
Na manh� desta ter�a-feira (23/2), a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) aprovou a vacina Cominarty, desenvolvida pelas farmac�uticas Pfizer e BioNTech.
Esse � o primeiro imunizante contra a COVID-19 a ganhar libera��o definitiva no pa�s — os outros dois produtos j� aplicados no Brasil (a CoronaVac, da Sinovac e do Instituto Butantan, e a CoviShield, de AstraZeneca, Universidade de Oxford e Funda��o Oswaldo Cruz) ganharam aval em car�ter emergencial.
A aprova��o definitiva abre um leque de possibilidades que precisar�o ser discutidas por pol�ticos, gestores da sa�de p�blica, cientistas e sociedade durante os pr�ximos dias.
"O registro da vacina da Pfizer e da BioNTech na Anvisa � mais amplo, pois envolve uma quantidade de dados maior. Essa amplitude tamb�m implica na possibilidade de mais setores poderem comprar esse imunizante", analisa a neurocientista Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede An�lise COVID-19.
Em outras palavras, isso significa que as doses poder�o ser adquiridas n�o apenas pelo Minist�rio da Sa�de, mas tamb�m pela iniciativa privada.
Isso, por sua vez, traz uma s�rie de implica��es para o enfrentamento da pandemia no Brasil.
- Vacina da Pfizer: como funciona a nova tecnologia que pode revolucionar a imuniza��o
- 3 erros que levaram � falta de vacinas contra COVID-19 no Brasil
Altera��es recentes
At� o segundo semestre de 2020, a �nica possibilidade para medicamentos, insumos, vacinas e equipamentos m�dicos serem comercializados no Brasil era com um registro definitivo aprovado pela Anvisa.
A lei n�mero 6.360, que estabelece os detalhes desse processo, entrou em vigor a partir do dia 23 de setembro de 1976.
� �poca, o �rg�o respons�vel por avaliar cada pedido de libera��o era o Minist�rio da Sa�de. A partir de 1999, essa responsabilidade passou a ser da rec�m-criada ag�ncia sanit�ria brasileira, a Anvisa.
Por�m, a pandemia de covid-19 exigiu algumas mudan�as na regulamenta��o para acelerar a aprova��o das vacinas.
Isso porque todo o trabalho de entrega dos dados, an�lise da documenta��o e uma resposta definitiva dos t�cnicos da Anvisa costuma levar alguns meses para ser finalizado.
E, com centenas de milhares de mortes provocadas pelo coronav�rus, n�o � vi�vel esperar tanto tempo assim para iniciar um programa nacional de imuniza��o.
"No final de 2020, foram criados dois novos dispositivos. O primeiro deles � o fluxo cont�nuo, em que os respons�veis por uma vacina podem enviar a documenta��o aos poucos, conforme esses pap�is fiquem prontos", diz o m�dico e advogado sanitarista Daniel A. Dourado, do Centro de Pesquisa em Direito Sanit�rio da Universidade de S�o Paulo.
At� ent�o, as farmac�uticas tinham que compilar a papelada toda e enviar o dossi� completo de uma s� vez, que a partir da� come�ava a ser analisado pela Anvisa.
Falamos aqui de milhares e milhares de p�ginas, que levam muito tempo para serem lidas e estudadas.
Com a altera��o recente, as informa��es s�o remetidas em levas, e os t�cnicos da vigil�ncia sanit�ria j� podem come�ar seu trabalho aos poucos.
"O segundo ponto modificado foi a autoriza��o emergencial das vacinas, que segue os moldes do que � feito em outros pa�ses", completa Dourado, que tamb�m � pesquisador do Institut Droit et Sant� da Universidade de Paris, na Fran�a.
Como o pr�prio nome j� diz, essa aprova��o dos imunizantes � mais r�pida e se baseia numa an�lise parcial dos dados.
Ela segue crit�rios bem estabelecidos (como uma taxa de efic�cia m�nima de 50%) e permite acelerar processos sem pular etapas importantes da pesquisa cl�nica de um novo produto.
