
Doutora Dara! � assim que os cerca de 4 mil ind�genas que vivem na aldeia Te'y� kue, em Caarap� (MS), a 274 quil�metros de Campo Grande, passaram a chamar Dara Ramires Lemes, uma jovem carism�tica de 25 anos, que se tornou a primeira guarani-kaiow� a se formar em medicina.
Antes de ser profissional de sa�de, o destino de Dara por pouco n�o a levou ao futebol profissional e a Minas Gerais. Aprovada num teste para atuar no time feminino do Atl�tico entre as temporadas de 2012 e 2013, ela surpreendeu pela boa t�cnica e venceu o Campeonato Mineiro da categoria em pouco mais de um ano.
Aos poucos, no entanto, percebeu as dificuldades que teria para alcan�ar o sucesso na modalidade, o que se acentuou depois da extin��o da equipe para reduzir custos.
Como a carreira nos gramados n�o deu certo, Dara partiu para o outro sonho. Aos 17 anos, se matriculou em um cursinho pr�-vestibular em Dourados (a cerca de 45 quil�metros de Caarap�) e logo tentou medicina, por influ�ncia da m�e.
Uma de suas maiores alegrias foi a aprova��o no vestibular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, a mais de 1 mil quil�metros de sua terra natal. A dist�ncia seria um problema a mais, mas ela j� havia tido a experi�ncia de morar em BH, o que ajudou muito na adapta��o � nova cidade.

“Sabia que n�o seria f�cil. Mas n�o me lembro de reclamar muito. Apesar de viver cansada, eu sempre aproveitava os momentos de folga. Quando sa� para jogar futebol, eu sabia que mesmo assim precisava seguir estudando”, afirma Dara, que se mostra muito t�mida.
A formatura ocorreu no fim do ano passado. Desde ent�o, ela voltou para a Te'y� kue, onde voltou a morar com os pais. Em seguida, passou a atender diariamente as demais fam�lias da comunidade. � noite e nos fins de semana, ela faz plant�o no hospital da cidade.
"Os pacientes olham para mim e eu me sinto na responsabilidade de fazer o meu melhor frente ao quadro deles. V�-los satisfeitos com certeza me deixa contente e faz valer a pena todo esfor�o que eu fiz para chegar at� aqui"
Dara Ramires Lemes, m�dica guarani-kaiow�
“Fa�o parte de uma equipe muito competente e que gosta do que faz. Aprendo muito com eles todos os dias. E tamb�m amo o meu trabalho. Gosto muito de cuidar de pessoas, de ajudar, de confortar elas num momento de fragilidade”.
Linha de frente no combate � COVID-19
Uma de suas fun��es na aldeia � o atendimento prim�rio e na preven��o de casos de coronav�rus, principalmente nos protocolos iniciais, como uso de m�scara, �lcool em gel e distanciamento social, al�m de mostrar a import�ncia da vacina nos dias atuais.
Como profissional de sa�de e ind�gena, ela recebeu as duas doses do imunizante, assim como seus pais.
“Os pacientes olham para mim e eu me sinto na responsabilidade de fazer o meu melhor frente ao quadro deles. V�-los satisfeitos com certeza me deixa contente e faz valer a pena todo esfor�o que eu fiz para chegar at� aqui”, diz.
"Quero que as pessoas acreditem que sonhos podem se tornar realidade a partir do momento que voc� se sente capaz, acredita e se dedica para aquilo. Todo esfor�o tem recompensas. Ent�o, sonhar � o come�o de tudo"
Dara Ramires Lemes, m�dica guarani-kaiow�
Preocupada com os rumos da pandemia no pa�s, ela faz um sincero apelo �s autoridades pol�ticas para que o Brasil n�o continue sendo dizimado pela doen�a: “A situa��o atual � bastante preocupante e precisa ser levada mais a s�rio, at� porque s�o vidas que est�o em risco. As pol�ticas de sa�de precisam ser mais agressivas e tamb�m paciente com as pessoas. Precisamos entender logo que a atual situa��o precisa de esfor�o conjunto de todos. N�o conseguiremos controlar essa situa��o se n�o nos unirmos”.
Mesmo fazendo parte da linha de frente e atuando num momento triste da hist�ria do pa�s, Dara se sente feliz em poder contribuir no que mais gosta. Ao se sentir realizada em se tornar m�dica, a jovem transmite uma mensagem a todos: “Quero que as pessoas acreditem que sonhos podem se tornar realidade a partir do momento que voc� se sente capaz, acredita e se dedica para aquilo. Todo esfor�o tem recompensas. Ent�o, sonhar � o come�o de tudo”.
Uma fam�lia que ama o futebol
Dara Ramires jogou futsal e passou pelo Campo Grande antes de tentar a sorte no Atl�tico. A fam�lia toda ama futebol. O pai, Dario, foi jogador nos tempos de juventude. O irm�o mais velho, Cleison, atuou na base do Figueirense, mas desistiu da carreira. O ca�ula, Sander, passou pelo S�o Paulo e pelo Audax-SP e hoje defende o Loulatano, da Terceira Divis�o de Portugal.

