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Estado de Minas COMPARATIVO

Menos sa�de, mais repress�o: prioridades mudam no combate a drogas no Brasil

An�lise in�dita de gastos do governo federal com pol�ticas de drogas nos �ltimos 15 anos revela que o per�odo com maior destina��o de recursos para a �rea foi 2014 a 2017. O levantamento, feito por pesquisadores do Ipea, mostra que houve queda de 75% no �ltimo ano de Michel Temer e no primeiro de Jair Bolsonaro.


12/05/2021 07:31 - atualizado 12/05/2021 09:45

O investimento do governo federal em pol�ticas de drogas teve uma queda abrupta nos �ltimos anos: saiu de um patamar de mais de R$ 1,8 bilh�o em 2017 para um valor 75% menor no �ltimo ano do governo Michel Temer (R$ 447 milh�es) e no primeiro ano de Jair Bolsonaro (R$ 476 milh�es).

Esses dados fazem parte de levantamento in�dito produzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea). Eles analisaram as despesas do governo federal com essa �rea, em diferentes minist�rios, em 15 anos (2005 a 2019).

No �mbito do governo federal, os gastos com pol�ticas de drogas incluem a��es em diferentes frentes (e espalhadas em v�rios minist�rios): coordena��o nacional da pol�tica sobre drogas, repress�o ao tr�fico internacional de drogas, aten��o � sa�de dos usu�rios, pol�ticas de educa��o para preven��o e compra de leitos em comunidades terap�uticas.

Al�m da constata��o sobre a queda geral no gasto com pol�tica de drogas, a an�lise de como os recursos foram distribu�dos entre essas diferentes �reas tamb�m revela uma mudan�a na l�gica dessa pol�tica no Brasil.

Nos �ltimos anos, houve redu��o em verbas destinadas ao Minist�rio da Sa�de, respons�vel por pol�ticas de aten��o � sa�de dos usu�rios, ao mesmo tempo em que foi verificado valor recorde nos recursos destinados ao Minist�rio da Justi�a, respons�vel por a��es de repress�o.

O contexto de um or�amento da Uni�o cada vez mais apertado, de forma geral, ajuda a explicar a redu��o nos gastos com a pol�tica de drogas. Mas o cen�rio de arrocho revela tamb�m as prioridades, como aponta o coordenador da �rea de Justi�a, cidadania e seguran�a p�blica do Ipea, Alexandre Cunha, respons�vel pelo levantamento.

"Isso reflete prioridades, mesmo num contexto de redu��o (de despesas), que nunca � linear. Algumas pol�ticas sofreram cortes expressivos, como de sa�de mental. Outras tiveram aumento, como de repress�o", afirmou em entrevista � BBC News Brasil.


(foto: BBC)
(foto: BBC)

Com base nos dados do levantamento, solicitado pelo pr�prio governo federal, Cunha aponta que, at� o fim do governo do ex-presidente Lula havia "pouco investimento do governo federal em pol�tica sobre drogas - quer em repress�o, quer em preven��o".

A partir de 2013, j� no governo Dilma Rousseff, h� um "claro aumento da despesa em tema de pol�tica sobre drogas, que tem a ver com aumento na repress�o, mas principalmente um aumento expressivo em pol�tica de preven��o e cuidado", segundo ele.

Depois, no �ltimo ano da gest�o Temer, isso muda. "A� voc� tem altera��o substancial do tipo de gasto feito em preven��o e cuidado - o sentido da pol�tica de preven��o e cuidado muda, acompanhado de desfinanciamento - e o aumento do gasto com repress�o n�o chega perto do que voc� cortou nos recursos destinados � preven��o e cuidado", diz Cunha.

Despesa no Minist�rio da Sa�de com pol�tica de drogas tem menor n�vel sob Bolsonaro


(foto: BBC)
(foto: BBC)

As despesas do Minist�rio da Sa�de com pol�ticas voltadas a essa �rea tiveram, em 2019, seu menor n�vel em 15 anos, com R$ 22,6 milh�es. Quando comparado ao or�amento total da pasta, o percentual � de apenas 0,02%, que tamb�m � o menor patamar da s�rie hist�rica. De 2014 a 2017, quando ficou por volta de R$ 1,5 bilh�o, esse percentual superava 1%.

No Minist�rio da Sa�de, o aumento durante o governo Dilma � explicado, segundo Cunha, por uma pol�tica de fortalecimento das redes de aten��o psicossocial e a��es no campo de sa�de mental.

"Na Sa�de, os gastos com pol�ticas sobre drogas est�o misturados com gastos de sa�de mental, e existem destina��es espec�ficas para drogas, principalmente o financiamento de CAPSAD (Centro de Aten��o Psicossocial �lcool e Drogas), que � a aten��o especializada a dependentes de �lcool e outras drogas. E foi no governo Dilma que houve articula��o da rede e financiamento para estrutura��o dessa pol�tica em aten��o � sa�de mental".

Desde o governo Temer, houve uma mudan�a de orienta��o e hoje esse modelo tamb�m n�o � prioridade do governo Bolsonaro.

