
S�o falsas as informa��es veiculadas em um v�deo no YouTube, insinuando que as urnas eletr�nicas usadas nas elei��es brasileiras s�o f�ceis de serem fraudadas por meio de altera��es no c�digo-fonte. Na filmagem, o autor se apresenta como desenvolvedor de sistemas operacionais e mostra o que seria uma simula��o computadorizada da urna.
No entanto, de acordo com o pr�prio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e um especialista em tecnologia ouvido pelo Comprova, o programa que � utilizado no v�deo como simulador da urna eletr�nica � muito mais simples que o equipamento em si, que conta com in�meros dispositivos de seguran�a que impedem que ela funcione com um arquivo modificado.
Al�m disso, � falsa a informa��o de que tr�s venezuelanos e um portugu�s seriam os respons�veis pela elabora��o do c�digo-fonte das urnas eletr�nicas do Brasil. Essa responsabilidade � de apenas um grupo restrito de servidores p�blicos da Justi�a Eleitoral, no qual n�o h� estrangeiros.
Vale ressaltar que este v�deo foi originalmente postado por outro canal no Youtube, entre o primeiro e o segundo turno das elei��es de 2018. A p�gina que o publicou desta vez posta apenas conte�dos de cunho conservador e de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Comprova fez contato com o canal, mas n�o obteve retorno.
Como verificamos?
Para esclarecer quem s�o os respons�veis pela elabora��o do c�digo-fonte das urnas eletr�nicas usadas no Brasil, averiguar a possibilidade dele ser alterado e saber quais os mecanismos de seguran�a existentes, o Comprova acessou documentos elaborados e publicados no site oficial do Tribunal Superior Eleitoral, incluindo uma nota de esclarecimento sobre o v�deo verificado.
Al�m disso, a equipe tamb�m entrevistou Paulo L�cio de Geus, professor do Instituto de Computa��o e diretor de inform�tica (CIO) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que tamb�m � representante da Sociedade Brasileira de Computa��o nos testes p�blicos de seguran�a do sistema eletr�nico de vota��o do TSE. Ele detalhou o que seria necess�rio para alterar o c�digo-fonte e como o trabalho seria complexo.
J� para explicar qual a origem da falsa informa��o de que tr�s venezuelanos e um portugu�s estariam por tr�s da elabora��o do c�digo-fonte das urnas eletr�nicas, foi feita inicialmente uma pesquisa no Google com essa associa��o de palavras que resultou em diversas verifica��es realizadas h� dois anos. Em busca reversa no Google Images, com um frame do v�deo, o Comprova tamb�m chegou � publica��o original, de 2018.
Verifica��o
TSE � o respons�vel pelo c�digo-fonte das urnas
Conforme indica o pr�prio Tribunal Superior Eleitoral, respons�vel pelas elei��es, as urnas brasileiras t�m c�digo-fonte. De acordo com o �rg�o, “somente um grupo restrito de servidores e de colaboradores do Tribunal Superior Eleitoral tem acesso ao reposit�rio de c�digo-fonte e est� autorizado a fazer modifica��es no software (…) que � o mesmo em todo o Brasil”.
No documento Sistema Eletr�nico de Vota��o: Perguntas Mais Frequentes, o TSE tamb�m esclarece que “a Justi�a Eleitoral utiliza ferramentas modernas de controle de vers�o do c�digo-fonte dos sistemas eleitorais” e que por meio delas “� poss�vel acompanhar toda modifica��o feita sobre o c�digo-fonte, o que foi modificado e por quem”.
Outro mecanismo de seguran�a se d� com a segrega��o dentro do Tribunal. “A equipe respons�vel pelo software da urna n�o � a mesma que cuida do sistema de totaliza��o”, exemplifica. “A quantidade de sistema eleitorais envolvidos na realiza��o de uma elei��o � t�o grande que se torna impratic�vel a um agente interno ter grau de conhecimento do todo que lhe permita realizar algum tipo de ataque”, garante.
