
"Tem dias em que sinto que vivo em um universo paralelo", desabafou a psic�loga Larissa Figueiredo Gomes, de 41 anos, em uma publica��o em seu perfil no Instagram. Na linha de frente dos atendimentos relacionados � covid-19, ela tem convivido intensamente com casos de pacientes infectados pelo coronav�rus.
"Abrir o Instagram nos fins de semana, por exemplo, � uma tortura, porque muitos conhecidos est�o em festas ou em outros locais com aglomera��o. As pessoas precisam se cuidar", diz � BBC News Brasil.
Larissa � psic�loga intensivista em um hospital privado em Belo Horizonte (MG). Ela � uma das respons�veis por cuidar da sa�de mental de pacientes internados no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do local. Nos �ltimos meses, se viu em meio a momentos de exaust�o f�sica e psicol�gica.
Enquanto os n�meros de casos da covid-19 aumentaram nas �ltimas semanas, Larissa afirma que notou que cada vez mais as pessoas ignoram o isolamento social.
"Tem sido um per�odo de cansa�o n�o s� profissional, como pessoal. Quem trabalha na �rea da sa�de est� cansado. O fim de ano, que normalmente era o momento de desacelerar e fazer planos, agora n�o pode mais ser planejado. N�o sabemos como ser�o as coisas nas pr�ximas semanas", lamenta.
Neste m�s, ela soube de diversos conhecidos infectados pela covid-19. "Mais at� do que durante o pico de casos, em meados deste ano", diz a psic�loga.
A tend�ncia de aumento de casos segue em todo o pa�s. At� este domingo (20), de acordo com o Minist�rio da Sa�de, o Brasil j� registrou mais de 186,7 mil mortes causadas pelo coronav�rus e 7,2 milh�es de casos de infec��es.
Diante da atual situa��o da pandemia, ela decidiu desabafar em seu perfil no Instagram. O relato, publicado no �ltimo dia 12, gerou repercuss�o nas redes. A publica��o original teve 5,5 mil curtidas — as postagens anteriores da psic�loga costumavam ter menos de 100 curtidas. Logo, o texto passou a ser compartilhado por centenas de pessoas.

O relato
"Acordo cedo, vou para o hospital. Fulano est� saturando mal (com dificuldades para respirar espontaneamente), avisa o fisioterapeuta. M�dico avalia e lamenta: vamos ter que intubar. Enfermagem come�a uma opera��o de guerra para preparar o procedimento", descreve a psic�loga, na introdu��o de seu relato.
No texto, Larissa detalha a rotina de quando precisa auxiliar na comunica��o entre o paciente e a fam�lia dele.
"Tablet na m�o. Entro no box acompanhando o m�dico que, calmamente e com muita seguran�a, explica ao paciente que as medidas ventilat�rias n�o invasivas foram insuficientes. Por mais otimista que a equipe seja (e, c� entre n�s, a minha � linda!), o paciente j� sabe com o que est� lidando", detalha o relato publicado pela psic�loga.
Altamente invasivo, o procedimento de intuba��o costuma ser temido pelos pacientes. Nele, os m�dicos inserem um tubo pela boca da pessoa, que est� sedada, at� a traqueia para manter uma via at� o pulm�o e garantir a respira��o.
Larissa lamenta, em conversa com a BBC News Brasil, que muitos pacientes consideram que a intuba��o � sin�nimo de que n�o ir�o ir� resistir � covid-19. "H� muitos casos de pessoas que s�o intubadas e sobrevivem. Acompanhei v�rias situa��es assim", diz.
"A gente explica ao familiar que a intuba��o faz parte do tratamento. Ela � uma forma de colocar o pulm�o para descansar e deixar a m�quina ser a respons�vel pela respira��o, para que o paciente tenha tempo de se recuperar. Mas � claro que a gente perde pessoas. N�o � suficiente para todos", acrescenta a psic�loga, em entrevista por telefone.
No relato compartilhado no Instagram, Larissa descreve casos de pacientes que pedem para falar com os familiares por videochamada antes de serem intubados. Ela detalhou alguns di�logos que j� ouviu durante essas poss�veis despedidas.
"Anota a� a senha do banco. Avisa � nossa filha que a amo demais. O carn� do plano funer�rio t� na segunda gaveta da minha mesa. Ainda n�o paguei a rematr�cula da escola. Rezem por mim, serei intubado", relata a psic�loga no texto que repercutiu nas redes.
A videochamada com os familiares antes da intuba��o depende, principalmente, do estado de sa�de da pessoa. H� casos em que a fraqueza extrema do paciente impede o contato, explica Larissa.