A �nica mo�a filha do comerciante Dario e da professora Zeni tamb�m poderia ter �xito se n�o fosse o destino. A chance de defender o Atl�tico surgiu depois de uma sele��o feita em BH com mais de 350 postulantes a jogadora de todo o pa�s, em 2012.
“Meu pai e eu fomos a Belo Horizonte de �nibus. Fiz o teste e eles gostaram bastante do meu futebol naquele dia, sendo aprovada. Voltei para casa e no mesmo m�s retornei para Minas Gerais para os treinamentos”, conta Dara.
Naquela �poca, o Galo contava com atletas que futuramente se destacariam em n�vel mundial, como a lateral-esquerda Tamires e a atacante Amanda Moura, irm� do tamb�m atacante Rafael Moura, revelado pelo alvinegro. Nesse contexto, a sul-mato-grossense se arriscou a vir para Belo Horizonte em busca de uma oportunidade.
“De todas as 350 atletas que fizeram testes, s� ela passou. Ela era aplicad�ssima nos treinos e tinha uma qualidade muito grande. Era forte e explosiva, tinha boa condu��o de bola em diagonal e marcava muitos gols, al�m de bater muito bem com os dois p�s. Eu a indiquei para a Sele��o Brasileira Sub-17, mas ela n�o foi chamada, infelizmente”, conta o t�cnico Wellison Bitencourt, respons�vel pela escolha da ent�o jogadora.
Bitencourt foi muito mais que um treinador para a jovem ind�gena. Com o aval do pai da atleta, ele assinou um documento em cart�rio para ser o respons�vel legal da ent�o adolescente, que dava os primeiros passos no mundo da bola.

“Ela era menor de idade e precisava de algu�m para cuidar dela. Eu ajudava na quest�o da sa�de dela, da escola, com obriga��o de frequentar reuni�es com professores”.
Dara morou na Vila Ol�mpica, antigo alojamento do futebol feminino, e estudou parte do ensino m�dio no Col�gio Santos Dummont, em Venda Nova. Ela frequentava as aulas pela manh� e � tarde treinava com o grupo alvinegro.
“Sempre gostei de jogar como meia-atacante, mas, durante a viv�ncia no Atl�tico, o treinador nos exigia versatilidade. Sempre est�vamos mudando de posi��o”, conta Dara.
Fisioterapeuta do time feminino no per�odo, Marcelo Saliba conta que a caracter�stica f�sica da jovem era diferenciada, se comparada a outras jogadoras: “Era uma atleta implac�vel, pois n�o tinha les�o, era muito forte e dedicada nos treinos. Era muito incisiva em algumas partidas. Era de poucas palavras, mas risonha, uma marca dela”.
A passagem da ent�o jogadora pela capital mineira foi ligeira, mas ficou marcante. “Em BH, eu gostava s� dos dias de jogos. Reclamava dos treinos como qualquer outra jogadora, mas sempre os levei a s�rio”, admite Dara, que � torcedora do Corinthians.
Apesar dos percal�os, ela guarda com �tima recorda��o o per�odo em que foi atleta e diz que a trajet�ria a ajudou na profiss�o atual.
“Tive o sonho de vestir o uniforme da Sele��o Brasileira, mas Deus sabe de tudo e eu nunca questionei. Fico agradecida s� pela oportunidade de viver aquilo. O futebol foi uma parte muito bonita da minha vida. Eu n�o mudaria nada em minha trajet�ria. Se n�o fosse pelo que aprendi no meu passado, n�o seria o que sou hoje”.