Em uma nota de esclarecimento publicada no dia 17 de novembro de 2020 sobre as falsas informa��es veiculadas pelo v�deo em quest�o, o TSE ainda afirma que na filmagem “� exposta, de forma did�tica, uma maneira de se fazer uma urna usando um kit simples, como � o caso de placas com processador Arduino (plataforma de prototipagem)” e que “uma urna eletr�nica n�o � t�o simples”.
Sem estrangeiros
Diferentemente do que afirma o autor do v�deo, o c�digo-fonte utilizado nas urnas eletr�nicas das elei��es brasileiras n�o � elaborado por “tr�s venezuelanos e um portugu�s, pessoas que n�o t�m obriga��o nenhuma com a pol�tica brasileira”. Essa responsabilidade, na verdade, � exclusiva do pr�prio TSE, que garantiu ao Comprova que “n�o h� estrageiro na equipe, formada por servidores p�blicos da Justi�a Eleitoral”.
A informa��o falsa tem origem prov�vel em outro v�deo, que circulou na internet em 2018, ano de Elei��es Gerais. Na �poca, esse conte�do foi verificado por diversos ve�culos de comunica��o como UOL Confere, Ag�ncia Lupa, Boatos.org e Aos Fatos. Em todos, ele foi classificado como falso, distorcido ou boato.
A afirma��o distorcia uma fala do ent�o professor Pedro Ant�nio Dourado de Rezende, que atuava no Departamento de Ci�ncia da Computa��o da Universidade de Bras�lia (UnB) at� 2019. Durante uma audi�ncia p�blica na Comiss�o de Constitui��o e Justi�a (CCJ), ele criticou o resultado do edital nº 106 de 2017, que visava a contrata��o de m�dulos impressores para as urnas.
Na ocasi�o, em meio �s cr�ticas, o professor afirmou que a empresa vencedora da licita��o “pertencia a tr�s venezuelanos e um portugu�s”. Embora tenha venezuelanos entre os fundadores, a empresa Smarmatic � estadunidense e acabou desclassificada ap�s uma an�lise t�cnica do TSE, que chegou a emitir uma nota na qual esclareceu nunca ter entregue o c�digo-fonte da urna eletr�nica para qualquer empresa privada, nacional ou estrangeira.
Vale lembrar que em junho de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a regra da chamada Minirreforma eleitoral que previa a impress�o do voto eletr�nico. O plen�rio entendeu o dispositivo como inconstitucional por colocar em risco “o sigilo e a liberdade do voto, contrariando a Constitui��o Federal”. Neste ano, uma decis�o un�nime reafirmou o posicionamento.
O parecer do �ltimo m�s de setembro, ali�s, foi distorcido por um tu�te que dizia que o voto impresso era inconstitucional. O que, por sua vez, foi verificado pelo Comprova e classificado como enganoso. Recentemente, outra verifica��o tamb�m mostrou ser falsa a informa��o de que a empresa Smarmatic, que forneceu urnas eletr�nicas para a Venezuela, tinha vendido os equipamentos ao Brasil.
Os mecanismos de seguran�a das urnas
Ainda de acordo com a nota de esclarecimento do TSE, cada urna � identificada de forma �nica e protegida contra tentativas de invas�o que, se forem tentadas, ser�o evidenciadas. Para a identifica��o s�o gerados par�metros criptogr�ficos ainda na fabrica��o, que nunca s�o expostos. Como essa identidade � conferida antes e depois da vota��o, se a urna n�o for exatamente aquela que foi carregada, h� meios para que ela n�o seja considerada v�lida.
O TSE tamb�m explica que as urnas eletr�nicas t�m firmwares – classifica��es de softwares – que iniciam operacionalmente a urna e softwares b�sicos que carregam o sistema operacional. Por�m, de forma diferente dos computadores comuns, cada urna conta com uma “cadeia de confian�a” que verifica a autenticidade e a integridade de cada componente. Ou seja, impede que softwares alheios � Justi�a Eleitoral sejam carregados e executados na urna.