"� importante mencionar que a autoriza��o emergencial s� permite que as vacinas sejam aplicadas na rede p�blica", completa o especialista.
Foi justamente esse o rito pelo qual passaram CoronaVac e CoviShield, cujas doses j� s�o aplicadas nos postos de sa�de do pa�s nos p�blicos-alvo das primeiras fases da campanha.
O que fez a Pfizer?
Como a vacina Cominarty j� possui dados muito robustos e � aplicada em dezenas de pa�ses mundo afora, as farmac�uticas Pfizer e BioNTech optaram por pedir o registro definitivo do produto no pa�s.
A requisi��o foi feita no dia 6 de fevereiro de 2021 e aceita nesta ter�a-feira (23/02) — a rapidez na resposta se deve, inclusive, �quela facilidade de envio cont�nuo da documenta��o criada no final de 2020.
A principal diferen�a entre a aprova��o definitiva e a libera��o emergencial est� em quem poder� adquirir as doses.
Com o sinal verde da Anvisa, a Cominarty poder� ser comprada n�o s� pelo governo federal, mas tamb�m autoridades estaduais, municipais ou entes privados. E isso, de acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, pode abrir brechas para a cria��o de "grupos paralelos" de vacina��o contra a COVID-19 e aumentar a desigualdade social no enfrentamento da pandemia.
"Eu entendo que todo mundo quer se proteger contra o coronav�rus, mas n�s temos regras do Plano Nacional de Imuniza��o que precisam ser seguidas. Os grupos priorit�rios para a vacina��o obedecem crit�rios, como maior risco de agravamento ou �bito por COVID-19", aponta Fontes-Dutra.
Portanto, se pessoas com condi��o de pagar pela vacina "furarem a fila", o problema de sa�de p�blica n�o se altera: indiv�duos mais vulner�veis continuam pegando a doen�a e necessitando de interna��o em UTI.
"O argumento de 'quanto mais imunizados, melhor' pode ser enganoso. Se eu vacinar s� jovens, o impacto que tenho na rede hospitalar, que est� em seu limite, � baixo. A ordem da popula��o que recebe as doses importa", complementa Dourado.
De quem � a responsabilidade?
No momento, s�o discutidos v�rios dispositivos legais e projetos de leis para evitar a forma��o das "listas VIP" de vacina��o no Brasil.
Ap�s uma s�rie de reuni�es com executivos da Pfizer e da Janssen e com o ministro da Sa�de, o general Eduardo Pazuello, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), anunciou ontem (22/02) um projeto de lei que facilitaria a compra de doses por Estados e munic�pios e at� pela iniciativa privada.
A ideia � que essas entidades assumam alguns riscos contratuais que t�m encontrado resist�ncia por parte do governo federal.
Desde o final do ano passado, Pazuello e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fizeram cr�ticas �s condi��es estabelecidas pela Pfizer nas negocia��es de compra.
Isso porque o contrato indica uma isen��o de responsabilidade da farmac�utica e prev� que o governo assuma o �nus caso o imunizante provoque algum efeito colateral inesperado. A empresa, por sua vez, afirma que as mesmas cl�usulas foram aceitas por governos do mundo inteiro na compra dos imunizantes.
A pedido do senador Randolfe Rodrigues, reuni-me com representantes dos laborat�rios da Pfizer e da Johnson & Johnson. Com o senador Fl�vio Bolsonaro, encontrei-me com o ministro da Sa�de, Eduardo Pazuello. Nas reuni�es, tratamos de a��es para destravar a compra de vacinas. pic.twitter.com/KduKwQqKc9
— Rodrigo Pacheco (@rpsenador) February 22, 2021
Em dezembro, Bolsonaro levantou uma s�rie de d�vidas infundadas sobre a seguran�a do imunizante e as negocia��es para compra de doses. "L� no contrato da Pfizer, est� bem claro: 'n�s [a Pfizer] n�o nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral'. Se voc� virar um jacar�, � problema seu", discursou o presidente.
