
Nos �ltimos dias, munic�pios de diversas regi�es do pa�s anunciaram que v�o paralisar a imuniza��o contra a covid-19. O motivo � a falta de doses para seguir protegendo os grupos priorit�rios da primeira fase da campanha, que inclui profissionais da sa�de e idosos.
A situa��o j� era esperada, visto que o pa�s possui at� o momento 9,8 milh�es de doses da CoronaVac (Sinovac/Instituto Butantan) e 2 milh�es de doses da CoviShield (AstraZeneca/Universidade de Oxford/Funda��o Oswaldo Cruz).
Esse montante permite vacinar cerca de 6 milh�es de pessoas, uma vez que os produtos requerem duas doses para conferir prote��o.
De acordo com as informa��es compiladas pelo site Our World Data, at� o momento 5,6 milh�es de vacinas foram aplicadas no Brasil, o que corresponde a 2,6% da popula��o.
O dado bate com o n�mero de imunizantes dispon�veis por aqui: esses quase 6 milh�es de indiv�duos come�aram a tomar a segunda dose nos �ltimos dias e isso j� ser� suficiente para esgotar o estoque dispon�vel at� agora.
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Interrup��o aguardada e desastrosa
"Essa situa��o era totalmente esperada, uma vez que o quantitativo distribu�do inicialmente era insuficiente para atender toda a popula��o que integra a fase 1 da campanha. Temos 7 milh�es de profissionais da sa�de, ent�o s� pra eles necessitar�amos de 14 milh�es de doses", calcula o epidemiologista Jos� Cassio de Moraes, professor titular da Faculdade de Ci�ncias M�dicas da Santa Casa de S�o Paulo.
O m�dico lembra que o pa�s tem uma experi�ncia de d�cadas em campanhas de vacina��o que resultaram na elimina��o da poliomielite e no controle de diversas outras doen�as infecciosas.
"Mas parece que toda essa expertise foi desprezada por uma vis�o deturpada e uma aposta em medicamentos que n�o tem base cient�fica alguma. D� a sensa��o que nosso governo continua com uma mentalidade de 1918, a �poca da gripe espanhola", completa.
A epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, nos Estados Unidos, concorda. "A interrup��o � desastrosa e demonstra uma clara falta de lideran�a e de planejamento por parte de nossas autoridades de sa�de. Isso tem impactos n�o s� no controle da pandemia, mas coloca em xeque a pr�pria credibilidade da campanha, uma vez que a falta gera frustra��o e inseguran�a na popula��o".
Como visto, essa "pausa for�ada" nas campanhas vem gerando ru�dos e protestos de v�rios setores da sociedade. Mas quais s�o os riscos de interromper uma campanha de vacina��o justo agora?
Pandemia prolongada
O principal problema da paralisa��o � bastante �bvio: quanto mais tempo demorarmos para vacinar, maior o risco de o coronav�rus continuar a circular, infectar e matar as pessoas.
Por mais que os imunizantes tragam um benef�cio individual a quem os toma, sua grande vantagem est� na prote��o coletiva.
A aplica��o de milh�es de doses permite interromper as cadeias de transmiss�o do v�rus ou evitar que a doen�a evolua para quadros mais graves, que necessitam de interna��o e intuba��o.
"O atraso vai retardar a prote��o de grupos priorit�rios. Isso vai levar a um aumento da necessidade de assist�ncia hospitalar e de UTIs, o que, por sua vez, gera um gasto enorme ao sistema de sa�de", pontua Moraes.
O melhor exemplo pr�tico desse "ganho coletivo" acontece atualmente em Israel, que j� imunizou 6,7 milh�es de pessoas (ou 74% de sua popula��o).

Com praticamente dois meses de campanha, o pa�s j� percebeu uma queda de 38% nos pacientes em estado grave e de 40% nas mortes por covid-19 entre aqueles com mais de 60 anos.
Os n�meros de novos casos por l� s�o os menores das �ltimas cinco semanas, ap�s um pico registrado no in�cio de janeiro de 2021.
"E n�o � s� em pa�ses desenvolvidos que vemos isso acontecer. Muitos locais da Am�rica Latina, como Argentina e Chile, est�o mais adiantados no processo de vacina��o em rela��o a n�s", complementa Moraes.
Passos de tartaruga
Com mais de 40 mil postos de vacina��o, o Brasil teria capacidade de vacinar tranquilamente at� 2 milh�es de pessoas por dia, ou 14 milh�es por semana.