"Na medida em que o governo Temer muda a orienta��o pol�tica na �rea de sa�de mental no Minist�rio da Sa�de, come�a a haver desmonte forte das redes de aten��o psicossocial e do financiamento a esse tipo de aten��o. Ent�o esse movimento no gr�fico tem a ver com essa pol�tica ser estruturada e, depois, desestruturada."

Cunha diz que a pol�tica de aten��o ao usu�rio de drogas e outras drogas dentro da l�gica de redu��o de danos foi "abortada". "N�o chegou efetivamente a estar estruturada e a gente ainda n�o tem dist�ncia suficiente para avaliar �xito. Para avaliar pol�tica p�blica, precisamos de pelo menos cinco anos de implementa��o da pol�tica para fazer avalia��o para medir impacto", diz.

A BBC News Brasil procurou o Minist�rio da Sa�de e aguardava resposta at� a �ltima atualiza��o desta reportagem.

Foco em comunidades terap�uticas

O modelo anterior de atendimento vem sendo substitu�do pelas chamadas comunidades terap�uticas. Essa pol�tica, que foi iniciada por Dilma, vem se tornando o principal mecanismo de combate � depend�ncia qu�mica da gest�o Bolsonaro.

Em 2019, uma lei sancionada por Bolsonaro fortaleceu as comunidades terap�uticas, institui��es normalmente ligadas a organiza��es religiosas. O texto facilitou interna��es involunt�rias em unidades de sa�de.

A lei tamb�m diz que esses locais devem oferecer "projetos terap�uticos ao usu�rio ou dependente de drogas que visam � abstin�ncia", deve ter um "ambiente residencial, prop�cio � forma��o de v�nculos, com a conviv�ncia entre os pares, atividades pr�ticas de valor educativo e a promo��o do desenvolvimento pessoal", e estabelece que esses locais devem servir de "etapa transit�ria para a reintegra��o social e econ�mica do usu�rio de drogas".

Assim, existem tr�s tipos de interna��es: a volunt�ria, a involunt�ria (quando o dependente � levado pela fam�lia ou por um agente de sa�de) e a compuls�ria - quando h� determina��o da Justi�a.

Procurado pela reportagem, o Minist�rio da Cidadania informou que o investimento subiu de R$ 40,9 milh�es em 2018 (2.900 vagas financiadas) para R$ 153,7 milh�es em 2019 (10.833 vagas financiadas). A pasta hoje mant�m contratos com 483 institui��es.

O governo j� informou que o Minist�rio da Cidadania busca aumentar esse or�amento, hoje em R$ 146,2 milh�es, para R$ 330 milh�es. Esse gasto com comunidades terap�uticas estava originalmente no Minist�rio da Justi�a at� 2018 e em 2019 passou para o or�amento do Minist�rio da Cidadania.

"Um dos objetivos da nova pol�tica � acolher e tratar usu�rios de drogas por meio da desintoxica��o e fortalecimento das comunidades de tratamento, integrando pol�ticas nacionais e internacionais, tomando iniciativas p�blicas e privadas e reconhecendo as diferen�as entre o usu�rio, o dependente e o traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada", disse o Minist�rio da Cidadania.

Uma das principais cr�ticas feitas por especialistas e procuradores ao modelo passa pela rela��o entre o tratamento de dependentes qu�micos e proselitismo religioso. Das quase 2 mil comunidades terap�uticas no pa�s, segundo outro estudo do Ipea, 82% disseram ter liga��o com igrejas e organiza��es religiosas (40% pentecostais e 27% cat�licas).

A leitura da B�blia � uma atividade di�ria em 89% delas, e a participa��o em cultos e cerim�nias religiosas � obrigat�ria em 55%. Leia mais nesta reportagem da BBC News Brasil, que revelou, em 2019, que o governo federal financiava entidades para dependentes qu�micos denunciadas por maus-tratos e irregularidades, com den�ncias como viola��o de correspond�ncias, pris�o dentro de quartos, trabalhos for�ados e puni��es por faltas a cultos religiosos.

"A l�gica do sistema anterior, de aten��o ambulatorial ao dependente, trabalha dentro da l�gica de redu��o de danos. E o modelo da comunidade terap�utica � o da abstin�ncia. Ent�o, � uma transi��o de modelo que era calcado na melhora da vida do dependente mesmo que ele n�o deixasse de usar droga, para o um modelo em que o fundamental � a abstin�ncia - tornar-se limpo � requisito para ter direito � assist�ncia", diz Cunha.

Despesa no Minist�rio da Justi�a com pol�tica de drogas tem maior n�vel sob Bolsonaro


(foto: BBC)
(foto: BBC)

Diferentemente de outras �reas, os recursos destinados � pol�tica de drogas no Minist�rio da Justi�a bateram recorde: os mais de R$ 420 milh�es em 2019 representam o maior patamar dos 15 anos pesquisados. Em propor��o ao or�amento total da pasta, ficou em 3%.

