A eleva��o nas concess�es destinadas a cidad�os comuns foi notada em todos os Estados. O crescimento desse tipo de registro mais que dobrou em nove Estados. Os dados foram obtidos junto � PF pela ag�ncia Fiquem Sabendo, especializada no acesso a informa��es p�blicas.
Em n�meros absolutos, Minas (10.916), Rio Grande do Sul (8.499) e Santa Catarina (6.460) lideram as licen�as no primeiro semestre. Em termos proporcionais � popula��o, Rond�nia (16,9 novas armas por 10 mil habitantes), Mato Grosso (15,8) e Acre (12,8) est�o na frente.
Os n�meros dizem respeito a armas concedidas na categoria "cidad�o", que representa civis que buscam a autoriza��o para arma pr�pria, geralmente com intuito de defesa pessoal. Armas concedidas a �rg�os de seguran�a p�blica ou ao Judici�rio s�o contabilizadas em outras categorias pela PF.
Para Nat�lia Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, um dos motivos � a flexibiliza��o por meio de portarias e decretos que facilitam o acesso. Desde o in�cio da gest�o Bolsonaro, s�o 31 altera��es de normas, diz estudo do Sou da Paz.
Antes, quem quisesse ter arma tinha de apresentar documenta��o comprovando que a sua justificativa era verdadeira. Por exemplo: um indiv�duo, que tem um com�rcio que j� foi assaltado tr�s vezes, teria de apresentar todos os boletins de ocorr�ncia feitos e comprovar que as a��es de prote��o da pol�cia foram insuficientes para fazer cessar os roubos.
Agora, por outro lado, a forma de comprovar "necessidade efetiva" para a posse de arma mudou. Decreto de junho de 2019 diz que a PF presume "a veracidade dos fatos e circunst�ncias afirmadas na declara��o de efetiva necessidade" entregue pelo cidad�o. Nesse caso, basta a declara��o detalhando a raz�o da necessidade da arma para entrar com o pedido.
"Na pr�tica, a Pol�cia Federal tem efetivo muito insuficiente para processar todas essas solicita��es por m�s e n�o vai fazer uma investiga��o detalhada de cada caso", diz Nat�lia. "Essas justificativas foram esvaziadas e quando isso acontece, esvazia o entendimento que arma � um produto controlado."
Al�m da flexibiliza��o das regras, Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, aponta outros motivos para a alta: "As pessoas acham que est�o mais seguras se estiverem armadas e, al�m disso, h� um governo que vende essa ilus�o." As consequ�ncias desse aumento j� s�o conhecidas, diz ele: "Quanto mais armas de fogo tem em uma popula��o, maior � o n�mero de homic�dios, de suic�dios e de acidentes."
Divulgado este m�s, o Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica apontou aumento de armas de fogo no Pa�s como uma das explica��es para a escalada de mortes violentas. Houve ainda mais armas de fogo em assassinatos registrados: 78% deles tiveram uso do instrumento. Em 2019, foram 72,5%.
A eleva��o tamb�m reacendeu o debate sobre fragilidades no controle da circula��o de armas, com maior risco de desvio para o crime organizado e roubo de arsenais particulares legalizados. "Ao mesmo tempo em que est� multiplicando o n�mero de novas armas, as ferramentas de fiscaliza��o e controle de circula��o est�o sendo precarizadas, ao inv�s de serem melhoradas", argumenta Nat�lia. "As fronteiras s�o porosas e j� h� dificuldade gigantesca de fazer controle no Pa�s. Quanto mais desregulamenta, mais vai ter esse problema", diz Alcadipani.
Pr�-arma
O diretor legislativo da Federa��o Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais, coronel Elias Miler da Silva, n�o v� elo entre compra maior de armas e mais crimes. "Estou amea�ado, vou na pol�cia. Preencho os requisitos, quero uma arma. Se o Estado n�o me d�, tem de proteger. Se n�o me proteger, tem de indenizar a minha fam�lia e a mim", defende. "A pessoa tendo preparo psicol�gico e t�cnico, a arma � grande instrumento de defesa", conclui. Ele defende crit�rios mais r�gidos para o porte (quando a pessoa pode carregar a arma com ela, fora de casa).
J� o coordenador da Frente Parlamentar Armamentista, deputado Loester Trutis (PSLMS) diz n�o haver "arma legal usada em crime".
A posi��o se choca com estudos da �rea. An�lise do Sou da Paz em 2018 sobre armas apreendidas no Nordeste mostrou perfil prioritariamente de origem brasileira, indicando rela��o entre mercados legal e ilegal, por desvios ou roubos. A constata��o foi ao encontro de diagn�sticos anteriores que chegaram a conclus�es similares. Procurados pelo Estad�o, o Pal�cio do Planalto e o Minist�rio da Justi�a e Seguran�a P�blica n�o responderam.
Especialistas pedem cautela
Se sentir mais segura foi o motivo que fez a advogada Tha�s Sousa, de 27 anos, tomar a decis�o de comprar uma arma de fogo este ano. Ap�s receber amea�as vinculadas � sua pr�tica profissional, sentiu a necessidade de ir a um clube de tiro e iniciar o treinamento para uso do instrumento. "Por mais que a gente fale da tutela do Estado, sabe que efetivamente n�o consegue se sentir 100% protegido", diz.
Goi�s, onde vive Thais, ocupou o p�dio de novos registros na categoria em 2014, 2015, 2016 e 2018. Neste ano, 3,4 mil novas armas foram adquiridas por cidad�os at� agora.
A advogada iniciou o pedido de posse - autoriza��o para ter arma em casa - em maio, um m�s ap�s a publica��o de quatro decretos que facilitam o acesso. Enquanto aguarda o processo, faz treinos semanais para manusear a arma. "N�o adianta s� ter licen�a, � necess�rio tamb�m passar por uma pr�tica habitual, fazer aulas e sentir se realmente est� preparado para adquirir a arma de fogo", conta.
Aos poucos, ainda tenta convencer os pais da ideia, j� que moram juntos. Diz precisar do instrumento para proteger a fam�lia, mas que s� ela ter� acesso, enquanto os parentes n�o fizerem o treinamento. Ela diz que a lei precisa ser mais clara quanto ao treinamento cont�nuo e � justificativa para compra. "Um erro � o cidad�o civil achar que por ter arma em sua resid�ncia, no local de trabalho, n�o precisa do treinamento."
O decreto exige que, para um pedido de posse, � preciso ter 25 anos completos, n�o constar em inqu�rito policial, n�o ter antecedentes criminais, comprovar capacidade t�cnica para manuseio, aptid�o psicol�gica, declarar que tem lugar seguro para armazenar, al�m da comprova��o da necessidade efetiva.
Thais acredita que muitas mulheres seguem este caminho para se sentirem mais seguras. "Se a gente autorizar um cidad�o civil a ter a posse de arma, um meliante vai pensar duas vezes antes de entrar na sua resid�ncia".
O que especialistas apontam, em oposi��o a essa tese, � que a maior presen�a de armas de fogo potencializa desfechos violentos e fatais em disputas banais, como briga de tr�nsito, ou agress�o dom�stica. Em casos de assaltos, dizem os analistas, a presen�a da arma tende a escalar o confronto, com maior risco de morte para os envolvidos.