
O fen�meno ganhou for�a com a populariza��o das redes sociais. Em 2019, “cancelamento” foi escolhido o termo do ano pelo Dicion�rio Macquarie, que anualmente elege as express�es mais relevantes na nossa comunica��o. Cancelar no mundo on-line significa deixar de seguir e apoiar marcas, atores, pol�ticos, m�sicos, influenciadores digitais ou qualquer outra figura p�blica como resposta, em geral, a algum tipo de postura considerada conden�vel, ofensiva ou preconceituosa.
Um comportamento t�o atual quanto antigo. “A gente tem entendido a cultura do cancelamento como algo da internet. Mas, pesquisando, na verdade, n�o. As pessoas t�m prazer em julgar outras pessoas, em participar da ru�na de outras pessoas se elas forem ‘vil�s’”, explica a comunic�loga e pesquisadora de comportamento Clara Fagundes.
Estudos revelam que durante a inquisi��o cat�lica (s�culos 5 a 15), fam�lias se reuniam em volta de fogueiras para verem ‘bruxas’ e pessoas consideradas traidoras queimarem. “Quando a guilhotina foi inventada, a plateia vaiou, porque foi considerada uma morte muito r�pida. Antes da morte por guilhotina, as torturas duravam horas e a guilhotina acabou com o que era considerado divers�o por pessoas da �poca”, comenta Clara.
A origem do termo cancelar
A origem da express�o cancelar est� ligada �s rela��es de consumo em sociedades como a norte-americana. Muito antes da internet, pessoas j� telefonavam ou mandavam cartas para empresas pedindo para cancelar pagamentos, compras ou a contrata��o de servi�os diante de algum problema relacionado aos produtos ou � pr�pria marca.
Na cultura pop, uma das primeiras apari��es do termo nesse contexto ocorreu no filme New Jack City, de 1991, quando o traficante Nino Brown agride sua namorada e diz para cancelarem ela, pois ele “vai comprar outra”.
O movimento #meetoo
Por�m, o termo se popularizou somente a partir de 2017. “Temos falado da cultura do cancelamento desde o movimento Mee Too. Foi aquele movimento em Hollywood no qual as atrizes estavam denunciando os homens agressores, os assediadores e a internet entrou como ‘ju�za’ para poder boicotar esses homens denunciados. S� que a internet n�o tem limite”, relembra Clara.Proje��o de expectativas
Para o psicanalista Bruno Vivas, o ato de cancelar o outro diz muito sobre n�s mesmos. “A gente tem que entender que o cancelamento est� rodando a sociedade toda, � uma forma de enxergar a vida. N�s enxergamos a vida pensando que os outros devem ser como a gente ou devem alcan�ar aquilo que a gente n�o alcan�ou”, afirma.Outro problema � que como sociedade tamb�m temos o h�bito de projetar nossas expectativas de vida ou de modelo ideal de conduta em outras pessoas. Seja por que elas s�o engajadas em lutas sociais, seja porque representam um estilo de vida que gostar�amos de ter.
“N�s elegemos historicamente essas figuras intoc�veis e elas n�o v�o suportar, n�o conseguem suportar isso, esse papel”, explica o psicanalista em rela��o aos influenciadores e at� mesmo os “militantes ideais". E, se voc� comete um erro, esse dano pode ser irrevers�vel.
Proje��o e rejei��o
Lidar com a rejei��o � uma quest�o inerente ao ser humano. Mas, se torna ainda mais dif�cil quando se entende em tempos atuais que ser amado � ser “curtido”. Bruno pontua que as pessoas n�o postam o que “naturalmente” gostam, mas, sim, alinha o querer ao que o outro vai curtir. Ou seja, os desejos s�o moldados pela perspectiva do olhar do outro.
“Essa realidade do espelho, que traz como condi��o que voc� obede�a ideais e que voc� seja ideal, faz com que a gente n�o valorize ou enxergue que somos humanos”, explica. O psicanalista diz que o que est� sendo cancelado � a “realidade, a materialidade, s�o justamente as rela��es humanas.”