
Avistar fam�lias inteiras vivendo nas ruas de S�o Paulo se torna cada vez mais comum e essa percep��o se reflete no fluxo de acolhidas em abrigos. Em um ano, o total de pessoas atendidas pelos centros da Prefeitura para fam�lias cresceu 70%, acelerado pelo desemprego e despejos. Em maio de 2020, em m�dia, ao menos 204 pessoas por dia eram atendidas pelos Centros de Acolhimento Especial (CAEs) para fam�lias. Em maio de 2021, foi para 348 (adultos e crian�as), conforme a Secretaria Municipal de Assist�ncia Social.
A cidade tem 864 vagas especiais para fam�lias, em oito unidades. A demanda por abrigo � ainda maior no inverno - na �ltima ter�a, a capital registrou - 2,3°C no extremo sul, recorde em 17 anos. H� ainda unidades exclusivas para m�es e beb�s, que tiveram alta de 58% - ante alta de 11% dos acolhimentos em geral.
H� cerca de um m�s, Santos conseguiu trabalho em um dep�sito, perto do CAE onde tem ficado, no centro. Todo dia, pela manh�, leva o beb� para a creche, a poucas quadras do endere�o. "Meu filho sai �s quatro horas da tarde, dificilmente a m�e dele vai conseguir emprego que sai �s quatro para buscar ele."
O desemprego tamb�m preocupa Ana (nome fict�cio), que mora no mesmo centro com a filha e dois netos. Rec�m-chegada do interior de Minas, ela tem dificuldades para a recoloca��o. "Aqui em S�o Paulo tem muito preconceito. Se voc� mora em abrigo, n�o te d�o emprego", relata. "� sempre melhor ter sua pr�pria casa. Mas entre morar na rua, aqui � melhor. Tem muita gente que n�o d� valor. Tem o quarto e o banheiro da gente, a televis�o." Nos abrigos especiais, � poss�vel ficar por per�odo mais amplo e usar o espa�o para refei��es.
Trabalho
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), os trabalhadores desocupados no Pa�s j� somam 14,7 milh�es e mais quase 6 milh�es s�o desalentados - desistiram de procurar vaga.
A busca di�ria por sustento faz parte da rotina de Andr� de Oliveira, de 35 anos. Junto aos filhos, Arthur, de quatro anos, e Denise, de dois, o antigo pedreiro mora h� cinco meses em um CAE no centro. "Todo dia levo para escola e depois procuro algo pra fazer, um bico. Se n�o arrumo, tento pegar latinha ou papel�o", conta. "De vez em quando encontro, mas tem dia que n�o. Ontem, era para trabalhar com um rapaz aqui perto de ajudante, mas n�o deu. Tinha de pegar eles de tarde na escola", conta.
Segundo Oliveira, a ex-mulher � quem recebe o aux�lio emergencial. "Ela tira para comprar drogas e largou a gente j� tem quase um ano." Do Jaguar�, zona oeste da capital, a fam�lia n�o conseguiu pagar o aluguel e o encaminhamento ao abrigo foi por meio de assistentes sociais acionados pela escola da filha. "Expliquei a situa��o e perguntaram se eu queria ficar em um abrigo. Disse: 'se meus filhos puderem ficar, fico. Sen�o, eu n�o fico.'"
No 1º trimestre de 2021, segundo dados do Tribunal de Justi�a paulista, as a��es de despejo no Estado aumentaram 79%. Congresso e Assembleia aprovaram leis com veto tempor�rio a despejos, mas ainda falta a san��o dos Executivos. O economista Sergio Firpo, do Insper, diz que a ideia pode ser boa, mas vem com atraso. "Ser� uma medida de f�lego curto e que vem tardiamente."
Perfil
Homens adultos e sozinhos predominavam entre os moradores de rua no �ltimo censo, de 2019. Eram 24.344 pessoas nas ruas de S�o Paulo. O pr�ximo censo seria s� em 2023, mas foi adiantado para este ano. Ser�o feitas duas pesquisas, uma de crian�as e adolescentes e outra de adultos. "A percep��o que temos hoje andando pela cidade � de que existe um n�mero maior de fam�lias na rua. Que, muito provavelmente, perderam suas resid�ncias, deixaram de conseguir pagar o aluguel. A gente notou isso j� no 2º semestre do ano passado", disse a secret�ria municipal de Assist�ncia e Desenvolvimento Social de S�o Paulo, Berenice Giannella, ao Estad�o.
Coordenador do Movimento Nacional da Popula��o de Rua, Darcy Costa tamb�m v� essa alta. "O governo n�o subsidia o suficiente e n�o tem pol�ticas em escala de acolhimento, aluguel social e habita��o."
A amplia��o dos CAEs para fam�lias est� no horizonte da Prefeitura. Em dezembro, o espa�o do antigo hotel Art-Pal�cio, na Rep�blica, foi transformado em um centro com 70 su�tes e capacidade para atender at� 260 pessoas. O mesmo ocorreu com o antigo hotel Natal, em Santa Cec�lia O espa�o agora acomoda at� 110 pessoas em 55 su�tes. A previs�o � de novos lan�amentos em breve. Hoje, os oitos CAEs est�o na regi�o central e nas Subprefeituras da Mooca, Ermelino Matarazzo, Penha (na zona leste) e Santana (norte).
Segundo o padre Julio Lancelloti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, nem sempre � f�cil para fam�lias serem acolhidas nos centros especiais. "Eu estava com uma fam�lia agora, com quatro crian�as, uma de um m�s. Tive de pressionar muito a Prefeitura para conseguir", disse, na semana passada. "Se tem tanto lugar sobrando, em algum lugar fica esse gargalo."
Para ele, � necess�rio preservar a autonomia das fam�lias. "Eles cozinham. E v�o para um lugar onde algu�m faz comida para eles", exemplifica. "Eles t�m de organizar o pr�prio espa�o. No entanto, esses lugares institucionais t�m o pessoal que faz limpeza. Voc� n�o cria autonomia, a pessoa n�o tem responsabilidade. � tirada dela a possibilidade de ser a construtora da vida dela."
Em nota, a Prefeitura disse que as regras dos servi�os de acolhimento s�o decididas em assembleias na presen�a dos pr�prios conviventes. "Hor�rios de alimenta��o, uso das salas de TV e inform�tica e os banhos ficam definidos para que se mantenha a ordem e a boa conviv�ncia no local." Ainda conforme o Munic�pio, os acolhidos assinam termo em que se comprometem a respeitar os funcion�rios e vizinhos. Em caso de descumprimento, pode haver restri��es de uso do espa�o.
Fora dos abrigos, tamb�m se v� o drama das fam�lias sem-teto. Quase todo dia, Ana Paula da Silva, de 36 anos, vai com os filhos Renata Vit�ria, de nove anos, e Santiago Luiz, de um, a uma quadra no Glic�rio, onde a Associa��o Rede Rua entrega marmitas na hora do almo�o. "Pego tr�s. O beb� quase n�o come, ent�o a gente guarda o resto dele e come na janta", conta. "Venho pegar marmita porque � uma ajuda boa. E tem mistura, porque sen�o a gente n�o come um peda�o de carne."
Desempregada, sonha em comprar uma carro�a para melhorar a renda. "Trabalho na rua, cato latinha, ferro, tudo que achar, vou pegando para poder complementar a renda." Em situa��o de rua h� sete anos, ela j� morou na Pra�a da S�, agora, vive em uma ocupa��o na regi�o. "Cada um tem seu cantinho, pega uma madeira e coloca. � igual � rua, a diferen�a � que tem teto." As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.