onde partiu o tiro que matou sua filha, o Estado tem responsabilidade pelo crime.

"O fato do Estado estar presente dentro da casa, porque a pol�cia � do Estado e inclusive um dos policiais estava impedindo a sa�da da minha filha na hora que a madrinha estava chamando, ent�o o Estado � culpado de qualquer forma. Quem colocou o policial l� dentro foi o Estado", afirma Matos.

Enquanto sofre aguardando por justi�a, ele se agarra �s mem�rias boas da filha. "N�o tem um dia da minha vida que eu n�o penso na minha filha. Eu guardo aquele sorriso dela. Eu procuro pensar nas coisas boas que ela me proporcionou", contou, emocionado.

A BBC News Brasil questionou na sexta-feira (11/12) a Pol�cia Civil e o Minist�rio P�blico do Rio de Janeiro sobre a lentid�o no esclarecimento do homic�dio de Vanessa, mas n�o obteve retorno at� a publica��o da reportagem.

'Balas perdidas que encontram corpos negros'

Carolina Ricardo diz que diversos fatores explicam o resultado do Rio de Janeiro no levantamento sobre resolu��o de homic�dios na compara��o com outros Estados: al�m da falta de capacidade da Pol�cia Civil para investigar, ela aponta a "bagun�a administrativa" e a crise fiscal do Estado. Ela tamb�m afirma que parte das for�as de seguran�a est� corrompida, atuando na criminalidade como mil�cias em diversas comunidades.

Segundo a diretora do Sou da Paz, mudar esse quadro exige vontade pol�tica e gest�o estrat�gica do governo estadual. Para ela, por�m, o Rio de Janeiro foi na dire��o contr�ria nos �ltimos anos, na gest�o do governador Wilson Witzel (atualmente afastado, enquanto enfrenta um processo de impeachment).

No ano passado, ele extinguiu a Secretaria de Seguran�a P�blica e a gratifica��o para policiais cujos batalh�es reduzissem as mortes provocadas durante opera��es policiais.

Na sua avalia��o, o fato de esses assassinatos ocorrerem muitas vezes de "bala perdida" n�o impede que investiga��es identifiquem a responsabilidade do crime.

"Essas balas n�o s�o perdidas, elas saem de uma determinada arma e elas atingem sim os corpos que a gente conhece. A foto das crian�as assassinadas baleadas no Rio mostra que s�o crian�as negras, um perfil espec�fico. Isso � muito grave", critica.

A diretora do Sou da Paz considera que o perfil das v�timas influi na baixa resolu��o dos casos, devido � "seletividade" da Justi�a brasileira.

"Existe uma seletividade no sistema de seguran�a p�blica e de Justi�a criminal. Uma pessoa branca possivelmente seria morta num outro contexto, num assalto, at� o local onde ela morre facilita a preserva��o da cena do crime porque tem menos for�as ilegais circulando ali, sejam as policiais, sejam do tr�fico. E voc� tem uma press�o p�blica (cobrando a resolu��o do caso), uma press�o financeira das fam�lias das v�timas, vozes que falam mais alto no debate p�blico, s�o mais ouvidas", acredita.

"J� as v�timas nas comunidades s�o corpos e grupos que s�o considerados mais mat�veis. Parte da opini�o p�blica acha que, porque estava na favela, � traficante, tem que morrer mesmo. O fato de essas pessoas serem consideradas mat�veis e suas vozes n�o serem t�o ouvidas � fruto do racismo estrutural e impacta no rumo do nosso sistema de Justi�a", refor�a.

Investiga��o das mortes de Rebecca e Emilly

O assassinato de Rebecca e Emilly est� sendo investigado pela Delegacia de Homic�dios da Baixada Fluminense. Foram apreendidos fuzis e pistolas de cinco policiais que estavam na regi�o do crime, para realiza��o de confronto bal�stico. Av� de Rebecca e tia de Emilly, L�dia da Silva Moreira Santos disse que viu policiais atirarem da viatura em dire��o � rua.

J� a Pol�cia Militar afirma que uma equipe do 15º Batalh�o (Duque de Caxias) fazia patrulhamento na rua Lauro Sodr�, na altura da comunidade do Sapinho, quando foram ouvidos disparos de arma de fogo. Segundo a nota da corpora��o, "n�o houve disparos por parte dos policiais militares".

Em protesto no s�bado 6 de dezembro, Alessandro dos Santos, pai de Emilly, cobrou puni��o. "Que esse policial possa pagar diante da justi�a dos homens e diante da justi�a de Deus. N�o desejo que ele passe pela dor que eu estou passando nesse momento", disse durante o ato, segundo o jornal Extra.


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