A realidade, por�m, est� bem longe disso: com 32 dias corridos desde a aprova��o de CoronaVac e CoviShield, o Brasil tem uma m�dia de 175 mil indiv�duos imunizados a cada 24 horas.
Se continuarmos nesse ritmo, levaremos mais de 3 anos para resguardar todos os habitantes do pa�s — e isso sem considerar as interrup��es noticiadas recentemente, que podem ampliar bastante esse prazo.
"Da maneira que a vacina��o est� sendo feita no Brasil, n�o teremos impacto na transmiss�o viral e ser� imposs�vel alcan�ar a imunidade coletiva", antev� Garrett.
O quadro pode se agravar ainda mais com as novas variantes origin�rias de Manaus e do Reino Unido, que j� est�o em circula��o em v�rios pontos do pa�s.
Ainda n�o se sabe ao certo se as vacinas usadas atualmente por aqui garantem uma boa prote��o contra as novas cepas — e quanto mais gente protegida logo, menor o risco de essas novas vers�es do coronav�rus ganharem mais espa�o e causarem estragos.
"O ideal seria vacinar o mais r�pido poss�vel pra gente tentar conter a dissemina��o dessas variantes", sugere a epidemiologista.
"Diante de tudo isso, a campanha tinha que ser acelerada, n�o interrompida por falta de doses", critica.
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O que poderia ser feito?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil indicam que o Brasil poderia ter se planejado melhor e garantido mais doses ao longo do segundo semestre de 2020.
"S� em dezembro que o governo come�ou a pensar na vacina. Ainda hoje vemos discuss�o sobre cloroquina, que j� se mostrou ineficaz. Precis�vamos definir melhor nossas prioridades", pensa Moraes.

O caso mais marcante desta demora � o imbr�glio que envolveu Pfizer e Minist�rio da Sa�de.
Em agosto e setembro do ano passado, a farmac�utica tentou contato diversas vezes com o Governo Federal para negociar uma venda de 70 milh�es de doses de seu produto, que naquele momento passava pela fase final de testes.
Executivos da empresa disseram que n�o receberam resposta alguma e acabaram negociando os lotes com outros pa�ses que se mostraram interessados.
Em dezembro e janeiro, representantes do Minist�rio da Sa�de reclamaram das condi��es de neg�cio oferecidas pela Pfizer.
O ministro da sa�de, general Eduardo Pazuello, chegou a afirmar que as quantidades de doses oferecidas ao Brasil eram "p�fias".
"Eles conseguem entregar 500 mil em janeiro, 500 mil em fevereiro e 1 milh�o em mar�o. Ent�o ficou dif�cil para as vacinas importadas. Senhores, esta � a verdade. As vacinas que n�o s�o produzidas no Brasil t�m quantidades p�fias para o nosso pa�s", declarou o ministro.
A explica��o de Pazuello, por�m, parece n�o fazer sentido para quem tem experi�ncia nas campanhas de vacina��o.
"O curioso � que v�rios outros pa�ses est�o adquirindo a vacina da Pfizer. Por que ser� que s� o Brasil n�o consegue comprar? Ser� que a dificuldade � do laborat�rio ou do nosso governo?", questiona a epidemiologista Carla Domingues, que foi coordenadora do Programa Nacional de Imuniza��es do Minist�rio da Sa�de entre 2011 e 2019.
Atualmente, o imunizante da Pfizer � aplicado em larga escala em pa�ses da Uni�o Europeia, Estados Unidos, Canad�, Israel, Reino Unido, Cingapura e Chile.
Al�m dele, outro que poderia ter recebido uma aten��o especial � o candidato desenvolvido pela Johnson & Johnson, que inclusive fez parte dos testes de fase 3 (o �ltimo antes da aprova��o) no Brasil.
"Esse imunizante apresenta as vantagens ao necessitar de uma �nica dose e ter facilidade no armazenamento. Mesmo assim, n�o avan�amos nas negocia��es de compra", diz Domingues.
O que fazer agora?
A interrup��o da campanha em algumas cidades n�o significa que o Brasil ficar� sem novas entregas no m�dio prazo.
O Instituto Butantan, em S�o Paulo, est� produzindo 17,3 milh�es de vacinas CoronaVac e deve liberar novos lotes a partir do dia 23 de fevereiro.
