
O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) j� gastou quase R$ 90 milh�es com a compra de medicamentos sem efic�cia comprovada no tratamento da covid-19, como cloroquina, azitromicina e o Tamiflu. Ao mesmo tempo, ainda n�o pagou o Instituto Butantan, que entregou as primeiras doses de vacinas aplicadas no Brasil.
At� agora, os gastos da Uni�o com cloroquina, hidroxicloroquina, Tamiflu, ivermectina, azitromicina e nitazoxanida somam pelo menos R$ 89.597.985,50, segundo levantou a reportagem da BBC News Brasil por meio de fontes p�blicas.
- Caos em Manaus: 'Meu irm�o morreu em hospital particular, e a conta � de R$ 180 mil"
- 'Brasil passado para tr�s': as quest�es pr�ticas e pol�ticas que travam envio de vacinas e insumos de China e �ndia
- Brasil deve enfrentar pior fase da pandemia nas pr�ximas semanas
Algumas das drogas, como o antiparasit�rio nitazoxanida, pareceram funcionar contra o v�rus em testes in vitro, ou seja, em laborat�rio. Mais tarde, por�m, novos estudos mostraram que as drogas n�o funcionam em seres humanos.
O mesmo aconteceu com a cloroquina: ap�s testes iniciais, a Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) interrompeu a pesquisa com o produto em meados de 2020, depois que ela se mostrou ineficaz.
Apesar disso, o Laborat�rio Qu�mico Farmac�utico do Ex�rcito comprou uma tonelada do ingrediente farmac�utico ativo (IFA) para a produ��o de cloroquina, em maio de 2020, por pouco mais de R$ 1,3 milh�o.
Naquele m�s, o Minist�rio da Sa�de lan�ou um protocolo para atendimento da covid-19 que recomendava o uso da cloroquina associada � azitromicina, aos primeiros sintomas da doen�a.
Al�m dos medicamentos, o governo federal tamb�m investiu em vacinas contra o SARS-CoV-2.
A aposta inicial do governo foi na chamada "vacina de Oxford", desenvolvida pela farmac�utica brit�nica AstraZeneca. A Uni�o tamb�m aderiu ao cons�rcio coordenado pelo OMS para a compra de imunizantes, chamado de Covax Facility.
Em dezembro de 2020, o Minist�rio da Sa�de assinou um conv�nio com o Instituto Butantan, que � ligado ao governo do Estado de S�o Paulo, para investir na "aquisi��o dos equipamentos para o centro de produ��o multiprop�sito de vacinas" — o valor era de R$ 63,2 milh�es, que no entanto ainda n�o foram pagos.
Al�m disso, o governo federal tamb�m comprar� as doses da CoronaVac produzidas pelo Butantan.
Novamente, por�m, o pagamento ainda n�o foi feito. Em nota � BBC News Brasil no come�o da semana, o Minist�rio da Sa�de informou que pagar� ao Butantan depois que as 100 milh�es de doses da vacina contratadas forem entregues.
No domingo (17/01), Pazuello disse que o Minist�rio da Sa�de fez "o desenvolvimento do parque fabril do Butantan para fazer a vacina". "Fizemos um contrato de conv�nio de mais de R$ 80 milh�es. Isso em outubro (de 2020). Voc� sabia disso? Pois �", reclamou o ministro na entrevista aos jornalistas. A declara��o � imprecisa, pois o investimento ainda n�o foi feito.
Ao longo de 2020, o governo federal pagou R$ 733.707.652,36 ao Instituto Butantan — mas o dinheiro foi para a compra de vacinas para outras doen�as, e n�o faz parte da a��o or�ament�ria criada para gastos relacionados � pandemia. A cifra foi levantada pela BBC News Brasil usando a ferramenta Siga Brasil, do Senado Federal.
Tratamento precoce n�o funciona, diz m�dico infectologista
Renato Grinbaum � m�dico infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e reitera que o "tratamento precoce" n�o tem efic�cia comprovada e n�o deve ser adotado.
"O tratamento precoce n�o � eficaz, n�o tem efic�cia comprovada. E por isso n�o � recomendado nem pela Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS), nem pela Associa��o M�dica Brasileira (AMB), nem pelas sociedades brasileiras de Infectologia (SBI) e Pneumologia e Tisiologia (SBPT)", diz o especialista.

"Os estudos n�o mostram qualquer benef�cio, e n�s observamos que, na pr�tica, h� muitos pacientes internados depois de se automedicarem com este chamado tratamento precoce, que deveria evitar essas interna��es", diz o m�dico. "Ent�o n�s vemos, muito claramente, que este tratamento n�o funciona", diz ele.
"Se fosse assim, em Manaus (AM) n�s n�o estar�amos com este problema, porque muitas pessoas usam, e continuam precisando de interna��o da mesma forma", diz Grinbaum. O sistema de sa�de colapsou na capital amazonense no come�o de 2021.
"As autoridades deveriam direcionar seus gastos para tr�s coisas. A primeira � aparelhar os hospitais, para evitar as cenas de caos que a gente viu. A segunda coisa � a vacina, que ela � realmente eficaz. E a terceira coisa s�o as a��es educativas e de supervis�o, para a preven��o da covid-19", diz.
"Supervisionar bares que est�o abertos, fechar festas clandestinas, tudo isto � gasto p�blico", diz o especialista.
At� esta quarta-feira (20), o novo coronav�rus j� tinha infectado mais de 8,6 milh�es de brasileiros. E ao menos 212.831 pessoas no pa�s perderam a vida para a doen�a, segundo os dados oficiais do Minist�rio da Sa�de.
