
Os dados s�o da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Segundo a entidade, o isolamento social, que se tornou necess�rio em decorr�ncia da pandemia de COVID-19, pode ter aumentado a incid�ncia de viol�ncia dom�stica e, consequentemente, o n�mero de casos letais.
De 2010 a 2020,103.149 crian�as e adolescentes foram mortos nesse contexto de agress�o. Quando se observa a faixa et�ria de 0 a 9 anos, em 83% dos casos a agress�o � intrafamiliar, na qual os agressores s�o pais e m�es. Al�m disso, em mais de 60% dos casos, � na pr�pria resid�ncia que a crian�a morre. Juntamente com os acidentes, as agress�es representam a maior causa de morte a partir de um ano de idade at� aos 19 anos. Apesar de os n�meros chamarem a aten��o, o presidente do Departamento Cient�fico de Seguran�a da SBP, Marco Gama, indica que os dados s�o subnotificados.
“Tem uma grande subnotifica��o. Muitas vezes, � notado que a crian�a sofreu agress�o quando chega morta. Mas, em outras vezes, essa crian�a chega em estado grave e � internada, por exemplo, com traumatismo craniano em decorr�ncia de uma agress�o. Depois, morre e n�o entra nessa estat�stica de v�timas da agress�o”, explica. Em 2020, especificamente por causa da pandemia, os n�meros dever�o ser ainda mais subnotificados.

Sem op��es de recorrer a outros ambientes, como as escolas, as crian�as enfrentam mais dificuldade para denunciar. “Uma das coisas que ajudava na notifica��o era a escola, o contato com o colega, ir �s consultas de rotina nos postos de sa�de, nas quais � poss�vel notar que a crian�a n�o est� desenvolvendo. Ent�o, isso tudo parou em fun��o da pandemia, e essas crian�as ficaram presas em casa na m�o do agressor, e o jeito de pedir socorro ficou menor”, avalia Marco Gama.
De acordo com a Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico (OCDE), o Brasil foi, em 2020, uma das na��es que mais sofreu com escolas fechadas. “Ent�o, em 2020 a subnotifica��o foi maior porque, certamente, tivemos muito menos den�ncias e, seguramente, os abusos foram muito maiores”, alerta o pediatra.
Marco Gama ressalta, no entanto, que esse quadro est� longe de ser decorr�ncia exclusiva da pandemia. “As situa��es de viol�ncia dom�stica costumam ser casos cr�nicos, repetitivos, de viol�ncia progressiva”, contextualiza o especialista.
Por se tratar de um fen�meno social, a presidente da SBP, Luciana Rodrigues, defende uma a��o abrangente. “O Brasil precisa estar preparado para, por meio da efetiva implementa��o das pol�ticas de preven��o � viol�ncia na inf�ncia e na adolesc�ncia, garantir a��es articuladas entre educa��o, sa�de, seguran�a e assist�ncia social”.
Segundo os especialistas, h� sinais f�sicos e psicol�gicos que indicam a situa��o de viol�ncia. A m�dica pediatra Luci Yara Pfeiffer, �nica representante da Am�rica Latina no grupo de trabalho focado em desenvolvimento familiar ligado ao Departamento de Assuntos Econ�micos e Sociais da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), faz um apelo. “Todos que testemunham viol�ncias contra crian�as, ou que tenham suspeita de que estejam sendo agredidos, seja f�sica, seja ps�quica, seja sexualmente, precisam notificar, tentar orientar, acompanhar e proteger. Elas dependem de todos n�s para crescer em uma vida digna e saud�vel”.
Rotina de agress�es a Henry

O novo depoimento da bab� Thayn� de Oliveira Ferreira � pol�cia carioca refor�ou os ind�cios de que o menino Henry Borel, de 4 anos, sofria agress�es reiteradamente na casa onde morava com a m�e, a professora Monique Medeiros, e o vereador Jairo Souza Santos J�nior, o Dr. Jairinho. Pressionada pelas evid�ncias, a funcion�ria do casal admitiu, na segunda-feira, que havia mentido para os investigadores e narrou novos elementos que ajudar�o a identificar as circunst�ncias da morte da crian�a, em 8 de mar�o.
Thayn� Ferreira falou durante mais de oito horas na 16ª DP (Barra da Tijuca). A advogada Patr�cia Sena, que acompanhava a ex-funcion�ria do casal, disse que sua cliente contou ter apagado mensagens de WhatsApp nas quais relatava agress�es de Dr. Jairinho a Henry Borel.
“Ela narrou toda a din�mica dos fatos”, dissea disse gdisseem entrevista a emissoras de televis�o. “Enfim, ela disse tudo o que tinha para dizer, sem colocar nada que desabonasse a conduta dela. Ela fez o que deveria ter sido feito.”
A partir da an�lise das mensagens apagadas de WhatsApp, recuperadas com a ajuda do aplicativo israelense Cellebrite Premium, a pol�cia concluiu que a bab� mentira no primeiro depoimento. Os investigadores cogitaram a hip�tese de decretar a pris�o de Thayn� Ferreira por falso testemunho, mas optaram por permitir a retrata��o e um novo depoimento no inqu�rito. O conte�do dessas novas declara��es n�o foi oficialmente divulgado, mas foi em parte obtido pela TV Globo.
De acordo com a emissora, Thayn� afirmou no depoimento que n�o viu as agress�es do pol�tico contra o menino, mas soube que ocorriam — pelo menos duas vezes. A bab� contou que, em uma ocasi�o, os dois entraram em um quarto no apartamento no Condom�nio Majestic, na Barra da Tijuca, na zona oeste da capital fluminense. Segundo Thayn�, Dr. Jairinho aumentou muito o volume da televis�o – aparentemente, para abafar ru�dos. Depois que sa�ram, Henry disse que estava com dores de cabe�a e se sentia mal.
A bab� afirmou ainda que outras pessoas – uma empregada e parentes do casal – sabiam das agress�es de Dr. Jairinho contra o menino. Ela narrou um epis�dio em que relatou a Ros�ngela Medeiros, m�e de Monique, o fato de Henry “estar mancando”, sentir “dores de cabe�a” e exibir manchas roxas pelo corpo. A bab� acrescentou � av� do menino que n�o havia possibilidade de a crian�a estar mentindo sobre agress�es.
Ainda na nova vers�o � pol�cia, Thayn� Ferreira disse que havia mentido no primeiro depoimento por ter medo de Dr. Jairinho. O pol�tico, formado em medicina, foi eleito com base eleitoral em Bangu, na zona oeste, em regi�o dominada por milicianos. � filho do ex-deputado estadual Coronel Jairo, policial militar da reserva e que esteve preso na Opera��o Furna da On�a, que investigou corrup��o na Assembleia Legislativa fluminense.
Dr. Jairinho e Monique Medeiros foram presos provisoriamente, por 30 dias, na semana passada, por determina��o da Justi�a. Eles s�o acusados de atrapalhar as investiga��es. � poss�vel que, com o depoimento de Thayn�, o inqu�rito se acelere e, com a den�ncia pelo Minist�rio P�blico, seja pedida a pris�o preventiva dos suspeitos.
Monique Medeiros decidiu trocar de advogado. Ser� defendida por Thiago Minag�, criminalista que integrou a equipe de defesa do ex-deputado Eduardo Cunha. At� ent�o, seu defensor era Andr� Fran�a Barreto, o mesmo de Dr. Jairinho. H� expectativa de que, a partir de agora, os dois suspeitos tenham estrat�gias de defesa divergentes.