J� a Funda��o Oswaldo Cruz (FioCruz), no Rio de Janeiro, estima entregar 1 milh�o de doses da CoviShield no dia 19 de mar�o.
O problema � que o pa�s depende do IFA (insumo farmac�utico ativo) vindo da China ou da �ndia para finalizar a fabrica��o das vacinas em territ�rio nacional.
E, diante de uma demanda mundial gigantesca, a chegada desses materiais tem sofrido atrasos e os prazos futuros est�o cheios de incertezas.
"Como n�o temos capacidade de produ��o interna, ficamos ref�ns do mercado internacional. Se n�o tivermos um volume de insumos e vacinas, corremos o risco de ter outras faltas de doses em breve", pontua Domingues.
Para diminuir o impacto dessa demora, os especialistas apontam a necessidade de variar o portf�lio de fornecedores com urg�ncia.
Na �ltima segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que at� tem um "cheque de 20 bilh�es de reais para comprar a vacina", mas lamentou uma falta global desses produtos.
Essa, por�m, n�o � a realidade: a farmac�utica Moderna acaba de vender 150 milh�es de doses que ser�o enviadas entre julho e setembro para a Uni�o Europeia.
Garrett entende que n�o h� doses para pronta entrega, mas � necess�rio negociar com rapidez para garantir alguns lotes ainda para 2021.
"Se n�o comprarmos agora, ficaremos s� para o ano que vem", completa.
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Repercuss�es institucionais
A falta de doses de vacinas contra a covid-19 em alguns locais levou a rea��es contundentes de entidades que representam as cidades brasileiras ou os prefeitos.
A Confedera��o Nacional de Munic�pios (CMM) chegou a pedir a troca do ministro da sa�de.
"Foram v�rias as tentativas de di�logo com a atual gest�o do Minist�rio, entre pedidos de agenda e de informa��o. A pasta tem reiteradamente ignorado os prefeitos do Brasil, com uma total inexist�ncia de di�logo. Seu comando n�o acreditou na vacina��o como sa�da para a crise e n�o realizou o planejamento necess�rio para a aquisi��o de vacinas. Todas as iniciativas adotadas at� aqui foram realizadas apenas como rea��o � press�o pol�tica e social, sem qualquer cronograma de distribui��o para Estados e Munic�pios. Com uma postura passiva, a atual gest�o n�o atende � expectativa da Federa��o brasileira, a qual deveria ter liderado, frustrando assim a popula��o do Pa�s", afirmou Glademir Aroldi, presidente da entidade, por meio de nota.

J� a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) vinculou a interrup��o da campanha aos "sucessivos equ�vocos do governo federal na coordena��o do enfrentamento � covid-19".
"Por isso, a FNP reitera que n�o � momento para discutir e avan�ar com a pauta de costumes ou regramento sobre aquisi��o de armas e muni��es. Isso � um desrespeito com a hist�ria dos mais de 239 mil mortos e uma grave desconsidera��o com a popula��o. Prefeitas e prefeitos reafirmam que a prioridade do pa�s precisa ser, de forma inequ�voca, a vacina��o em massa", apontou a entidade, por meio de nota.
A posi��o do governo
Procurado pela reportagem da BBC News Brasil, o Minist�rio da Sa�de enviou um texto informando que "est� trabalhando na conclus�o do cronograma de entregas das pr�ximas doses da vacina contra a covid-19 com o intuito de dar celeridade � imuniza��o do pa�s".
De acordo com o minist�rio, o Brasil j� tem garantidas 354 milh�es de doses para 2021 por meio dos acordos com FioCruz (212,4 milh�es de doses), Instituto Butantan (100 milh�es) e Covax Facility (42,5 milh�es).
H� tamb�m a expectativa que o governo anuncie mais compras nos pr�ximos dias. "A pasta dever� assinar contratos com a Uni�o Qu�mica, que entregar� 10 milh�es de doses da vacina Sputnik V, entre mar�o e maio, e com a Precisa Medicamentos, que poder� trazer no mesmo per�odo ao pa�s mais 30 milh�es de doses da Covaxin".
Vale mencionar, no entanto, que os imunizantes Sputnik V e Covaxin ainda n�o foram aprovados pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), nem mesmo em car�ter emergencial.
Al�m disso, as empresas que pretendem fabricar esses produtos (Uni�o Qu�mica e Precisa Medicamentos) tamb�m n�o receberam at� o momento o aval do �rg�o regulador brasileiro para iniciar esse tipo de produ��o.
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