Como resolver essa briga?
De acordo com informa��es divulgadas pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que participou das reuni�es com as farmac�uticas em Bras�lia na �ltima segunda-feira e vai ser o relator do projeto de lei mencionado por Pacheco, s� tr�s pa�ses n�o concordaram com o contrato proposto por Pfizer e BioNTech: Brasil, Argentina e Venezuela.
Acabo de assumir uma das principais responsabilidades na luta pela vacina no Brasil. Serei relator do projeto 534/21, do Presidente do Senado @rpsenador, que prev� que todas as vacinas compradas por empresas sejam doadas ao SUS p/ serem utilizadas, inicialmente, no �mbito do PNI.
— Randolfe Rodrigues %uD83C%uDDE7%uD83C%uDDF7 (@randolfeap) February 23, 2021
Para Dourado, o temor do Governo Federal com a tal cl�usula pol�mica n�o faz sentido em meio a uma pandemia que est� matando mais de mil pessoas no pa�s todos os dias.
"O risco de ficarmos mais tempo sem vacinas � muito maior. Mesmo que apare�a um efeito colateral e o Estado Brasileiro tenha que pagar alguma indeniza��o futuramente, o valor seria bem menor do que o pre�o que pagamos atualmente com os n�meros exorbitantes de casos e mortes", interpreta.
O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que foi ministro da Sa�de durante 2011 e 2014 no governo de Dilma Rousseff, fez cr�ticas � libera��o da compra de doses por Estados, munic�pios e iniciativa privada.
De acordo com o parlamentar, a ideia criaria o "camarote da vacina".
Padilha afirma que apresentou uma proposta de emenda em que todos os imunizantes comprados por empresas sejam doados para o Sistema �nico de Sa�de (SUS) e que as cl�nicas privadas s� poder�o oferecer doses quando as metas da rede p�blica forem cumpridas.
O jabuti do CAMAROTE DA VACINA est� dentro da MP q come�a a ser votada hoje Autorizam a iniciativa privada a comprar e aplicar vacinas da COVID-19. Com ele um sr de 70anos que pode pagar vai tomar vacina antes de um senhor de 70 anos que nao pode #CamarotedaVacinaN�O
— Alexandre Padilha (@padilhando) February 23, 2021
A compra de doses tamb�m foi discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta ter�a-feira (23/2).
Os ministros decidiram que Estados e munic�pios poder�o negociar e comprar vacinas caso o governo federal n�o cumpra o que est� estipulado no Plano Nacional de Imuniza��es ou as doses previstas n�o sejam suficientes para resguardar a popula��o do local.
O que h� de concreto
Em meio a tanta especula��o e impasse, n�o se sabe ainda qual ser� a postura adotada pela Pfizer a partir de agora — afinal, com o registro definitivo, ela tem o poder de decidir se negociar� ou n�o com outros n�veis da administra��o p�blica ou com a iniciativa privada a partir de agora.
De acordo com as informa��es divulgadas at� o momento, a farmac�utica diz que insistir� nas negocia��es com o governo federal.
Uma reportagem da CNN Brasil publicada na �ltima segunda-feira (22/1) afirma que o laborat�rio ofereceu para o Minist�rio da Sa�de um total de 100 milh�es de doses da Cominarty, que seriam entregues at� o fim de 2021.
Um lote de 9 milh�es seria disponibilizado ainda no primeiro semestre. Outras 35 milh�es chegariam ao Brasil at� setembro e as 65 milh�es restantes estariam no pa�s em dezembro.
A Pfizer, no entanto, n�o confirma essa informa��o.
A BBC News Brasil procurou o Minist�rio da Sa�de, mas n�o obteve resposta at� o fechamento desta reportagem.
Uma novela que dura meses
O imbr�glio envolvendo Pfizer/BioNTech e o Minist�rio da Sa�de se arrasta h� meses e come�ou durante o segundo semestre de 2020.
