
O estudo sobre a descoberta foi apresentado pela microbiologista Juliana Menezes, da Universidade de Lisboa, na edi��o deste ano do Congresso Europeu de Microbiologia Cl�nica e Doen�as Infecciosas. O trabalho ainda n�o foi revisado por outros cientistas.
Menezes e sua equipe analisaram amostras de 102 c�es e gatos e de 80 pessoas na capital portuguesa entre fevereiro de 2018 e fevereiro de 2020. Do total, 12 amostras apresentaram resist�ncia � colistina (tamb�m conhecida como polimixina).
Em dois casos, o gene MCR-1 foi identificado tanto nos donos quanto nos animais dom�sticos, que apresentavam les�es na pele ligadas � bact�ria Escherichia coli (E. Coli, bact�rias que residem normalmente no intestino de pessoas saud�veis, mas que podem causar ocasionalmente infec��o no trato digestivo, no trato urin�rio ou em muitas outras partes do corpo). Os cachorros foram tratados com sucesso e os donos deles n�o apresentaram sinais de infec��o.
"Esses humanos e c�es, se est�o em contato direto, podem transmitir bact�rias contendo o gene mcr-1 a outros humanos, c�es, outros animais e ao meio ambiente e potencialmente representar um risco para a sa�de p�blica", afirmam os pesquisadores, sobre o risco de animais dom�sticos e humanos se tornarem reservat�rios dessas caracter�sticas resistentes a m�ltiplos antibi�ticos.
O temor dos especialistas � que esse gene MCR-1, resistente � colistina, chegue a bact�rias que j� s�o resistentes a outros tipos de antibi�ticos, criando micr�bios talvez intrat�veis.
Mas como esses micr�bios, encontrados anteriormente em animais criados em fazendas, chegaram aos animais que vivem em ambientes dom�sticos?
H� diversas hip�teses, mas nenhuma delas foi comprovada ainda. Uma suspeita seria a sele��o gerada pelo uso frequente de antibi�ticos em um ambiente onde j� existem essas bact�rias resistentes e, por extens�o, a propaga��o desses indiv�duos "selecionados".
Outra poss�vel explica��o estaria ligada � comida. Um estudo de pesquisadores da Universidade do Porto, sem rela��o com o trabalho da Universidade de Lisboa, foi apresentado tamb�m no Congresso Europeu de Microbiologia Cl�nica e Doen�as Infecciosas e analisou a hip�tese de que esse tipo de transmiss�o de bact�rias resistentes a diversos antibi�ticos (sem incluir a colistina) pode ocorrer por meio da ra��o, seja �mida, seca ou crua (esta com taxas mais altas).

Segundo os cientistas, an�lises gen�ticas dessas bact�rias resistentes descobertas nas ra��es apontaram semelhan�as com superbact�rias encontradas em pacientes hospitalares no Reino Unido, na Alemanha e na Holanda.
Para eles, a alta incid�ncia de bact�rias resistentes em diversas amostras de alimentos para c�es aponta "a necessidade de revis�o da escolha de mat�rias-primas, de pr�ticas de fabrica��o e da higiene em um crescente setor de alimentos ao redor mundo."
O problema de sa�de p�blica ligado ao gene MCR-1 ganhou notoriedade em 2015, quando pesquisadores da China encontraram porcos e frangos de fazendas uma "alta preval�ncia" de Escherichia coli com o gene que lhe oferece resist�ncia � colistina.
O gene tamb�m tem potencial de se alastrar para outras bact�rias, como a Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa.
O MCR-1 foi encontrado em 166 de 804 animais analisados, e em 78 de 523 amostras de carne crua.
Nos humanos, a incid�ncia foi menor, mas se mostrou presente — em 16 amostras de 1.322 pacientes hospitalizados. Essa diferen�a, segundo os pesquisadores, indica que o caminho das bact�rias resistentes partiu dos porcos e frangos para depois chegar �s pessoas.
A resist�ncia � colistina, por exemplo, vem sendo detectada h� anos. Mas a diferen�a em 2015 foi que a muta��o surgiu numa forma em que � facilmente compartilhada entre bact�rias. Elas possuem v�rias estrat�gias muito mais poderosas para enfrentar situa��es adversas, sendo uma delas a transfer�ncia horizontal de genes, que faz com que bact�rias de diferentes esp�cies troquem DNA que pode ser �til para elas.
"Se o MRC-1 se tornar global, o que � uma quest�o de tempo, e se o gene se alinhar com outros genes resistentes a antibi�ticos, o que � inevit�vel, ent�o teremos provavelmente chegado ao come�o de uma era p�s-antibi�tico. E se nesse ponto um paciente estiver gravemente doente, por exemplo, com E. coli, n�o haver� praticamente nada a se fazer", diz Timothy Walsh, professor de microbiologia m�dica e resist�ncia a antibi�ticos da Universidade de Cardiff, que atuou no estudo realizado na China.
Antes da era dos antibi�ticos, as infec��es bacterianas eram a principal causa de morte no planeta. E especialistas temem que isso possa voltar a ocorrer. Se bact�rias se tornarem completamente resistentes a tratamentos - o chamado "apocalipse antibi�tico" -, a medicina pode ser lan�ada novamente em uma esp�cie de "Idade M�dia".

Em 1945, em discurso ap�s ganhar o Pr�mio Nobel de Medicina, o pr�prio inventor dos antibi�ticos, Alexander Fleming, alertou que seu uso indevido poderia selecionar bact�rias resistentes.
Em 2014, estimou-se que a resist�ncia aos antibi�ticos causava 700 mil mortes a cada ano e que esse n�mero aumentaria para 10 milh�es de mortes por ano at� 2050. Ou seja, uma pessoa a cada tr�s segundos.
E os custos que a resist�ncia a antibi�ticos representa chegar�o a US$ 100 trilh�es (R$ 507 trilh�es em valores atuais), segundo essas estimativas.
O problema � que n�o est�o sendo desenvolvidos novos medicamentos, e os que existem est�o sendo desperdi�ados com uso indiscriminado. Nos EUA, por exemplo, 70% dos antibi�ticos s�o usados em animais.
"Sabemos que o uso excessivo de antibi�ticos aumenta a resist�ncia e � vital que sejam usados com responsabilidade, n�o apenas na medicina, mas tamb�m na medicina veterin�ria e na agricultura", diz Menezes, da Universidade de Lisboa, em comunicado.
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