
A bordo do navio Valk, cerca de 600 judeus deixaram Recife, em Pernambuco, expulsos pelos portugueses. Era o fim da ocupa��o holandesa no Brasil e tamb�m da liberdade de praticar sua religi�o.
Eles queriam voltar � terra natal — a Holanda, onde o culto do juda�smo era permitido devido ao calvinismo. De l� haviam chegado mais de duas d�cadas antes, quando os holandeses conquistaram parte do Nordeste brasileiro — de olho na produ��o e com�rcio do a��car.
Mas uma tempestade desviou-os do caminho e o navio foi saqueado por piratas.
O grupo foi resgatado por uma fragata francesa e levado � Jamaica, ent�o col�nia espanhola, e acabou preso por causa da Inquisi��o espanhola.Mas, gra�as � interven��o do governo holand�s, foram libertados e, por motivos financeiros, parte deles seguiu para um destino mais pr�ximo do que a Europa: a col�nia holandesa de Nova Amsterd�, atual Nova York, ent�o um mero entreposto comercial.
Ali formaram a primeira comunidade judaica da Am�rica do Norte e contribu�ram para o desenvolvimento da cidade. Atualmente, Nova York � a segunda cidade com o maior n�mero de judeus no mundo, atr�s apenas de Tel Aviv, em Israel.

Mas essa hist�ria rocambolesca n�o come�a em 1654, ano em que Portugal derrotou os holandeses e retomou o controle do Nordeste, provocando, por consequ�ncia, a expuls�o dos judeus, temerosos com a Inquisi��o.

Imigra��o judaica
A imigra��o judaica ao Brasil remonta � �poca do descobrimento, com os chamados "crist�os novos", judeus que foram obrigados a se converter ao cristianismo na Pen�nsula Ib�rica devido � persegui��o pela Igreja Cat�lica.
Na ent�o maior col�nia portuguesa, alguns deles abdicaram das pr�ticas judaicas. Outros as mantinham �s escondidas.

Mas foi em fevereiro de 1630 com a ocupa��o holandesa que os judeus dos Pa�ses Baixos, alguns dos quais descendentes dos que haviam fugido da Pen�nsula Ib�rica rumo � Holanda, chegaram ao Brasil, diz � BBC News Brasil a historiadora Daniela Levy, autora do livro De Recife para Manhattan: Os judeus na forma��o de Nova York (Editora Planeta), que demandou 10 anos de pesquisa. Levy investigou inicialmente o tema para sua disserta��o de mestrado, na Universidade de S�o Paulo (USP).
"Os judeus que vieram ao Brasil eram descendentes dos crist�os novos que se mudaram para a Holanda um s�culo depois da convers�o for�ada pela Inquisi��o. Naquele pa�s, eles puderam retornar ao juda�smo, recuperando tradi��es e reorganizando-se enquanto comunidade", explica Levy.

Muitos desses judeus holandeses integravam a Companhia das �ndias Orientais, uma empresa de mercadores fundada em 1602 e cujo objetivo era acabar com o monop�lio econ�mico da Espanha e de Portugal.
No Recife, eles foram abrigados por parentes aqui j� estabelecidos, mas constitu�ram sua pr�pria comunidade, na qual podiam, enfim, professar sua religi�o em paz, dedicando-se ao com�rcio, � bot�nica e � engenharia.
Constru�ram escolas, sinagogas e cemit�rio, dando sua contribui��o ao enriquecimento da vida cultural da regi�o.
A primeira sinagoga das Am�ricas, Kahal Zur Israel, foi fundada ali, ocupando um dos casar�es da "Rua do Bom Jesus", ent�o chamada de "Rua dos Judeus", e reinaugurada em 2002 ap�s restaura��o.
As estimativas sobre o n�mero de judeus no per�odo holand�s variam muito, entre 350 e 1.450. O n�mero � expressivo considerando que cerca de 10 mil pessoas viviam na regi�o.
Segundo Levy, a isso n�o s� se deveu ao fato de que a Holanda era calvinista, permitindo a liberdade de de culto, mas tamb�m gra�as a Johan Maurits van Nassau-Siegen, ou Maur�cio de Nassau, militar que governou a col�nia holandesa no Recife de 1637 a 1643.
"A Holanda era um pa�s protestante e abriu suas portas para outras religi�es quando se tornou independente da Espanha. Foi ent�o quando os crist�os novos sa�ram de Portugal e foram para l�. Existiam alguns calvinistas que tinham animosidades contra os judeus, mas, de forma geral, a pol�tica holandesa era de toler�ncia religiosa", diz Levy.
"Maur�cio de Nassau, um grande humanista, defendia a vis�o de que o bom conv�vio de grupos de diferentes religi�es seria politicamente mais proveitoso, e tamb�m do ponto de vista econ�mico", acrescenta.

