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Estado de Minas ENTREVISTA

Bolsonaro dificultou a��es contra a COVID, mostra estudo que virou livro

Especialista diz que presidente usou poderes 'mais para fazer valer agenda pol�tica, controversa e exc�ntrica, do que para coordenar resposta alinhada � OMS'


03/05/2021 07:50 - atualizado 03/05/2021 08:14

(foto: AFP / EVARISTO SA)
(foto: AFP / EVARISTO SA)
Com a CPI da COVID, o Senado come�ou a investigar a��es e omiss�es do governo na pandemia da COVID-19, mas o impacto da atua��o negacionista do presidente Jair Bolsonaro na crise sanit�ria � apontado em estudos recentes. Depois de a revista Science concluir que a “combina��o perigosa de ina��o e irregularidades” colocou o Brasil entre as piores na��es no enfrentamento ao v�rus, outra pesquisa chegou � conclus�o que o pa�s, tamb�m por decis�es pol�ticas, n�o agiu como deveria para evitar o descontrole da doen�a.

Essa segunda linha de estudo foi conduzida por pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e da Funda��o Getulio Vargas (FGV) e se transformou em um livro. A publica��o mostra que as pol�ticas de sa�de no Brasil foram descoordenadas, concluindo que, mesmo com um robusto Sistema �nico de Sa�de (SUS), a resposta brasileira ficou comprometida por decis�es do governo, divergentes � orienta��o das lideran�as de sa�de.

Com outros dois pesquisadores da Universidade de Michigan, Elize Massard, professora de administra��o p�blica da FGV, mestre e doutora em sa�de p�blica pela Fiocruz, coordenou os trabalhos, envolvendo 60 autores que assinam o livro. O compilado faz uma an�lise qualitativa e mostra como os l�deres de 30 pa�ses se utilizaram das prerrogativas constitucionais para lidar com a pandemia. Veja os principais trechos da entrevista que ela concedeu ao Correio Braziliense:

No que consiste a nova pesquisa?
Nosso estudo � uma pesquisa qualitativa, na �rea de ci�ncias sociais, e a quest�o central � levantar quais as vari�veis institucionais e pol�ticas que importaram para dar resposta � pandemia, bem como a forma que os diferentes pa�ses as usaram.

Qual foi a resposta brasileira?
O que mostramos � que as pol�ticas de sa�de no Brasil foram descoordenadas. Houve uma falta de coordena��o dentro do governo federal com os estados e em rela��o ao que era feito dentro do pr�prio Minist�rio da Sa�de, dificultando a a��o da pasta em termos de pol�ticas sociais e tomada de decis�es baseadas em evid�ncias.

A gente observa, no Brasil, uma grande interfer�ncia do presidente da Rep�blica na resposta que ocorre, pela for�a dos poderes constitucionais a ele atribu�dos. O cargo de presid�ncia � forte e d� capacidades para fazer nomea��es sem passar pelo aval do Congresso, condi��es de emitir decretos e medidas provis�rias. O que mostramos no livro � como Bolsonaro utilizou esses poderes constitucionais.

A resposta descoordenada pode ser atribu�da ao presidente?
Vamos avaliar as decis�es. Bolsonaro nomeou quatro ministros no per�odo de um ano e interferiu de uma forma nunca antes vista nas decis�es t�cnicas do Minist�rio da Sa�de, principal pasta que conduz pol�ticas p�blicas frente a uma crise de sa�de. Vimos interfer�ncias para estimular e inserir o protocolo cl�nico de tratamento contra a COVID-19 a partir de medicamentos que n�o s�o efetivos e n�o t�m a comprova��o cient�fica de benef�cios contra a doen�a.

Bolsonaro interferiu na gest�o dos dados, na forma em que seriam apresentados. Tamb�m nas medidas de distanciamento social, no uso de m�scaras, com veto de parte da lei. Essa foi a forma com que o presidente fez uso dos poderes constitucionais. Muito mais para fazer valer a pr�pria agenda pol�tica, controversa e exc�ntrica, do que para coordenar uma resposta alinhada � Organiza��o Mundial da Sa�de.
(foto: CEPESP/Reprodução )
(foto: CEPESP/Reprodu��o )

A avalia��o converge com o estudo da Science, que correlaciona a politiza��o da pandemia aos resultados do enfrentamento?
A diferen�a � que nosso estudo � qualitativo e mostra o que foi feito, como as lideran�as, nesses 30 pa�ses, se utilizaram das prerrogativas constitucionais e quais s�o as vari�veis pol�ticas institucionais atuando nesse contexto. N�o h� correla��o, porque n�o se trata de um estudo estat�stico, como o publicado na Science, que usa outras ferramentas metodol�gicas para explicar a condu��o da pandemia no Brasil, ainda que ambos abordem a interfer�ncia da agenda pol�tica nesse cen�rio. Assim, o que n�s observamos � que Bolsonaro usou as prerrogativas que tem, como a escolha de ministros, para indicar aqueles que fossem mais alinhados � sua orienta��o.

Dos 30 pa�ses analisados, s� o Brasil teve uma resposta negativa � pandemia?
Observamos cen�rios parecidos, por exemplo, nos Estados Unidos, no Chile, que tamb�m s�o pa�ses com caracter�sticas presidencialistas e que conferem ao presidente poderes constitucionais para que ele possa agir. Figuras como o ex-presidente Donald Trump e o chileno Sebasti�n Pi�era centralizaram, em si, a resposta e usaram esses poderes pol�ticos para fazer valer as suas agendas pol�ticas.

