Infectologista: 'Kit Covid faz parte das mentiras da pol�tica da morte'

"Vivemos uma crise sanit�ria grave, sem precedentes, e tamb�m uma crise humanit�ria (pessoas est�o morrendo sem atendimento), uma crise pol�tica e uma crise �tica. As pessoas n�o podem n�o se importar com a vida do outro. A vida humana � valiosa. � fundamental tomar atitudes respons�veis. Hoje, a agenda que est� dada no Brasil � a do ego�smo, do individualismo, da divulga��o de mentiras infundadas. Isso est� nos levando ao colapso. Essa �, infelizmente, a pol�tica da morte". A afirma��o � do m�dico infectologista Gerson Salvador.

Segundo ele, o aumento dos �ndices de contamina��o por aqui (o Brasil � hoje o pa�s com maior n�mero de notifica��es e mortes pela COVID-19) � agravado pelo sucateamento do sistema p�blico de sa�de, uma triste realidade quem vem de longa data. "A capacidade do SUS em dar respostas � popula��o j� estava abalada", diz.

O especialista vem tecendo duras cr�ticas ao governo e � falta de uma pol�tica de enfrentamento � pandemia. Para o infectologista, em primeiro lugar de import�ncia ao enfrentamento da COVID-19, est� n�o propagar mentiras. Em seu ponto de vista, a popula��o deve estar munida de informa��es transparentes, alicer�adas na ci�ncia, no que os meios de comunica��o t�m relev�ncia, e o engajamento, como um todo, � fundamental.

"E isso vai acontecer de maneira efetiva se houver lideran�a. No Brasil, as lideran�as pol�ticas n�o s� n�o est�o ajudando, mas fazendo com que profissionais s�rios, sejam m�dicos, pesquisadores, cientistas ou ligados a universidades, estejam isolados", diz.

Na outra ponta, acrescenta Gerson Salvador, o respeito �s medidas sanit�rias. Ele lembra que, quanto ao distanciamento social, por exemplo, o sofrimento � coletivo, mas, em suas palavras, n�o existe uma inten��o deliberada por parte dos m�dicos, dos sanitaristas, das ag�ncias de vigil�ncia, ou dos organismos internacionais, em adotar tais medidas.

"S� que � verdade que, quanto mais as pessoas tiverem contato umas com as outras, maior ser� a possibilidade de transmiss�o do v�rus. � importante respeitar recomenda��es a partir da ci�ncia, e n�o por outros interesses."

Por fim, para Gerson Salvador, a import�ncia de tra�ar estrat�gias competentes quanto a testes e diagn�stico – indiv�duos sem sintomas, por exemplo, representam riscos. "Trata-se de um pacto, o compromisso de cada um, cuidando de si, das pessoas pr�ximas, e do conjunto da sociedade. Quando algu�m n�o quer usar m�scara, n�o est� exercendo um direito individual, est� colocando toda a coletividade em perigo", afirma.

As manifesta��es antivacina s�o mais um ponto a considerar. Nesse caso, o exemplo dado pelo presidente da Rep�blica, que muitas vezes veio a p�blico criticar os imunizantes, reverbera entre quem o tem como refer�ncia, gerando desconfian�a e hesita��o sobre o ato de se vacinar.

Al�m disso, o especialista destaca a atitude do governo federal em n�o comprar vacinas quando foram oferecidas, em data oportuna. O que ocorreu, por exemplo, em rela��o ao imunizante da Pfizer, que havia feito uma proposta para fornecimento ao Brasil, al�m de campanhas contra a Coronavac.

"O governo desdenhou das vacinas. Disse at� que quem tomasse virava jacar�. Depois, diversos incidentes diplom�ticos, como o que aconteceu com a �ndia, um dos grandes fornecedores de insumos para o Brasil. Tudo o que acabou impactando tanto na nossa capacidade de comprar as vacinas, ou de produzi-las internamente", critica.

