
� enganosa uma s�rie de postagens no Twitter que faz refer�ncia a um estudo do The American Journal of Medicine publicado em 1º de janeiro deste ano e que recomendaria o uso precoce da hidroxicloroquina na preven��o da COVID-19.
O mesmo estudo foi citado em uma mat�ria no site do Minist�rio da Sa�de e em uma coluna de v�deo do jornalista Alexandre Garcia, posteriormente republicada pelo presidente Jair Bolsonaro.
O site do Minist�rio da Sa�de diz que na primeira edi��o de 2021 o jornal americano traz um estudo que “comprova a efic�cia do tratamento precoce na evolu��o da covid-19”. No entanto, o artigo que fala sobre o uso da hidroxicloroquina como tratamento precoce para a covid-19 foi publicado em agosto de 2020 e foi apenas revisado em janeiro deste ano.
A Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) afirma em seu site, em refer�ncia ao uso da hidroxicloroquina, que “n�o h� evid�ncia cient�fica at� o momento de que esses medicamentos sejam eficazes e seguros no tratamento da doen�a”.
Em conversa com o Comprova, o pesquisador do Laborat�rio de Imunologia Aplicada da Universidade Federal de Santa Catarina Douglas Bardini afirma que o trabalho acad�mico que embasou a not�cia publicada no site do Minist�rio da Sa�de n�o passa de um “artigo de opini�o”, visto que tem como refer�ncia uma s�rie de artigos cient�ficos sem evid�ncias conclusivas.
O Comprova entrou em contato com um dos autores do estudo, Peter A. McCullough, professor de Medicina na Universidade de Baylor, no Texas (EUA). Ele respondeu informando que as atualiza��es realizadas no artigo inseridas no m�s de janeiro referiam-se a algumas mudan�as na pesquisa e nos aumentos de estudos sobre o tratamento precoce em alguns pa�ses.
Como verificamos?
O Comprova buscou a pesquisa na �ntegra e entrou em contato com o pesquisador Peter A. McCullough, um dos autores do artigo. Verificamos a autoria e as datas de publica��o e atualiza��o do artigo no site do The American Journal of Medicine.
Consultamos tamb�m o pesquisador Douglas Bardini, cientista do Laborat�rio de Imunologia Aplicada da Universidade Federal de Santa Catarina, sobre as atualiza��es do artigo. Em consulta ao site da Organiza��o Mundial de Sa�de, coletamos informa��es sobre a efic�cia do uso de hidroxicloroquina para tratamento da covid-19.
O Comprova ainda consultou Guilherme Werneck, m�dico e professor de Epidemiologia da UERJ, e vice-presidente da Associa��o Brasileira de Sa�de Coletiva – ABRASCO. Ele analisou para o Comprova a resposta do autor do estudo.
O Comprova fez esta verifica��o baseado em informa��es cient�ficas e dados oficiais sobre o novo coronav�rus e a COVID-19 dispon�veis no dia 19 de Janeiro de 2020.
Verifica��o
O artigo foi publicado pelo “The American Journal of Medicine”, o jornal oficial da “Alliance for Academic Internal Medicine”. O artigo, conforme descrito no site, foi publicado no dia 6 de agosto e revisado em 1º de janeiro de 2021, diferentemente de como publicado na p�gina do Minist�rio da Sa�de, que menciona apenas a data da revis�o do estudo.
Conforme o pesquisador do Laborat�rio de Imunologia Aplicada da Universidade Federal de Santa Catarina Douglas Bardini, a revis�o do artigo � chefiada pelo m�dico americano Harvey Risch, professor na Universidade de Yale.
Ele foi publicada no The American Journal of Medicine, que tem um fator de Impacto de 4,5 (m�todo bibliom�trico para qualificar a import�ncia de peri�dicos cient�ficos em suas respectivas �reas), o que pode ser considerado baixo/modesto.
Ele avalia que o trabalho acad�mico que embasou a not�cia publicada no site do Minist�rio da Sa�de n�o passa de um “artigo de opini�o”, pois tem como refer�ncia uma s�rie de artigos cient�ficos sem evid�ncias conclusivas.
Douglas aponta que a revis�o leva em conta somente as partes dos estudos de observa��o que conv�m aos autores para embasar a utilidade do medicamento no tratamento da COVID-19.