Com o intuito de transformar Recife na "capital das Am�ricas", Nassau investiu em grandes reformas, tornando-a uma cidade cosmopolita. Apesar de benquisto, ele acabou acusado por improbidade administrativa e foi for�ado a voltar � Europa em 1644.
Ap�s o fim da administra��o Nassau, a Holanda passou a exigir a liquida��o das d�vidas dos senhores de engenho inadimplentes, o que levou � Insurrei��o Pernambucana e que culminaria, mais tarde, com a expuls�o dos holandeses do Brasil, em 1654.
Na pr�tica, mesmo depois de terem sido derrotados, os holandeses receberam dos portugueses 63 toneladas de ouro para devolver o Nordeste ao controle lusitano no s�culo 17.
O pagamento envolvia dinheiro, cess�es territoriais na �ndia e o controle sobre o com�rcio do chamado Sal de Set�bal, segundo disse � BBC News Brasil em 2015 Evaldo Cabral de Mello, historiador e integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL).
O montante equivaleria a cerca de 500 milh�es de libras esterlinas (R$ 4 bilh�es) em valores atualizados, de acordo com Sam Williamson, que fez o c�lculo na ocasi�o a pedido da reportagem. Williamsom � professor de economia da Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, e cofundador do Measuring Worth, ferramenta interativa que permite comparar o poder de compra do dinheiro ao longo da hist�ria.
Os judeus que aqui haviam fincado ra�zes por aqui se viram sem alternativa. Receberam um ultimato do ent�o governador da regi�o, Francisco Barreto de Menezes: tr�s meses.
Alguns deles fugiram o Sert�o. Outros decidiram voltar � Holanda — dando in�cio � epopeia que abre esta reportagem.
Ap�s a intemp�rie com os piratas e a pris�o na Jamaica, 23 deles, entre os quais fam�lias com crian�as nascidas no Brasil, partiram rumo a Nova Amsterd�.
Registros populacionais da Prefeitura de Nova York mostram que eles chegaram em setembro de 1654, mas n�o foram "bem recebidos", conta Levy.
A ent�o col�nia holandesa era insignificante, quase deserta e governada por um calvinista fan�tico, Peter Stuyvesant, que imp�s v�rias dificuldades aos rec�m-chegados.
"Stuyvesant n�o gostava de judeus. Ele n�o queria permitir a entrada deles. Mas a comunidade judaica da Holanda interferiu a favor deles e eles foram aceitos", diz Levy.
"O restante do grupo - que havia ficado preso na Jamaica - acabaria se juntando aos 23 posteriormente", acrescenta.
A duras penas, os 23 judeus conseguiram sobreviver a partir do com�rcio, que logo cresceu, atraindo mais judeus para a cidade, que viria a mudar de nome (para Nova York) em 1664.
Depois da guerra de independ�ncia americana, seus descendentes alcan�aram plena cidadania. Um deles, Benjamin Mendes (1745-1817) fundou a Bolsa de Nova York.


Na Grande Ma��, um monumento, chamado Jewish Pilgrim Fathers, rende homenagem aos Henrique, Lucena, Andrade, Costa, Gomes e Ferreira que ajudaram a fundar e desenvolver a cidade.
Recentemente, essa saga deu origem a um novo livro, Arrancados da Terra - Perseguidos pela Inquisi��o na Pen�nsula Ib�rica, do escritor e jornalista Lira Neto (Editora Companhia das Letras).

Ap�s a ocupa��o holandesa, imigrantes judeus come�aram a chegar ao Brasil em 1810, oriundos, em sua maioria, do Marrocos. Eles se estabeleceram principalmente em Bel�m, onde fundaram a segunda mais antiga sinagoga do Brasil, que continua ainda hoje em pleno funcionamento. Ali tamb�m constru�ram o primeiro cemit�rio israelita do pa�s.
A partir de ent�o, a imigra��o judaica se intensificou culminando com seu apogeu na primeira metade do s�culo 20, ap�s a 2ª Guerra Mundial. Al�m do Nordeste, Sul e Sudeste foram os principais destinos. Os imigrantes partiram, na maior parte, da Europa e de alguns pa�ses �rabes.

Dia Nacional da Imigra��o Judaica
Nesta quinta-feira, dia 18 de mar�o, comemora-se o Dia Nacional da Imigra��o Judaica.
A data que celebra a contribui��o do povo judeu na forma��o da cultura brasileira foi criada por um projeto de lei de autoria do ent�o deputado federal Marcelo Itagiba (PSDB-RJ), e sancionado em 2009.
Para marcar a ocasi�o, a Confedera��o Israelita do Brasil (Conib) vai promover uma "live" reunindo Itagiba e o ex-chanceler Celso Lafer, professor e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).

"O Brasil permitiu que imigrantes judeus reconstru�ssem suas vidas com acolhimento e liberdade, e nossa comunidade, pequena, mas diligente, retribuiu com muito amor e trabalho. Aqui criamos nossas fam�lias, criamos empresas, desenvolvemos carreiras profissionais nas mais diversas �reas de atua��o e conhecimento", diz Claudio Lottenberg, presidente da Conib.
"Por isso a comunidade judaica brasileira est� t�o bem integrada � comunidade maior de brasileiros, com diversidade e dedica��o ao pa�s generoso que acolheu nossos pais e av�s", acrescenta.
Atualmente, o Brasil possui a segunda maior comunidade judaica da Am�rica Latina, com cerca de 120 mil cidad�os.
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