De acordo com uma s�rie de notas e documentos, executivos da farmac�utica tentaram por diversas vezes entrar em contato com o governo federal para vender lotes de sua vacina, que naquele momento estava na fase final de testes antes de ser aprovada.
A empresa tinha capacidade de fornecer cerca de 70 milh�es de doses ao Brasil, mas n�o recebeu nenhuma resposta a tempo de garantir os primeiros lotes ao pa�s.
Entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, a discuss�o voltou a esquentar ap�s Pazuello fazer uma s�rie de declara��es dizendo que as ofertas do laborat�rio eram "p�fias" e poderiam at� frustrar os brasileiros.
O tema ganhou novo f�lego quando o presidente Jair Bolsonaro fez declara��es questionando a seguran�a do imunizante e criticando as cl�usulas contratuais, como explicado anteriormente.
O que diz a ci�ncia
Na contram�o do discurso do presidente, as �ltimas evid�ncias s� refor�am a efic�cia e a seguran�a da Cominarty.
Aplicada desde dezembro em dezenas de pa�ses, at� o momento a vacina n�o provocou nenhum evento adverso grave, que justificasse a interrup��o das campanhas.
Em Israel, pa�s que j� protegeu 87% de sua popula��o, o n�mero de interna��es por COVID-19 caiu drasticamente nas �ltimas semanas.
Outra not�cia positiva divulgada recentemente foi a de que as doses n�o precisam ser armazenadas a -70 °C como se imaginava.
O imunizante fica est�vel numa temperatura de -25 a -15 °C por at� duas semanas, o que facilita bastante a sua distribui��o.

Por fim, dados publicados na �ltima sexta-feira (19/02) no peri�dico cient�fico The Lancet revelam que a vacina de Pfizer e BioNTech tem uma efic�cia de 85% de duas a quatro semanas ap�s a aplica��o da primeira dose.
J� com a segunda dose, esquema adotado mundialmente, a taxa de efic�cia pula para 95%.
"Diante da atual situa��o alarmante da pandemia no Brasil e da amea�a das novas variantes, n�s precisamos ser r�pidos e vacinar o mais depressa o maior n�mero de pessoas poss�vel", adverte Fontes-Dutra.
Repercuss�es da libera��o
Durante o an�ncio da aprova��o definitiva da Cominarty, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres comemorou "o primeiro registro de vacina contra a COVID-19, para uso amplo, nas Am�ricas".
"O imunizante do Laborat�rio Pfizer/BioNTech teve sua seguran�a, qualidade e efic�cia aferidas e atestadas pela equipe t�cnica de servidores da Anvisa, que prossegue no seu trabalho de proteger a sa�de do cidad�o brasileiro. Esperamos que outras vacinas estejam em breve sendo avaliadas e aprovadas. Esse � o nosso compromisso", disse Torres.
A Pfizer tamb�m soltou um comunicado � imprensa. Marta D�ez, presidente da farmac�utica no Brasil, comemorou a rapidez da decis�o. "Ficamos muito felizes com a not�cia da aprova��o e gostar�amos de parabenizar a ag�ncia pela celeridade e profissionalismo que demonstrou em todas as etapas desse processo".
A executiva ressaltou que as tratativas com o Minist�rio da Sa�de continuam: "Esperamos poder avan�ar em nossas negocia��es com o governo brasileiro para apoiar a imuniza��o da popula��o do pa�s", complementou.
Por meio de nota, a Associa��o Brasileira de Cl�nicas de Vacina (ABCVAC) ressaltou que todo novo imunizante registrado no Brasil aumenta as possibilidades de prote��o da popula��o brasileira e que a prioridade para aquisi��o de doses de vacinas contra a COVID-19 deve ser do governo federal.
"As cl�nicas associadas � ABCVAC aguardam a disponibilidade de doses para aquisi��o pelo setor privado de vacina��o humana, para poderem atuar, como sempre fizeram, de forma complementar ao Programa Nacional de Imuniza��o", finaliza o texto.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!