“Aqui, o principal problema que eu vejo � considerar somente a parte da evid�ncia cient�fica que corrobora a opini�o dos autores, principalmente quanto � efic�cia da hidroxicloroquina”, completa o pesquisador.
Bardini ainda relata que o artigo deixou de levar em considera��o estudos com outras metodologias, que t�m maior relev�ncia cient�fica e que j� comprovaram a inefici�ncia da hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19. Para Bardini, “nessa revis�o, os autores citam alguns estudos observacionais, mas desconsideram ensaios cl�nicos randomizados, que teriam uma ‘for�a mtodol�gica’ maior”.
Em meados de agosto, data em que a revis�o foi publicada em “acesso aberto”, ensaios com maior peso de evid�ncia j� atestavam a inefici�ncia da hidroxicloroquina. Essa inefici�ncia hoje � um consenso na comunidade cient�fica.
O estudo chega a citar a interrup��o dos testes cl�nicos com a hidroxicloroquina que foram realizados pelo “National Institutes of Health – NIH” (Centros de pesquisa que formam a ag�ncia governamental de pesquisa biom�dica do departamento de Sa�de e Servi�os Humanos dos Estados Unidos).
No site do NIH � poss�vel encontrar um texto publicado no m�s de outubro de 2020 que menciona o resultado dos testes e argumenta que “em outro ensaio cl�nico randomizado conduzido no Brasil, nem a hidroxicloroquina isolada nem a hidroxicloroquina associada � azitromicina melhoraram os desfechos cl�nicos entre pacientes hospitalizados com COVID-19 leve a moderado”.
O que diz um dos autores do estudo
Em resposta ao e-mail do Comprova, Peter A. McCullough, esclareceu que as atualiza��es realizadas no artigo, inseridas no m�s de janeiro, referiam-se a algumas mudan�as na pesquisa e no aumento de estudos sobre o tratamento precoce em alguns pa�ses.
As maiores mudan�as, segundo ele, foram a adi��o de estudos sobre a prote�na spike, que � usada pelo coronav�rus para penetrar nas c�lulas, e sobre aumento de dosagens de ivermectina em tratamentos da covid-19. Ele diz tamb�m que de agosto a janeiro houve um grande aumento no volume de estudos de suporte para poliquimioterapia, uma combina��o de medicamentos, sequenciada para covid-19.
Para Guilherme Werneck, m�dico e professor de Epidemiologia da UERJ, e vice-presidente da Associa��o Brasileira de Sa�de Coletiva – ABRASCO, a revis�o feita em janeiro foi de cunho narrativo, alterando apenas sugest�o de ‘escolha terap�utica’. “� que essa � uma revis�o chamada de revis�o narrativa na �rea cient�fica – n�o tem m�todo.
A pessoa l�, incorpora o que acha relevante, junta evid�ncias na base da experi�ncia e chega �s conclus�es. No campo cient�fico, as revis�es narrativas ca�ram em grande desuso”, explica o professor.
Ele entende que o artigo, bem como sua revis�o, expressa a concep��o do autor, que l� cada um dos medicamentos e argumenta favoravelmente ao que considera justificativas para usar o medicamento.
“Basicamente, a revis�o introduziu uma nova escolha terap�utica, que s�o os anticorpos monoclonais – s�o subconjunto de anticorpos mais espec�ficos, mais potentes para finalidade de ‘inativar’ o v�rus da covid-19 – via injet�vel. � uma vis�o particular do autor”, finaliza.
O que a ci�ncia diz atualmente a respeito do “tratamento precoce” com cloroquina?
A Organiza��o Pan-Americana da Sa�de (OPAS) e a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) enfatizam em seu site que o uso da cloroquina e hidroxicloroquina “t�m pouco ou nenhum efeito na preven��o de mortes ou na redu��o de tempo que a pessoa passa hospitalizada. para tratamento contra COVID-19.
Acrescentam que “a maioria das pesquisas at� agora sugere que n�o h�
benef�cio e j� foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento. Por isso, enquanto n�o haja evid�ncias cient�ficas de melhor qualidade sobre a efic�cia e seguran�a desses medicamentos, a OPAS recomenda que eles sejam usados apenas no contexto de estudos devidamente registrados, aprovados e eticamente aceit�veis”, argumentam as organiza��es.
Quem � o autor do tu�te investigado pelo Comprova?