Al�m disso, “os c�digos-fonte dos softwares e dos firmwares s�o abertos � consulta durante seis meses antes das elei��es, para qualquer pessoa que queria encontrar algum mecanismo malicioso e comunicar sua exist�ncia � Justi�a Eleitoral”, seja ele na gera��o de m�dias, na vota��o, na apura��o, na transmiss�o ou no recebimento de arquivos. � o chamado Teste P�blico de Seguran�a (TPS).
Para atestar a idoneidade do sistema e descartar a possibilidade de uma altera��o no per�odo entre a realiza��o desta consulta p�blica e o in�cio da vota��o, o TSE tamb�m realiza um procedimento que pode ser acompanhado pelos pr�prios eleitores, chamado de “cerim�nia de vota��o paralela”.
“Na v�spera da elei��o, em audi�ncia p�blica, s�o sorteadas urnas para verifica��o. Estas urnas, que j� estavam instaladas nos locais de vota��o, s�o conduzidas ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e substitu�das por outras, preparadas com o mesmo procedimento das originais. No dia da vota��o, em cerim�nia p�blica, �s urnas sorteadas s�o submetidas � vota��o nas mesmas condi��es em que ocorreria na se��o eleitoral, mas com registro, em paralelo, dos votos que s�o depositados na urna eletr�nica. Cada voto � registrado em uma c�dula de papel e, em seguida, replicado na urna eletr�nica. Tudo � registrado em v�deo. Ao final do dia, no mesmo hor�rio em que se encerra a vota��o, s�o feitas a apura��o das c�dulas de papel e a compara��o do resultado com o boletim da urna”, explica o TSE.
Desde a implementa��o das urnas eletr�nicas nas elei��es brasileiras, em 1996, o TSE garante que foram frequentes os casos de suspeita de fraude, mas que “nenhum caso at� hoje foi identificado e comprovado”. A conclus�o de que a urna � segura � tamb�m de outros �rg�os que t�m a prerrogativa de investigar o processo eleitoral brasileiro e j� realizaram auditorias independentes na urna eletr�nica, como o Minist�rio P�blico e a Pol�cia Federal”.
Especialista: “urna n�o roda com bit modificado”
O Projeto Comprova consultou o professor do Instituto de Computa��o e CIO da Universidade Estadual de Campinas, Paulo L�cio de Geus, que esclarece n�o ser poss�vel programar votos como mostra o v�deo. Segundo o especialista, as imagens foram usadas para enganar pessoas que n�o entendem de computa��o por meio de um programa de demonstra��o, mas que n�o t�m rela��o com o sistema do TSE, exceto a apar�ncia do painel.
O autor do v�deo afirma que o Linux, um dos sistemas operacionais mais conhecidos no mundo, � o mesmo usado pelo TSE. Entretanto, Paulo L�cio, que tamb�m � representante da Sociedade Brasileira de Computa��o nos testes p�blicos de seguran�a do sistema eletr�nico de vota��o do Tribunal Superior Eleitoral, nega a informa��o e comenta que mesmo com a efici�ncia desta tecnologia, ela apresenta vulnerabilidades que poderiam comprometer seu uso nas urnas, n�o fossem outros mecanismos.
“A urna s� roda programas criados dentro do TSE, gra�as a um dispositivo de hardware chamado de HSM (hardware security module), embutido em todas as urnas. A criptografia garante que s� os programas criados l� – assinados com a chave privada que fica trancada na sala forte do Tribunal – sejam aceitos para execu��o”. O especialista aponta que, mesmo que nenhum sistema computacional seja 100% seguro, criar um procedimento interno reduz a possibilidade de altera��o dos votos das urnas no Brasil. “A urna sequer roda se tiver qualquer um de seus arquivos modificados por um bit sequer (a menor unidade de informa��o, dentre gigabytes de c�digo)”, garante.
No v�deo, o autor tamb�m sugere que seria poss�vel “driblar” a auditoria – uma verifica��o dos arquivos de programas presentes nas urnas – com o c�digo j� alterado, mas Paulo explica que a auditoria, por si s�, n�o garante seguran�a � urna, sendo essencial tamb�m para a confiabilidade do sistema, a arquitetura interna dos sistemas de software e hardware.