O infectologista cita pa�ses que v�m realizando programas de vacina��o em massa e de forma organizada, como os Estados Unidos e Israel. Por l�, ele refor�a, a pandemia est� em vias de controle. No Brasil, como denomina, um verdadeiro caos.

 

S�o f�rmacos conhecidos e j� aplicados para outras patologias – o agora chamado Kit COVID. Entre eles, ivermectina, azitromicina, hidroxicloroquina, cloroquina, corticoides, f�rmacos usados contra o HIV, antibi�ticos e anti-inflamat�rios.

Sobre a declara��o no Twitter, o m�dico diz que n�o � preciso comentar – � autoexplicativo. Logo que come�aram, com o in�cio da pandemia, lembra o m�dico, os estudos sobre a cloroquina e a ivermectina, por exemplo, caso os benef�cios fossem comprovados, a incorpora��o seria natural.

"Mas foram estudos completamente equivocados, que n�o demonstraram efeito algum. N�o teve o cr�dito entre profissionais que conhecem a medicina, a infectologia, a farmacologia. A quest�o � que houve um apelo popular muito grande", pondera Gerson Salvador.

Com os estudos apontando a falta de efic�cia dos medicamentos, e uma vez a d�vida resolvida, a situa��o estaria sanada e o assunto superado, n�o haveria motivo para mais debates cient�ficos acerca do tema, como continua o infectologista. Por�m, em sua vis�o, muita coisa est� relacionada a interesses econ�micos e pol�ticos.

"Existem m�dicos vendendo teleconsultas para prescrever o kit COVID de forma indiscriminada, tamb�m por motivos pol�ticos, em uma agenda de suporte a Bolsonaro e outros pol�ticos que est�o nessa linha negacionista, inclusive Romeu Zema. M�dicos acabam aderindo a essa agenda, que � equivocada, anti�tica, imoral, e est�o provocando mortes", opina Gerson Salvador.

Autor do livro “O pior m�dico do mundo”, Gerson Salvador fala com propriedade. Com resid�ncia em infectologia (HCFMUSP), � especialista em Sa�de P�blica pela Faculdade de Sa�de P�blica da USP, assistente na Divis�o de Cl�nica M�dica do Hospital Universit�rio da USP e professor de Proped�utica Cl�nica na gradua��o da FMUSP.

Ele coordena o servi�o de controle de infec��o hospitalar (SCIH) do IMREA-HCFMUSP – Rede Lucy Montoro, � membro da CCIH e do Comit� T�cnico de Infectologia do Hospital das Cl�nicas da FMUSP.

O infectologista alerta sobre o perigo em preconizar o kit COVID. Seja a hidroxicloroquina e a cloroquina, medicamentos indicados para a mal�ria e algumas doen�as inflamat�rias, ou a ivermectina, recomendada contra vermes e parasitas (rem�dios que est�o na ordem do dia nessa discuss�o), al�m de antibi�ticos, como azitromicina e amoxilina, e diversos outros f�rmacos, o especialista explica que nenhum deles interfere positivamente no controle da infec��o pelo coronav�rus – ao contr�rio, representam riscos de efeitos adversos.

Conforme esclarece o m�dico, nenhum medicamento teve a efic�cia comprovada em testes em seres vivos. A hidroxicloroquina, por exemplo, pode gerar arritmia, a ivermectina em altas doses pode ocasionar hepatite medicamentosa t�xica.

"E isso do ponto de vista individual. O kit COVID � uma amea�a ao indiv�duo que toma. E, sob a �tica populacional, a situa��o � ainda mais grave. Induz as pessoas a acharem que existe uma solu��o, a se sentirem seguras e a continuarem circulando nas ruas. � uma estrat�gia de mentiras que est� fazendo com que a pandemia fique ainda mais descontrolada", observa Gerson Salvador.

Ainda que os efeitos colaterais n�o sejam t�o frequentes, como muitas pessoas est�o usando os rem�dios, est�o aparecendo mais. Gerson Salvador lembra que existem pessoas internadas com efeitos adversos graves.