O vi�s federalista foi avaliado e serve para o contexto brasileiro. Quais s�o as observa��es?
O Brasil, como um sistema federalista, teve atua��o importante dos estados para dar respostas. Em meio � ila��o do presidente, sobrou aos estados responder de alguma forma. Adotaram medidas de distanciamento social, de fechar com�rcio… O problema � que foi de forma descoordenada. Como � papel do Minist�rio da Sa�de coordenar a pol�tica de sa�de no Brasil, na aus�ncia da atua��o federal centralizadora, o que a gente acabou observando foi uma s�rie de medidas tomadas em tempos e graus diferentes. E isso n�o � efetivo para responder a uma pandemia.

Quais s�o as conclus�es?
Primeiramente, que pol�tica importa. Institui��es pol�ticas importam. N�o basta ter um sistema de sa�de forte, bem estruturado, com m�dicos, leitos, se isso n�o for colocado para uso. Ent�o, o sistema � uma condi��o necess�ria, mas precisa ser colocado em uso. E fazer valer o uso � deixar que as capacidades estatais funcionem, integradamente. Vimos que essas capacidades foram colocadas de lado.

� medida que Bolsonaro se recusa a conversar com Mandetta (Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Sa�de), coloca-se de lado toda a infraestrutura do sistema de sa�de. Ent�o, tudo que o SUS poderia fazer para responder a essa pandemia fica comprometido, em termos de comunica��o, coordena��o, centraliza��o para organizar a abertura de leitos, melhora na distribui��o dos equipamentos, articula��o por vacinas.

Como ponderar essa for�a do presidente?
Temos institui��es pol�ticas para isso. O Congresso � uma delas. A CPI da COVID � uma das a��es propostas. O Supremo Tribunal Federal (STF) � outro caminho de monitoramento, para apurar se as condutas, de fato, est�o funcionando. S�o formas de avaliar as pol�ticas p�blicas, especialmente quando o mundo inteiro est� questionando a atua��o brasileira. Essas institui��es servem para olhar com profundidade a �rea do Executivo, agindo em rela��o �s decis�es presidenciais. � necess�rio fazer esse contraponto, monitoramento.

O que � uma CPI?

As comiss�es parlamentares de inqu�rito (CPIs) s�o instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relev�ncia ligado � vida econ�mica, social ou legal do pa�s, de um estado ou de um munic�pio. Embora tenham poderes de Justi�a e uma s�rie de prerrogativas, comit�s do tipo n�o podem estabelecer condena��es a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um ter�o dos 81 parlamentares. Na C�mara dos Deputados, tamb�m � preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

H� a possibilidade de criar comiss�es parlamentares mistas de inqu�rito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, � preciso obter assinaturas de um ter�o dos integrantes das duas casas legislativas que comp�em o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?


O presidente do colegiado � Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) � o relator. O prazo inicial de trabalho s�o 90 dias, podendo esse per�odo ser prorrogado por mais 90 dias.



Saiba como funciona uma CPI

Ap�s a coleta de assinaturas, o pedido de CPI � apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo � oficialmente criado ap�s a leitura em sess�o plen�ria do requerimento que justifica a abertura de inqu�rito. Os integrantes da comiss�o s�o definidos levando em considera��o a proporcionalidade partid�ria — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideran�as de cada agremia��o s�o respons�veis por indicar os componentes.

Na primeira reuni�o do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto � respons�vel por conduzir as investiga��es e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relat�rio final do inqu�rito, contendo as conclus�es obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomenda��es para evitar que as ilicitudes apuradas n�o voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a �rg�os como o Minist�rio P�blico e a Advocacia-Geral da Uni�o (AGE), na esfera federal.

Conforme as investiga��es avan�am, o relator come�a a aprimorar a linha de investiga��o a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pr�-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um per�odo, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (h� direito ao sil�ncio)
  • executar pris�es em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informa��es a �rg�os ligados � administra��o p�blica
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secret�rios, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do pa�s — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audi�ncias e dilig�ncias
  • quebrar sigilos fiscais, banc�rios e de dados se houver fundamenta��o
  • solicitar a colabora��o de servidores de outros poderes
  • elaborar relat�rio final contendo conclus�es obtidas pela investiga��o e recomenda��es para evitar novas ocorr�ncias como a apurada
  • pedir buscas e apreens�es (exceto a domic�lios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI n�o pode fazer?

Embora tenham poderes de Justi�a, as CPIs n�o podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telef�nicos
  • solicitar pris�es preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreens�es em domic�lios
  • impedir que advogados de depoentes compare�am �s oitivas e acessem
  • documentos relativos � CPI
  • determinar a apreens�o de passaportes

A hist�ria das CPIs no Brasil

A primeira Constitui��o Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas � C�mara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado tamb�m passou a poder instaurar investiga��es. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a C�mara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro come�ou a funcionar em 1935, para investigar as condi��es de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comit� similar foi criado em 1952, quando a preocupa��o era a situa��o da ind�stria de com�rcio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constitui��o foi redigida. O texto m�ximo da na��o passou a atribuir poderes de Justi�a a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atua��o do sistema de alfabetiza��o adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos An�es do Or�amento (C�mara) - apurou desvios do Or�amento da Uni�o

2000: CPIs do Futebol - (Senado e C�mara, separadamente) - rela��es entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Pre�o do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formula��o dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar den�ncias de corrup��o na empresa estatal

2005: CPMI do Mensal�o - apurar poss�veis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (C�mara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (C�mara) - apurou poss�vel desvio de verbas destinadas � Sa�de

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar poss�vel corrup��o na estatal de petr�leo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comit� organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - dissemina��o de not�cias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do C�rrego do Feij�o


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