
Com o apoio da prefeitura, de vereadores e de l�deres comunit�rios, o m�dico local passou a prescrever "kit COVID" a todos os pacientes com diagn�stico ou com suspeitas da doen�a na cidade. Dos cerca de 2,8 mil moradores de Rancho, quase a metade, 1.115 pessoas, tomou o verm�fugo ivermectina. Outras 438 pessoas foram medicadas com um coquetel de hidroxicloroquina, azitromicina e outras drogas. A prefeitura gastou cerca de R$ 47 mil com os medicamentos at� agora.
Mas os dados mostram que Rancho Queimado n�o foi especialmente bem-sucedida em conter o v�rus. E epidemiologistas descartam qualquer efeito dos rem�dios sobre os n�meros da doen�a no local. V�rios estudos cl�nicos no Brasil e no exterior j� mostraram a inefic�cia do tratamento com hidroxicloroquina no enfrentamento ao v�rus.
Segundo dados da Secretaria de Estado de Sa�de de Santa Catarina organizados pela iniciativa Brasil.io, Rancho Queimado tem n�meros similares aos de cidades fronteiri�as. Em Rancho Queimado, foram dois �bitos at� o momento. Leoberto Leal conta tamb�m duas mortes, em uma popula��o de 3 mil pessoas. J� Angelina teve apenas um �bito confirmado entre os 4,7 mil habitantes. Nenhuma das duas cidades vizinhas adotou de forma oficial o "tratamento precoce", segundo informaram as prefeituras.
No come�o de maio, por exemplo, Rancho Queimado foi citada sete vezes em uma �nica sess�o da CPI, durante o depoimento do ex-ministro da Sa�de Luiz Henrique Mandetta. "L� no meu Estado, os munic�pios de Rancho Queimado e Chapec� fizeram um tratamento inicial, um 'kit COVID'. E o resultado foi extraordinariamente positivo", disse o senador Jorginho Mello (PL-SC). "Estou lendo (...), conversando com pessoas que conhecem o assunto. Falo com as pessoas e vejo esse m�dico que me emocionou quando falou em Rancho Queimado. Passou (atendeu) 1.804 pessoas; testou 419 positivos. S� dois �bitos", refor�ou Luis Carlos Heinze (PP-RS), na mesma sess�o.
Ao Estad�o, Heinze disse que conheceu o caso por meio de um grupo de m�dicos defensores do "tratamento precoce". Intitulada de "M�dicos pela Vida", a iniciativa soma mais de 14 mil profissionais, segundo o senador. "(Eles) t�m casos para apresentar do Oiapoque ao Chu�, e a� a gente foi conhecendo, tipo Porto Feliz (SP), Porto Seguro (BA) e Rancho Queimado", disse o senador.
"Rancho Queimado foi o primeiro que eu mencionei. Falei com a prefeita (Cleci Veronezi, do MDB), falei com o m�dico, (Armando Taranto), e ele explicou como eles fizeram, quando come�ou o processo l�. � uma cidadezinha pequena com apenas um m�dico, e ele me explicou como trabalhou", conta o senador.
M�dico liderou 'kit COVID'
Armando Taranto � um m�dico de 69 anos. Passou os �ltimos 45 deles trabalhando em Rancho Queimado. Com a concord�ncia da prefeita, dos vereadores e do Conselho Municipal de Sa�de, Taranto abriu um posto separado para atender os pacientes com suspeita de COVID-19 e passou a aplicar o protocolo do "tratamento precoce". Para os pacientes sem sintomas e com teste negativo para o v�rus, a prescri��o era de ivermectina (6 mg), como forma de preven��o. Se o teste fosse positivo ou se o paciente apresentasse sintomas, a prescri��o era de ivermectina (6 mg), hidroxicloroquina (400 mg), azitromicina (500 mg) e aspirina (100 mg), mais cortic�ide (prednisona ou dexametasona) e complexo de vitaminas.
"J� temos quase 2 mil pacientes que foram atendidos l�. Desses 2 mil, cerca de 450 foram casos positivos. Tratamos desses 450, e tivemos dois �bitos", diz Taranto. As duas mortes foram de homens idosos - um n�o recebeu os medicamentos, segundo o m�dico, e o outro veio a �bito por causa de uma pneumonia, depois de ter tido alta da COVID-19, diz Taranto. "Dessas 2 mil pessoas que j� passaram por mim, desses que foram medicados, n�o tive nenhuma complica��o. Nenhuma rea��o aos rem�dios", diz ele. Taranto estima que a prefeitura tenha gastado cerca de R$ 47 mil com a compra dos medicamentos.
Questionado sobre o fato de munic�pios vizinhos terem tido resultados similares sem empregar o mesmo protocolo, Taranto desconversa. "Medicina n�o � uma ci�ncia exata, n�? Voc� tem cidades onde a tuberculose ataca uma parcela grande da popula��o, e outra cidade do lado onde n�o ataca. Angelina tem dois m�dicos, um frontalmente contr�rio ao tratamento, mas tem outro que faz (o tratamento). J� Leoberto Leal � longe daqui", diz.
'Se tomassem �gua, era melhor', diz opositor
Advers�rio de Heinze e Jorginho Mello nos embates da CPI, o senador Otto Alencar (PSD-BA) diz que a argumenta��o a favor do "tratamento precoce" � uma "leviandade". "Eles todos sabem que 95% das pessoas que contraem a doen�a ficam assintom�ticos ou t�m sintomas leves ou moderados. Ent�o, o que eles fazem? Pegam os assintom�ticos, leves e moderados, e tocam a hidroxicloroquina. As pessoas ficam boas. E ficariam boas de qualquer jeito. Se tomassem �gua era melhor, porque a hidroxicloroquina pode matar quem tem arritmia, e a �gua n�o mata", diz Alencar, que � m�dico.
Em julho do ano passado, a Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) abandonou definitivamente os testes com a cloroquina, depois que a droga antimal�rica se mostrou ineficaz contra a COVID-19. Outras drogas, como a ivermectina, n�o se mostraram eficazes para combater ou prevenir a COVID-19. O uso do medicamento para a doen�a viral � at� desaconselhado pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria e pela farmac�utica alem� Merck, que criou o verm�fugo nos anos 1970 e o comercializa no exterior.
'Piada do ponto de vista cient�fico', diz epidemiologista
Segundo o epidemiologista e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal, usar Rancho Queimado como "estudo de caso" para defender o uso de drogas como a cloroquina e a ivermectina "� uma piada do ponto de vista cient�fico". "Algo que s� � feito por quem n�o entende nada de ci�ncia", diz ele. A popula��o da cidade e o n�mero de �bitos s�o pequenos demais para qualquer conclus�o v�lida, segundo o especialista da universidade ga�cha.
Mesmo se fossem representativos, os n�meros de Rancho Queimado n�o seriam bons quando comparados com o restante do mundo, conforme observa Pedro Hallal. "As duas mortes confirmadas levam a uma taxa de 666 mortes para 1 milh�o de habitantes, enquanto a m�dia mundial est� hoje em 488 mortes por 1 milh�o. Ent�o, o resultado de Rancho Queimado � at� pior que a m�dia mundial", pontua o estudioso.
Hallal tamb�m diz que o "tratamento precoce" n�o teve nenhuma influ�ncia sobre o andamento da pandemia de COVID-19 na cidade. "Todos os �rg�os de sa�de j� testaram esses medicamentos e eles n�o funcionam para COVID-19. Ou seja, n�o tem nada a ver com isso o resultado de Rancho Queimado nem o das cidades vizinhas", diz. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.