Nessa �rea, o Minist�rio da Justi�a � respons�vel por a��es de combate ao crime organizado, tr�fico internacional e pelo financiamento de vagas relacionadas a esse tipo de delito no sistema penitenci�rio federal.

Procurado pela reportagem, o Minist�rio da Justi�a informou que, desde 2019, com a aprova��o da Nova Pol�tica Nacional Sobre Drogas, as a��es da pasta "s�o voltadas para gest�o da pol�tica, pesquisa e, sobretudo, a redu��o da oferta de drogas atrav�s da descapitaliza��o das organiza��es criminosas, com leil�o de bens apreendidos do crime".

Entre os investimentos, tamb�m est�o, segundo a pasta, o sistema de radiocomunica��o na fronteira do Brasil com o Paraguai ("que causou um preju�zo de quase R$ 3 bilh�es aos criminosos e apreendeu, desde 2019, cerca de 900 toneladas de droga"), a Escola Nacional de C�es de Faro, ("que ser� inaugurada em breve, com foco em aumentar a capacidade de detec��o de drogas por parte dos policiais"), e a nova unidade de pesquisa sobre o mercado de drogas (Centro de Excel�ncia em Redu��o de Oferta de Drogas Il�citas).

O presidente e seus aliados defendem a a��o contra o tr�fico como pol�tica fundamental para conter a criminalidade no pa�s - ao mesmo tempo em que estudiosos do tema apontam que "a guerra �s drogas", realizada h� d�cadas, n�o vem mostrando resultado na redu��o da viol�ncia.

Em 2020, por exemplo, Bolsonaro e aliados comemoraram apreens�es recordes de centenas de toneladas de drogas (principalmente maconha).

No �mbito do debate sobre apreens�es, a Pol�cia Federal reconheceu o impacto limitado das apreens�es de drogas para combater o tr�fico, destacando como a��es de maior relev�ncia as opera��es que conseguem atingir o comando das organiza��es criminosas por tr�s desse mercado ilegal.

A tend�ncia gradual de libera��o do uso da maconha no mundo tamb�m � frequentemente apontada pelos especialistas no tema - hoje, o uso recreativo � permitido em pa�ses como Uruguai, Canad� e Ge�rgia e em v�rios Estados americanos.

Por que � desafiador calcular (e fiscalizar) quanto o Brasil gasta com pol�tica de drogas?


Maconha é a droga ilícita mais consumida no país, segundo especialistas(foto: IRCCA)
Maconha � a droga il�cita mais consumida no pa�s, segundo especialistas (foto: IRCCA)

Mensurar os gastos em todas essas �reas da pol�tica relacionada �s drogas � desafiador por alguns motivos.

O primeiro � que o Brasil n�o re�ne todas as pol�ticas sobre drogas em um mesmo �rg�o. Ent�o, al�m de o or�amento estar espalhado entre os minist�rios, existem a��es or�ament�rias que n�o s�o exclusivamente para pol�ticas de drogas, o que torna dif�cil identificar cada uma e diferenciar os gastos l� dentro.

"Fizemos uma garimpagem, dentro de cada a��o or�ament�ria, sobre o que ia para pol�tica sobre drogas e o que n�o ia", explicou Cunha.

Os pesquisadores dividiram as modalidades de gastos entre diretos e indiretos, mas em alguns casos, dizem, era imposs�vel diferenciar exatamente o que foi direcionado para pol�tica de drogas. Por isso, Cunha diz que � poss�vel que se gaste com pol�ticas sobre drogas em a��es que n�o foram desagregadas - o que significa que o gasto pode ser maior.

O estudo sugere uma metodologia para o or�amento nessa �rea, de forma que os gastos sejam previamente divididos em cinco eixos: 1. Preven��o, 2. Tratamento, cuidado e reinser��o social, 3. Redu��o da oferta, 4. Pesquisa e avalia��o, 5. Governan�a, gest�o e integra��o.

Isso porque, da forma que � hoje, os pesquisadores apontam que � dif�cil mensurar e, por consequ�ncia, analisar a efetividade. "Uma melhor distin��o de diversas atividades voltadas para as pol�ticas sobre drogas iria contribuir para uma melhor implementa��o e fiscaliza��o dessas pol�ticas p�blicas."

Outro ponto importante quando se pretende analisar o conjunto das pol�ticas de drogas no Brasil � considerar o papel de Estados e munic�pios, que n�o est� contabilizado a�. Um exemplo claro s�o as a��es da Pol�cia Civil e Militar de todo o pa�s, que n�o entram na conta do governo federal com repress�o.

Pesquisadores do Ipea trabalham, agora, em levantamento espec�fico com esses gastos estaduais.

Neste ano, pesquisa do Centro de Estudos de Seguran�a e Cidadania (Cesec) apontou que, em um ano, as institui��es do sistema de justi�a criminal dos estados do Rio de Janeiro e S�o Paulo consumiram mais de R$ 5,2 bilh�es com a pol�tica de proibi��o das drogas.


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