E, diferentemente da simplicidade sugerida pelo v�deo, alterar o c�digo para comandar uma fraude nas elei��es exige alta complexidade. “Para se ter alguma chance de alterar a contagem de votos � necess�ria uma quantidade de recursos de todos os tipos muito grande, especialmente de tempo. N�o � uma empreitada para amadores. Teria que ser algo feito por equipes especialistas que hoje s� se encontram em ex�rcitos de pa�ses l�deres mundiais. E n�o sei se teriam sucesso dentro do tempo de uma elei��o (um ano)”, afirma.
Vale lembrar que, de acordo com o TSE, “a urna eletr�nica n�o � vulner�vel a ataques externos”. “Ela � um equipamento que funciona de forma isolada. Ou seja, n�o possui nenhum mecanismo que possibilite sua conex�o a redes de computadores, como a internet. Al�m disso, n�o possui o hardware necess�rio para se conectar a uma rede ou mesmo a qualquer forma de conex�o com ou sem fio.”
V�deo de 2018 republicado
Apesar de ter sido publicado no dia 11 de novembro deste ano, exatamente quatro dias antes da elei��o, na qual os brasileiros votaram para prefeitos e vereadores, o v�deo “DEN�NCIA GRAVE! Veja como s�o feita as fraudes nas urnas eletr�nicas do Brasil” foi publicado originalmente em 16 de outubro de 2018, entre o primeiro e segundo turno das elei��es para presidente.
O pr�prio homem que aparece no v�deo – e se apresenta como Jeterson, desenvolvedor de sistemas – usa como exemplo a vota��o para presidente no simulador simplificado da urna eletr�nica e fala, por volta do minuto oito, que “as pessoas v�o ficar mais atentas no pr�ximo dia de votar, no dia 28”. Dia 28 de outubro foi a data do segundo turno das �ltimas elei��es de 2018.
Com o t�tulo “Explica��o simples da fraude das elei��es 2018”, ele tamb�m foi publicado no YouTube pelo canal de Ana Calheiros. Nele j� foram publicados dezenas de v�deos, mas o mais recente j� tem mais de dois anos. Entre os conte�dos, destacam-se outros que apontam supostas fraudes em elei��es ou que criticam membros do PT ou s�o favor�veis ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O perfil da p�gina
Criado em 20 de junho deste ano, o canal Gera��o Patriotas j� publicou 77 v�deos no YouTube. De forma geral, os conte�dos apoiam politicamente a direita, os militares e o presidente Bolsonaro, que j� afirmou ter havido fraudes nas elei��es brasileiras sem apresentar qualquer prova e se declara a favor da volta do voto impresso.
Conforme links nas descri��es dos v�deos, o Gera��o Patriotas tem grupos no WhatsApp e no Telegram; e perfis no Instagram e no Twitter, criados em setembro deste ano. H� ainda um grupo p�blico no Facebook que � descrito como “grupo de direita em apoio ao nosso governo conservador” e cita o lema de campanha de Bolsonaro: “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”. O �nico moderador e administrador da p�gina � Ivan Souza.
O Comprova entrou em contato com ele por meio de uma mensagem privada no Facebook e enviou outra no perfil do Instagram do Gera��o Patriotas, ambas enviadas na manh� do dia 19 de novembro. Por�m, at� o momento em que esta verifica��o foi publicada, a equipe n�o tinha recebido qualquer retorno.
Por que investigamos?
Na terceira fase, o Comprova verifica conte�dos duvidosos que estejam viralizando nas redes sociais e que trate de pol�ticas do governo federal, da pandemia ou das elei��es de 2020. At� a data de publica��o deste texto, o v�deo verificado tinha mais de 2.800 compartilhamentos apenas no YouTube.
Conte�dos falsos, como esse, colaboram para que as pessoas fiquem em d�vida sobre a seguran�a e a confiabilidade das urnas eletr�nicas utilizadas nas elei��es do Brasil h� mais de 20 anos, prejudicando o processo eleitoral e colocando em xeque um dos mecanismos mais importantes da nossa democracia.
Falso, para o Comprova, � qualquer conte�do inventado ou que tenha sofrido edi��es para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.