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Estado de Minas Especial

O 'cringe' nos faz pensar sobre gera��es e a conviv�ncia entre elas

Esse confronto pode ser saud�vel, e a classifica��o da popula��o por idade tem um prop�sito


18/07/2021 12:02

Maria Luisa (E) e a mãe, Luise: parceiras com programações diferentes(foto: MINERVINO JUNIOR)
Maria Luisa (E) e a m�e, Luise: parceiras com programa��es diferentes (foto: MINERVINO JUNIOR)
Gera��es distintas se encontram nos mesmos espa�os e compartilham momentos. No dia a dia, pessoas dos 15 aos 90 anos ou menos convivem na escola, no trabalho, na pr�pria fam�lia. Embora comum, as rela��es, vez ou outra, evidenciam as diferen�as de h�bitos e pensamentos. Os mais velhos tendem a pensar que os jovens ainda precisam de muita bagagem para opinar; o pessoal mais novo enxerga os mais experientes como antiquados.

Nesse sentido, as classifica��es X, Y, Z e tantas outras nomenclaturas usadas para definir os grupos por idade n�o existem � toa. A soci�loga e professora universit�ria Myriam Mastrella explica que separar a popula��o em gera��es � um crit�rio importante para entender a sociedade. Essa classifica��o � indispens�vel para otimizar a��es voltadas ao p�blico. “� muito �til para compara��es e para tra�ar previs�es. A juventude de 2021, por exemplo, ser� idosa daqui a quatro d�cadas, ent�o � preciso fazer um planejamento adequado.” Outras quest�es como engajamento pol�tico, participa��o em campanhas de vacina��o, a presen�a da mulher no mercado de trabalho e a socializa��o de crian�as t�m tudo a ver com gera��es e com comportamentos por idade.

A especialista destaca que a juventude transgressora dos anos 1950, influenciada pela cultura rock, � marcante em termos de gera��o. Com ela, inicia-se a identifica��o e separa��o dos grupos. “Foi a primeira gera��o que passou a vivenciar os pr�prios projetos, fazendo cr�ticas e mobilizando quest�es sociais importantes.” Nesse per�odo, come�aram a impor valores que n�o eram considerados moralmente certos. Logo depois, o movimento hippie questionou o porqu� de v�rias quest�es, sob a bandeira do “fa�a amor, n�o fa�a guerra”, o que solidificou o pensamento de mudan�a.

Segundo a soci�loga, uma gera��o � marcada pelo compartilhamento e repeti��o de valores. S� pela apar�ncia, em termos visuais, as gera��es se encontram e se identificam. Uma nova gera��o vem com uma nova proposta de comunidade. E, desde os anos 2000, especialmente, v�m se observando uma pluralidade de valores. “Tem de tudo: jovens defensores daquilo que aprenderam com os pais e os av�s, mas tamb�m uma gera��o questionadora, com cada vez mais jovens abertos a pr�ticas muito diferentes para os mais velhos, como o veganismo, que � algo que mobiliza em termos de valores”, ressalta.

Maquiagem, unhas coloridas, especialmente azul e verde, camisetas e cal�as mais largas — a exemplo da wide leg, em alta — e v�deos no Tik Tok e no Youtube fazem parte do dia a dia de Maria Lu�sa Bernardes, de 14 anos. A m�e, Lu�se Bernardes, 41, administradora, brinca que d� at� briga quando elas saem para comprar roupas. “Para mim, as camisetas que a Maria Lu�sa escolhe parecem vestidos de t�o compridas, mas ela prefere os looks atualizados.” Lu�se costuma ser mais b�sica: blusa lisa, cal�a skinny e unhas, no m�ximo, vermelhas. O visual, claro, n�o escapa das cr�ticas da filha.

Apesar de serem superparceiras, n�o h� consenso sobre fazer alguns programas juntas. Lu�se se exercita pela manh� e n�o costuma contar com a companhia da filha, que n�o � f� de atividade f�sica como a que a m�e faz. O momento de assistir televis�o � outro que exige negocia��o porque Maria Lu�sa adora s�ries, mas Lu�se, nem tanto. A m�e admite que tamb�m n�o tem muita paci�ncia para memes, nem v�deos de internet, que a filha faz e acompanha. “Gosto de me ocupar com outras atividades. Coisas de telefone n�o costumam me entreter, por mais que ela me convide”, conta.

Prova disso � que Lu�se demorou a usar as figurinhas do WhatsApp. As dan�as do momento, que ela tenta reproduzir, j� foram motivo de risada dos filhos. Mas, com a ajuda de Maria Lu�sa, o uso dos stickers e tamb�m navegar pelo Instagram vem ficando mais f�cil. Al�m disso, algumas atitudes do dia a dia s�o tidas como inadequadas para uma e para outra. “Se estou com uma amiga, minha m�e costuma chegar e se enturmar, querendo ser amiga tamb�m. � engra�ado”, diz a mais nova.