Como o governo federal gastou o dinheiro
At� o momento, as compras da Uni�o de medicamentos para o "tratamento precoce" da Covid-19 somam ao menos R$ 89.597.985,50, segundo levantou a BBC News Brasil.
Este � o valor despendido com a compra de Tamiflu, azitromicina, ivermectina, cloroquina, hidroxicloroquina e nitazoxanida.
De todos os medicamentos, o maior gasto foi com o fosfato de oseltamivir — que � comercializado sob o nome de Tamiflu.
O governo federal gastou ao menos R$ 85.974.256,00 com o medicamento em 2020, segundo dados do pr�prio minist�rio. A maior compra foi feita ao laborat�rio Roche, dono da marca Tamiflu, por R$ 26,6 milh�es em 20 de maio passado — tamb�m com dispensa de licita��o.
No mesmo dia 20 de maio, o Minist�rio da Sa�de divulgou um documento no qual recomendava o uso do Tamiflu nos est�gios iniciais da doen�a, especialmente para pessoas no grupo de risco da Covid-19. A orienta��o era come�ar o tratamento at� 48h depois do in�cio dos sintomas.
Com a cloroquina, a Uni�o contratou a compra de ao menos R$ 1.462.561,50. Deste total, R$ 940.961,50 foram desembolsados at� o fim de 2020.
No caso do governo federal, foram duas compras principais, feitas pelo Comando do Ex�rcito por meio do Laborat�rio Qu�mico Farmac�utico da for�a. As duas aquisi��es, de R$ 652 mil cada, foram feitas com dispensa de licita��o nos dias 06 de maio e 20 de maio do ano passado.
As duas compras foram arrematadas por empresas que possuem nomes bastante parecidos: "Sul de Minas Ingredientes LTDA" e "Sulminas Suplementos e Nutri��o LTDA". Ambas est�o sediadas na pequena cidade de Campanha (MG) e pertencem ao mesmo dono, Marcelo Luis Mazzaro.
Ao todo, a Uni�o adquiriu uma tonelada do chamado insumo farmac�utico ativo (IFA) usado na produ��o da cloroquina. E os gastos totais s�o ainda maiores, pois al�m da mat�ria prima, tamb�m foram adquiridos alum�nio para as cartelas do medicamento e outros insumos.
Al�m destes dois contratos principais, h� outras 11 notas de empenho do Laborat�rio Qu�mico Farmac�utico do Ex�rcito para compras menores de cloroquina com as empresas de Mazzaro. A princ�pio, n�o h� qualquer irregularidade nestas compras.
Com o antibi�tico azitromicina, o governo federal gastou outros R$ 1.994.884,40. A maior compra foi feita pelo pr�prio Minist�rio da Sa�de (R$ 1,1 milh�o).
A segunda maior aquisi��o, de R$ 165,6 mil, foi feita pelo Hospital das For�as Armadas (HFA), em Bras�lia, onde o presidente da Rep�blica costuma cuidar da pr�pria sa�de. O HFA tamb�m foi onde Eduardo Pazuello se internou no fim de 2019, depois de contrair a covid-19.
A hidroxicloroquina � uma vers�o mais recente da cloroquina. � considerada tamb�m mais segura, com menos efeitos colaterais — embora seja ligeiramente mais cara.
De qualquer forma, a droga n�o foi priorizada pelo governo federal, que gastou apenas R$ 42,6 mil para adquiri-la. A maior compra (R$38,9 mil) foi feita pela Empresa Brasileira de Servi�os Hospitalares (Ebserh), uma empresa p�blica ligada ao Minist�rio da Educa��o (MEC) e que administra alguns dos principais hospitais universit�rios brasileiros.
Depois da hidroxicloroquina, o medicamento com o menor desembolso foi o verm�fugo ivermectina. O governo federal desembolsou R$ 121.434,26 pelo rem�dio em 2020, sendo que a maior compra foi para o distrito sanit�rio especial ind�gena do Xingu, no Mato Grosso, por R$ 29,3 mil. A nota de empenho deixa claro que a compra � para "enfrentamento de sinais e sintomas da covid-19 e tamb�m s�ndromes gripais" — uma finalidade que n�o consta na bula do medicamento.
Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo publicada em 7/1, a venda de ivermectina no mercado farmac�utico (para al�m das compras do governo Bolsonaro) cresceu 466% em 2020, com 42,3 milh�es de caixas vendidas no ano. O pico foi em julho, com 12 milh�es de caixas.
Os gastos da Uni�o com o antiparasit�rio nitazoxanida, vendido sob o nome comercial de Annita, n�o foram significativos at� o momento — apesar da droga ter sido divulgada em evento no Pal�cio do Planalto e propagandeada pelo ministro da Ci�ncia e Tecnologia, Marcos Pontes, o governo federal n�o distribuiu o f�rmaco. S� R$ 2.250,00 foram usados na compra do medicamento, feita por um batalh�o do Ex�rcito em Goi�s.
As informa��es acima foram levantadas pela reportagem da BBC News Brasil usando diferentes fontes oficiais: Painel de Compras Covid-19 desenvolvido pela Secretaria Especial de Desburocratiza��o do Minist�rio da Economia; o painel "Covid-19 Medicamentos", do Minist�rio da Sa�de; o Portal da Transpar�ncia e a ferramenta Siga Brasil.
A reportagem da BBC News Brasil solicitou informa��es e coment�rios ao Minist�rio da Sa�de sobre o assunto desde segunda-feira (18/01), mas n�o houve resposta.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!