A postagem viralizou no Twitter atrav�s da conta de Alessandro Loiola, que apareceu em outras 4 verifica��es feitas anteriormente pelo Comprova. A primeira em Outubro de 2020 quando o m�dico tirou de contexto dados de estudo para sugerir que m�scaras s�o ineficientes.
Em dezembro um v�deo publicado por deputado no Facebook no qual Alessandro afirma que as vacinas em desenvolvimento para a covid-19 e que utilizam as tecnologias de vetor viral, vacina de DNA e vacina de RNA mensageiro podem provocar danos gen�ticos potenciais em quem se imunizar. Ainda em dezembro durante uma entrevista ao programa Coliseum o m�dico e empresarios enganam ao desqualificar medidas protetivas e culpa China pela pandemia. Em Janeiro de 2021 ele descontextualiza manual da Pfizer para sugerir altera��o gen�tica pela vacina.
Alessandro Lemos Passos Loiola nasceu em 1971, � m�dico formado pela Escola de Medicina da Santa Casa, no Esp�rito Santo, e possui dois registros ativos em conselhos regionais de medicina no Brasil: Minas Gerais e S�o Paulo. Isso � comum porque um m�dico precisa ter registro em cada estado em que atua.
Alessandro Loiola foi tamb�m coordenador da Secretaria Especial de Cultura do governo federal. A nomea��o para o cargo foi publicada no Di�rio Oficial da Uni�o de 27 de novembro de 2019. Ele foi nomeado pelo ministro do Turismo, Marcelo Henrique Teixeira Dias, para exercer o cargo de Coordenador-Geral de Empreendedorismo e Inova��o, do Departamento de Empreendedorismo Cultural, da Secretaria da Economia Criativa, da Secretaria Especial da Cultura.
Menos de dois meses depois, no dia 24 de janeiro, ele foi exonerado do cargo tamb�m pelo ministro. A exonera��o foi publicada no Di�rio Oficial da Uni�o no dia 27 de janeiro de 2020
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Comprova investiga conte�dos duvidosos relacionados �s pol�ticas p�blicas do governo federal e � pandemia do novo coronav�rus.
A repercuss�o da postagem foi de 7,4 mil curtidas e 2,9 mil compartilhamentos at� o fechamento deste texto, al�m de trazer consigo link da p�gina do Minist�rio da Sa�de.
Por se tratar de um portal com conte�do oficial do governo federal, al�m da repercuss�o, acreditamos que a postagem pode ser perigosa, uma vez que v�rios outros estudos e debates acerca do uso da hidroxicloroquina para tratamento da COVID-19 apontam em sentido contr�rio.
O tweet tamb�m incentiva que o governo federal fa�a divulga��o desse uso do medicamento na imprensa, o que pode ser prejudicial para os tratamentos.
O UOL Confere tamb�m apurou a respeito do estudo, ap�s um tweet de Jair Bolsonaro, que continha um v�deo do jornalista Alexandre Garcia falando sobre a mesma publica��o.
Segundo a investiga��o, o Minist�rio da Sa�de tamb�m defendeu o estudo em nota no dia 2 de janeiro. Na segunda-feira (18), a coluna de Lauro Jardim em O Globo informou que a revista que publicou o estudo usado por Bolsonaro para defender a cloroquina desmentiu o presidente.
No fim de semana, o pr�prio Twitter lan�ou alerta sobre post feito pela conta do Minist�rio da Sa�de, conforme publicou o site G1. O �rg�o sugeria urg�ncia na realiza��o de tratamento precoce para quem tiver sintomas da covid-19. Tal tratamento inclui o uso de hidroxicloroquina.
O Comprova j� verificou outros conte�dos envolvendo a pandemia da covid-19, v�rios deles a respeito de uma suposta efic�cia da hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19, como um texto enganoso afirmando que a cloroquina seria capaz de curar em 98.7% dos pacientes com a doen�a, uma fala de Bolsonaro defendendo que o medicamento teria salvado 100 mil vidas no Brasil, e desmentindo um post no Facebook que afirmava que o uso de cloroquina em Porto Feliz (SP) evitou mortes.
Enganoso, para o Comprova, � conte�do que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpreta��o diferente da inten��o de seu autor; conte�do que confunde, com ou sem a inten��o deliberada de causar dano.