Do outro lado, Lu�se repreende algumas atividades estimuladas pelos aplicativos, como o Tik Tok. “Ensina de tudo”, diz Lu�se sobre a plataforma que j� levou Maria Lu�sa a passar produtos no rosto que causaram rea��o e at� alergia. “Da �ltima vez, ela cismou em mexer na sobrancelha e acabou n�o ficando muito bom”, lembra Lu�se.

Como se pode imaginar, Lu�se sofreu em casa por ser considerada cringe pela mais nova. “Fiquei sem entender muito bem. A� meus filhos falavam ‘cringe’ � exatamente isso que voc� est� fazendo agora. Fui pesquisar e entendi que eu era cafona’”, conta. O estilo e os hobbies se enquadram nos crit�rios impostos pela internet.

A lista � longa: tomar caf� da manh�, beber caf�, usar cal�a skinny, sapatilha (principalmente se for de bico redondo), falar em pagar boletos e gostar de algumas s�ries e filmes, entre eles, o seriado Friends e a franquia Harry Potter. A brincadeira partiu de um tweet da criadora de conte�do Carol Rocha, 33 anos, que perguntava o que a Gera��o Z achava cringe nos millennials. V�rios testes se popularizaram para ver o qu�o cringe algu�m era.


O termo “cringe”


A historiadora e professora de ingl�s Carmem Camargo explica que, em ingl�s, cringe � um verbo usado para descrever uma sensa��o extrema de vergonha ou at� nojo, “pode ser compar�vel � ideia de sentir vergonha alheia”, aponta. No entanto, o uso recente da palavra no Brasil vem sendo de adjetivo. Cringe caracteriza coisas e h�bitos considerados vergonhosos ou ultrapassados. Em ingl�s, adjetivos correspondentes seriam: cringe-inducing ou cringeworthy.

Como professora, Carmem vem observando o uso da palavra entre alunos adolescentes, mas acredita que ela deve ser cada vez menos usada pelos jovens: “afinal, quando as pessoas cringe passam a usar a palavra cringe � sinal de que o c�digo perdeu seu segredo”, brinca.

A especialista entende que o uso da palavra vem em um momento em que os millennials est�o aceitando que est�o ficando mais velhos, mas devem se mostrar abertos a dialogar com a gera��o Z, posterior a eles. Carmem pondera que, ao longo do s�culo 20, adolescentes e jovens foram usados para criar p�nico sobre o futuro. “Frases como ‘onde o mundo vai parar quando esses irrespons�veis crescerem?’ E, sinceramente, penso que n�o devemos repetir esse discurso, o di�logo � positivo”, reflete.


As gera��es mais recentes

  • Tradicionalistas — S�o os nascidos antes de 1946. Entendidas como pessoas que casaram cedo e se mantinham na mesma rela��o por toda uma vida. Os projetos eram casar, ter filhos, conquistar a casa pr�pria e se aposentar ap�s longos anos de trabalho, onde costumavam permanecer por muito tempo na mesma fun��o ou empresa.

  • Baby Boomers (1946-1964) — Nascidos logo ap�s a Segunda Guerra Mundial. O “boom” se refere ao aumento de nascimentos na �poca. � uma gera��o conhecida pela avers�o �s guerras. S�o vistos como leais �s empresas em que trabalhavam, permanecendo por longos anos e com foco na carreira. N�o tem familiaridade natural com o computador nem com a internet.

  • Gera��o X (1965-1980) — Gera��o que viveu incertezas decorrentes das crises econ�micas e da realidade de sociedades mais restritivas. Valorizam o trabalho, mas buscam cuidar, tamb�m, do lado pessoal.

  • Gera��o Y ou millennials (1981-in�cio dos anos 2000) — Considerada uma gera��o bem informada. Vive a chegada da internet, interage com as novas tecnologias e mostra habilidades para desenvolver multitarefas. Os integrantes deste grupo s�o pr�ximos aos pais, tendem a morar mais tempo com eles. � um grupo marcado pela dificuldade financeira e de emprego. Ao contr�rio da Gera��o X, mostra menos foco na hierarquia de posi��es nas empresas e � poss�vel observar que troca mais os locais de trabalho do que as gera��es anteriores.

  • Gera��o Z (ap�s os anos 2000-2010) — Nasceram, em grande maioria, com grande est�mulo da tecnologia. � a gera��o do on-line. O interesse em jogos virtuais, m�sicas e comunica��o a dist�ncia pode tornar dif�cil lidar com situa��es sociais e de se expressar.


Conflito natural

A psic�loga Maria Cristina Hoffmann, especialista em sa�de da pessoa idosa e envelhecimento, pontua que questionar as gera��es anteriores e posteriores faz parte do desenvolvimento humano. Desde que haja respeito, esse olhar cr�tico � normal. Segundo a especialista, contestar valores e comportamentos vem da necessidade de se mostrar diferente daqueles que s�o refer�ncia para si e da vontade de se impor individualmente. “Faz parte do nosso amadurecimento. Avaliamos o que desejamos seguir e o que n�o aceitaremos. Assim, escrevemos nossa pr�pria hist�ria”, explica.

