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Estado de Minas JORNADA

O beb� brasileiro que ficou semanas detido ao entrar nos EUA sem os pais

Caso aconteceu em meio � alta hist�rica no fluxo de menores de idade sem respons�veis legais pela fronteira com o M�xico.


15/07/2021 23:49 - atualizado 15/07/2021 23:49

Separação de filhos e pais foi alvo de intensos protestos contra política dos EUA de imigração(foto: Getty Images)
Separa��o de filhos e pais foi alvo de intensos protestos contra pol�tica dos EUA de imigra��o (foto: Getty Images)
Com 1 ano e meio, o beb� brasileiro Jo�o* havia come�ado a falar suas primeiras palavras quando sua rotina mudou por completo. De repente, ele se viu sem seus pais e familiares em uma casa na qual ningu�m mais falava portugu�s, no Estado da Virg�nia, nos Estados Unidos. Jo�o passou a ficar t�mido e calado nas semanas em que esteve em um lar tempor�rio, rodeado de sons em ingl�s, enquanto sua fam�lia vivia a ang�stia da d�vida sobre se voltaria a v�-lo.

 

Ele � um dos 123 menores de idade do Brasil que cruzaram a fronteira do M�xico com os Estados Unidos sem a companhia de adultos respons�veis por eles — segundo a lei americana, s� os pais ou um guardi�o ou tutor oficial s�o considerados respons�veis legais por menores de 18 anos. Esse n�mero, referente ao ano fiscal de 2021 at� maio, � recorde, segundo a Alf�ndega e Prote��o de Fronteiras dos Estados Unidos.

 

A hist�ria do beb� � simb�lica do fen�meno e revela os perigos e sofrimentos de uma jornada imigrat�ria irregular que tem se tornado cada vez mais popular entre brasileiros que querem tentar a vida no pa�s, mas n�o t�m visto para isso.

 

Apenas em abril e maio, na m�dia, os agentes americanos encontraram ao menos um menor de idade brasileiro desacompanhado dos respons�veis por dia.

Embora possa surpreender, o n�mero � pequeno se comparado �s 80 mil crian�as e adolescentes de diferentes nacionalidades que fizeram o trajeto at� maio do ano fiscal de 2021, gerando uma crise administrativa no governo do democrata Joe Biden.

 

A hist�ria de como Jo�o chegou aos Estados Unidos, no entanto, n�o lembra as cenas da c�mera de seguran�a no Texas, que, em mar�o, flagraram o momento em que duas meninas equatorianas eram lan�adas de cima do muro que divide a fronteira. Sozinhas na escurid�o da noite, ambas foram detidas por agentes americanos, que as levaram ao hospital.

 

J� o beb� brasileiro chegou nos bra�os dos av�s. Segundo autoridades diplom�ticas que atuaram no caso e o relataram � BBC News Brasil reservadamente, j� que o processo � sigiloso, a fam�lia foi orientada por um coiote, como s�o conhecidos os traficantes de pessoas que atuam na �rea, a adotar uma estrat�gia arriscada.

 

Eles viajaram at� o M�xico em seis pessoas: os av�s, os pais, um adolescente e um beb�. Pretendiam entrar juntos nos Estados Unidos, assim como j� fizeram quase 22 mil brasileiros nos primeiros cinco meses de 2021, o maior n�mero da s�rie hist�rica de registros.

 

Antes de atravessar a fronteira, no entanto, a fam�lia foi separada em dois grupos: os pais seguiram com o filho adolescente e chegaram ao seu destino final no pa�s. Os av�s ficaram com o beb� e jamais conseguiram concluir a viagem.

Estrat�gia 'cai-cai' e teatro de 'pais e filhos'

A fam�lia tentou usar um artif�cio conhecido no jarg�o da rede migrat�ria como "cai-cai". Funciona assim: um ou dois adultos, respons�veis legais por uma crian�a, cruzam a fronteira junto com ela e se apresentam �s autoridades. Como os Estados Unidos n�o podem manter menores de 18 anos presos nos mesmos centros de deten��o para adultos e tampouco t�m separado as fam�lias, na maior parte dos casos, os adultos apenas recebem uma notifica��o para se apresentar � Justi�a em uma data futura e s�o liberados na sequ�ncia em territ�rio americano. Boa parte nunca comparece nos tribunais e estabelece a vida no novo pa�s, sem documentos.