A intuba��o
"Chegamos em um dos momentos mais dif�ceis", descreve a psic�loga, em seu relato no Instagram, ao mencionar o in�cio da intuba��o.
"O olhar aflito do paciente procura os nossos. Sinto uma m�o tocar a minha, a outra segura o m�dico: "n�o me deixem morrer". Prometemos fazer o nosso melhor. M�dico, fisioterapeuta e enfermagem iniciam o procedimento."
"Saio para ligar para a fam�lia. Mais medo, muito choro, s�plicas por not�cias e por um m�nimo contato com o paciente. Os pr�ximos dias ser�o eternos para essa fam�lia e decisivos para o paciente", detalha Larissa, na publica��o na rede social.
Com o paciente intubado, os profissionais de sa�de fazem diversos procedimentos para que ele apresente melhora.
"Pulm�o inflamado, piora ventilat�ria. Prona (vira de bru�o). Rim come�a a parar. Dialisa. Cora��o est� fraco. Liga drogas. Ufa, melhora ventilat�ria, vem a luta para despertar. Foram muitos dias de seda��o. Confus�o, agita��o, piora ventilat�ria, seda de novo. Tentamos mais uma vez, talvez algumas outras", narra a psic�loga em seu texto.
"N�o deu para extubar. Comunica a fam�lia. Traqueostomia (procedimento cir�rgico que consiste em fazer uma abertura na traqueia para permitir a passagem de ar). Desmame da ventila��o. Paciente acorda sem saber onde est�. Fam�lia acompanha tudo a dist�ncia", escreve Larissa na publica��o no Instagram.
"Participo de rezas. Testemunho promessas. Tento ser a ponte entre o l� fora e o aqui dentro. Paciente melhora, sai da ventila��o. Enfim, depois de um m�s teremos dias melhores para esse paciente. Enquanto isso tudo acontecia, chegavam outros, inici�vamos todo o processo. Uns evoluem com menos complica��o. Alguns morrem. Outros tantos enfrentam saga parecida. � assim. Todo santo dia", desabafa a psic�loga no texto compartilhado na rede social.

'Exaustos e decepcionados'
No relato, Larissa comenta tamb�m sobre a situa��o dos profissionais de sa�de durante o enfrentamento � covid-19. "Nos bastidores, compartilhamos cansa�o, vibramos com melhoras, lamentamos, e muito, vidas que perdemos", narra.
"Sabem os her�is l� de mar�o? Morreram de overdose. Overdose de trabalho, de negacionismo, pela irresponsabilidade alheia. Alguns morreram, literalmente, com covid. Hoje na linha de frente s� temos humanos. Exaustos. E tamb�m muito decepcionados com o que a aus�ncia de coletividade tem nos causado", acrescenta Larissa.
Ainda no relato, ela escreve sobre a realidade do aumento das aglomera��es nos �ltimos meses.
"Hora de ir para casa. Bares lotados, confraterniza��es nos stories, abra�os coletivos, microfones compartilhados, shoppings lotados! Sextou! � Natal!", lamenta no texto.
Foi justamente por conta do cansa�o e do negacionismo que Larissa fez a publica��o no Instagram. "Por ver tantas pessoas que eu amo sem se cuidar, mesmo com os avisos sobre a necessidade desses cuidados, decidi fazer o texto. Foi um apelo para tentar sensibilizar os mais pr�ximos e tamb�m outras pessoas", diz � BBC News Brasil.
Um dos temores dela � ter que passar por uma despedida por videochamada com alguma pessoa pr�xima, como as que tem feito com frequ�ncia nos �ltimos meses.
"Antes, as despedidas eram pessoalmente, e eu n�o acompanhava de perto. Mas agora, com as videochamadas, eu tenho visto essas despedidas e escutado as hist�rias das fam�lias e as expectativas de melhora para o paciente", diz � reportagem.
Ap�s o desabafo, Larissa recebeu diversos elogios nas redes. Muitas pessoas agradeceram a psic�loga por compartilhar o alerta.
Ela acredita que ainda h� tempo de conscientizar aqueles que n�o t�m seguido as medidas adequadas, como o uso de m�scaras e evitar locais como festas e bares lotados.
"O meu alerta n�o foi uma forma de fazer drama ou sensacionalismo. A situa��o est� a� para o pessoal ver. Se eu consegui tocar um pouquinho essas pessoas (que negam o v�rus ou ignoram as medidas sanit�rias), acredito que elas podem refletir e ver que h� algo que podem mudar nesse per�odo (para reduzir os riscos de infec��o pelo coronav�rus)", declara.
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