Pessoas da mesma gera��o vivenciam situa��es sociais e padr�es em comum, o que marca o senso de identidade coletiva que os une. O avan�o tecnol�gico, inclusive, vem reduzindo o tempo de uma gera��o para a outra. De acordo com a psic�loga, atualmente, a estimativa � de que mais ou menos 15 anos separem um grupo do outro.

A especialista explica que a pol�mica do cringe se iniciou entre gera��es relativamente jovens, se comparadas �s anteriores. “� uma pol�mica que surge sob grande influ�ncia da internet e, mais que isso, parece estar relacionada � defini��o do comando pelo espa�o web.” Mas, no ponto de vista dela, �, na verdade, uma discuss�o v�lida para todas as gera��es.

Sobretudo, esse embate parece chamar a aten��o para a import�ncia de cuidar da conviv�ncia, da toler�ncia e da aceita��o das diferen�as para a constru��o de uma sociedade melhor: mais humana e inclusiva. “Em todas as fases voc� sempre ser� mais ou menos cringe, dependendo da gera��o com a qual est� se relacionando”, explica.


Cringe, eu?

Rafaella Carreiro, de 36 anos, n�o fazia ideia do que se tratava o termo cringe, de in�cio. “At� ent�o, eu achava que usar cal�a skinny, pagar boletos, colocar o cabelo de lado e tomar caf� da manh� eram coisas supernaturais e que faziam parte do dia a dia de quase todo mundo.” Quando a auxiliar administrativa entendeu o contexto, ficou surpresa porque 80% do que fazia poderia ser considerado cringe.

O estilo, o gosto musical e os h�bitos s�o supercompat�veis com a gera��o Y, a dos millennials. Mas isso n�o � motivo de vergonha para Rafaella, mesmo diante da confus�o da internet. Ela acredita que essa compara��o sempre existiu e sempre ocorrer�. “O cringe � o que a gente achava que era cafona dos nossos av�s e pais. Daqui a alguns anos, penso que o meu filho tamb�m ter� esse tipo de comparativo com a gera��o atual”, comenta. O filho de Rafaella nasceu em 2020 — h� especialistas que o considerem como da recente gera��o Alfa, nascidos a partir de 2010.

Apesar de as redes sociais indicarem que Rafaella � cringe, antes, ela acreditava que estava acompanhando muito da gera��o atual, porque se identificava com v�rios aspectos. Esse sentimento, na verdade, � muito comum entre as gera��es. As especialistas ressaltam que as classifica��es cronol�gicas e acontecimentos hist�ricos marcantes, de fato, unem grupos, mas n�o os isolam. Por isso, uma pessoa tamb�m pode se identificar com os gostos e valores de outras gera��es.


Mentes diferentes no trabalho

Antônio Côrtes (tio-avô), Afonso Côrtes (avô) e Arthur Diniz (neto). Eles trabalham juntos na fazenda da família(foto: Arquivo Pessoal)
Ant�nio C�rtes (tio-av�), Afonso C�rtes (av�) e Arthur Diniz (neto). Eles trabalham juntos na fazenda da fam�lia (foto: Arquivo Pessoal)

Arthur Diniz, de 19 anos, e o av�, Afonso C�rtes, de 83 anos, compartilham a paix�o pela terra. Os dois sempre tiveram uma rela��o muito pr�xima. Arthur costumava andar atr�s do av� pelas terras da fazenda da fam�lia, com apego diferente, o que fortaleceu o v�nculo entre os dois. A diferen�a de idade n�o impede as boas conversas desde sempre.

“As m�sicas sertanejas que ou�o, meu av� que influenciou. O que mais gosto de fazer no dia a dia tamb�m aprendi com ele. Ele me ensinou a andar a cavalo, dirigir carro e trator”, conta o mais novo. Os dois est�o sempre trocando informa��es. Afonso n�o tem vergonha de perguntar quando tem alguma d�vida em rela��o � tecnologia, principalmente no manuseio de uma m�quina nova, o que o neto avalia como uma qualidade.

O que acontece � que o jeito de fazer as coisas �, �s vezes, questionado pelo mais velho. Quando pensamos no ambiente de trabalho, inclusive corporativo, � normal pensar nos mais velhos como mais conservadores. Os mais novos, aceitam melhor a diversidade e expandem o modo de executar as tarefas apoiados pelas novas tecnologias.

Hoje, Afonso n�o trabalha mais diretamente na terra. Ocupa um cargo administrativo, cuidando das aplica��es da propriedade e organizando as fun��es dos funcion�rios, e deixa as atividades de campo para o neto. Nisso, algumas diferen�as transparecem. “Quando temos propostas mais modernas para alguma atividade, ele n�o se contenta at� provarmos o resultado e ele perceber.” Apesar de apegado ao modo tradicional de fazer as coisas, Afonso consegue se abrir � mudan�a e � convencido.


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