 

"Espalhou-se nessa comunidade uma percep��o muito forte de que estar com uma crian�a para fazer essa travessia torna a chance de ser deportado ou preso muito menor, o que � verdade. E, por isso, nos �ltimos anos vemos que mais e mais pessoas lan�am m�o disso", afirmou � BBC News Brasil Sueli Siqueira, soci�loga da Universidade Vale do Rio Doce e especialista em imigra��o de brasileiros para os Estados Unidos.


Famílias latino-americanas continuam contratando 'coiotes' para chegar aos EUA, em viagens arriscadas(foto: Getty Images)
Fam�lias latino-americanas continuam contratando 'coiotes' para chegar aos EUA, em viagens arriscadas (foto: Getty Images)

 

Era exatamente essa a tentativa dos av�s com o beb�, segundo os relatos feitos pela fam�lia �s autoridades envolvidas no caso. Mas as autoridades imigrat�rias �s quais os tr�s se apresentaram desconfiaram da situa��o. Os av�s n�o tinham qualquer documenta��o para provar que fossem os respons�veis legais pelo beb� e, no contato com os agentes, deixaram essa informa��o escapar.

Por lei, apenas os pais ou pessoas expressamente autorizadas por eles, por meio de documentos com validade internacional, podem se deslocar com crian�as de um pa�s para outro.

 

Os agentes americanos colecionam hist�rias sobre "aluguel" de menores de idade para auxiliar na travessia de adultos na fronteira ou sobre tr�fico de crian�as e por isso s�o rigorosos com a comprova��o do v�nculo entre adultos e menores que se apresentam a eles.

 

De acordo com a soci�loga, nesse ponto, os imigrantes muitas vezes se valem de uma certa encena��o. Nos �ltimos dois anos, Siqueira acompanhou pessoalmente cinco casos de brasileiros adultos que atravessaram a fronteira com crian�as entre 8 e 13 anos que n�o eram suas filhas ou parentes. Segundo ela, para obter sucesso na empreitada, eles precisaram sustentar que eram pais e filhos ou seriam separados pelos americanos.

 

"H� casos em que esses adultos — que s�o amigos, conhecidos ou parentes distantes dos pais das crian�as que far�o a travessia — passam alguns dias com o menor ensaiando cham�-la de filho e sendo chamado de 'pai' ou 'm�e', pra criar naturalidade e mostrar isso para os agentes", conta Siqueira.

 

Nos cinco casos acompanhados pela pesquisadora, a estrat�gia funcionou, e os adultos e crian�as foram admitidos no pa�s. Segundo ela, eram casos em que o pai ou a m�e verdadeiros da crian�a j� estavam no pa�s e queriam se reencontrar com os filhos.

 

"Todos eles sabem dos riscos, j� ouviram hist�rias de pessoas que morreram na travessia, que acabaram separadas. Mas todo mundo sempre pensa apenas nos casos de sucesso e acha que isso s� acontece com a fam�lia dos outros, que v�o ter mais sorte do que aqueles com casos tristes", afirma a soci�loga.

Av�s para deporta��o, neto apreendido

N�o foi assim para os av�s de Jo�o. Diante da situa��o, as autoridades americanas determinaram a separa��o de av�s e neto. Os primeiros foram remetidos a procedimentos de deporta��o.

 

O beb� foi encaminhado ao Departamento de Sa�de e Servi�os Humanos, que nos �ltimos meses t�m vivido sobrecarregado por falta de vagas para acomodar a enorme quantidade de crian�as desacompanhadas dos respons�veis, que, pela atual determina��o americana, n�o podem ser deportadas.

 

No caso de Jo�o, no entanto, ele n�o poderia ficar em abrigos para crian�as. Aprendendo a andar e a falar, sua condi��o era muito fr�gil e vulner�vel, e foi preciso encontrar um novo lar tempor�rio para o beb� brasileiro com urg�ncia.

 

Depois de ser testado para covid-19, Jo�o foi enviado para uma casa de fam�lia americana na Virg�nia, a cerca de 3 mil quil�metros da fronteira com o M�xico.

 

H� hoje uma escassez de vagas em lares tempor�rios, e o alojamento para Jo�o foi poss�vel gra�as ao trabalho de uma ONG de cunho religioso que tem arregimentado volunt�rios pelo pa�s para acomodar crian�as vindas da fronteira. A ONG n�o quis ter seu nome divulgado nem dar declara��es sobre o assunto � BBC News Brasil para garantir o sigilo da identidade de Jo�o e sua fam�lia.

 

Em paralelo, a m�e de Jo�o come�ava seu calv�rio pessoal. Primeiro, ela teve que enfrentar seu medo de ser deportada para poder ativamente buscar por not�cias de seu filho.

 

Quando descobriu o paradeiro do beb�, foi preciso que ela tirasse documentos como passaporte, pra si e para Jo�o, al�m de uma segunda via da certid�o de nascimento do filho. Mas n�o ficou nisso. Houve ainda a necessidade de que autoridades brasileiras entregassem �s americanas o hist�rico criminal dela, sem nenhuma ocorr�ncia de crime, para que ela pudesse ter direito a reaver o beb� em vez de ele ser encaminhado � ado��o. Cada etapa da burocracia alongava o per�odo longe do filho.

 

Consultado pela reportagem sobre o caso de Jo�o, o Departamento de Sa�de e Servi�os Humanos afirmou que "o Departamento de Seguran�a Dom�stica encaminha para o servi�os de lar tempor�rio crian�as n�o t�m um dos pais ou o respons�vel legal com eles quando chegam aos Estados Unidos e, portanto, s�o consideradas desacompanhadas. Isso inclui crian�as que chegam ao pa�s com um parente que n�o seja um dos pais". O �rg�o diz ainda que "por uma quest�o de pol�tica, a fim de proteger a privacidade e a seguran�a da crian�a, n�o identifica nem faz coment�rios sobre casos espec�ficos". E reafirma que a prioridade � manter esses menores "seguros, saud�veis %u200B%u200Be unidos aos membros da fam�lia o mais r�pido poss�vel, em seguran�a".

 

Ainda segundo o departamento, o objetivo do governo americano � sempre reunir a fam�lia, ainda que o status migrat�rio dela n�o seja legal. De acordo com dados do �rg�o, em 80% dos casos a crian�a que passa pela fronteira desacompanhada tem familiares nos Estados Unidos. E, em mais de 40% dos casos, o familiar que est� no pa�s � seu guardi�o legal.

 

� o caso de Jo�o e sua m�e. H� alguns dias, eles se reencontraram — mas ainda est�o longe de um final feliz, j� que os pais de Jo�o ainda ter�o que lidar com o processo de deporta��o que pode expulsar toda a fam�lia dos Estados Unidos. Por ora, Jo�o poder� aprender o portugu�s, junto do ingl�s, ao lado de sua fam�lia brasileira.

 

*O nome da crian�a foi alterado para preservar sua identidade.

 

Enfrenta uma situa��o parecida e precisa de ajuda? As autoridades americanas disponibilizam uma linha nacional ou um e-mail para pais que acreditem que seus filhos estejam sob tutela dos Estados Unidos e queiram consultar: +1 (800) 203-7001 ou [email protected]. O call center confirma se uma crian�a est� sob os cuidados das autoridades americanas e envia informa��es em tempo real sobre a consulta da pessoa que ligou para o abrigo em que a crian�a est� localizada. No entanto, n�o fornece qualquer informa��o sobre o paradeiro da crian�a e seu estado de sa�de ao solicitante de informa��es at� que haja comprova��o do v�nculo parental.

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