
"Eu fico muito feliz que est� acontecendo isso a� em Bras�lia", diz o m�sico Max Cavalera, atualmente na banda Soulfly e um dos fundadores do Sepultura, sobre a mobiliza��o que re�ne mais 6 mil ind�genas, de 170 povos, na capital brasileira.
"Tem que respeitar a cultura ind�gena, que est� aqui h� mais de 500 anos, mais velha do que todos n�s. Temos que fazer o poss�vel para evitar que isso acabe um dia, n�o s� a linguagem, mas os costumes, as dan�as, os sonhos. Isso � coisa muito maravilhosa e que a gente na sociedade �s vezes acaba esquecendo", afirma o m�sico.
A declara��o � dada num momento em que o ic�nico �lbum Roots do Sepultura, um dos mais influentes da hist�ria do heavy metal, com mais de 2 milh�es de c�pias vendidas, completa 25 anos. Lan�ado em 1996, o �lbum trouxe a faixa Its�ri ("ra�zes" em xavante), gravada em parceria com o povo ind�gena da aldeia Wedera, em Canarana, no Mato Grasso.
"Em 25 anos, as coisas mudaram", diz Paulo Cipass� Xavante, cacique que recebeu o Sepultura em sua aldeia em 1996. "Os problemas em rela��o � quest�o ind�gena eram os mesmos, mas a coisa era camuflada. Hoje, nesse governo, � uma coisa mais direta. N�o s� para o ind�gena — para o ind�gena � pior —, mas os direitos dos trabalhadores brasileiros est�o sendo desmontados devagar", opina o l�der xavante.

Ra�zes
O m�sico e o cacique lembram como foi a experi�ncia de gravar o �lbum que se tornaria hist�rico.
"Eu estava em casa, tinha tomado um vinho e estava assistindo um filme chamado Brincando nos Campos do Senhor , do H�ctor Babenco, quando me deu a ideia de gravar no meio do Brasil, com tribos brasileiros", conta Cavalera, hoje com 52 anos e morador de Phoenix, no Estado americano do Arizona.
Ele lembra que, a princ�pio, pensou em fazer a grava��o com os Kayap�, porque � �poca andava ouvindo um disco de cantos de guerra desse povo. Mas, com a ajuda da jornalista Angela Pappiani, do N�cleo de Cultura Ind�gena, ONG de Ailton Krenak, chegou aos xavantes de Canarana, no Mato Grasso.
"Eu falei para a Angela: 'Pega todo o material relacionado a eles [� banda Sepultura] e manda para n�s, que eu coloco no ar para o pessoal aqui'", lembra Cipass�, hoje com 53 anos. "Ela falou: 'Eles s�o iguais a voc�s: cabeludos, tatuados e o pessoal tem preconceito com eles'. Ela mandou os �lbuns e eu coloquei no ar no nosso conselho tradicional. O pessoal gostou e falou 'se eles sofrem preconceito igual a n�s, vamos fazer o trabalho'."
Segundo Max, a parte t�cnica da grava��o de Its�ri foi toda organizada por sua esposa Gl�ria Cavalera e por Angela Pappiani.
"Alugamos dois avi�es pequenos e o equipamento. Sab�amos que l� [na aldeia] n�o tinha energia el�trica, ent�o levamos um equipamento de grava��o de oito canais, port�til, com bateria", lembra Max.
"A �nica coisa que eu pedi para comunicar a eles � que eu sabia que o pessoal que toca esse estilo de m�sica [heavy metal] fuma e bebe muito. Ent�o pedi para eles n�o trazerem nada disso para fazermos um trabalho com respeito", diz o cacique xavante. "Eles aceitaram."
Max conta que, na chegada � aldeia, conheceu Cipass� e foi apresentado aos principais locais da aldeia — o local das refei��es, o das cerim�nias. A banda foi apresentada tamb�m aos ind�genas mais velhos da comunidade, sempre cercados de uma molecada, que "ficou doida" com os visitantes e seus cabelos longos e tatuagens, segundo Max.
"Uma das coisas mais legais da minha carreira inteira foi quando o Cipass� pediu para a gente tocar uma m�sica nossa para mostrar aos ind�genas qual era no nosso som. Tocamos a m�sica Kaiowas , do �lbum Chaos AD , que � uma instrumental bonita feita de viol�o e percuss�o. A gente tocou, com 300 ind�genas assistindo e eles pediram bis", recorda o m�sico.
"Esse foi um dos nossos registros mais legais e uma das vezes em que eu estava mais nervoso para tocar minha m�sica, em frente aos 300 ind�genas. Fiquei super nervoso tentando passar a imagem certa para eles, mas no fim eles adoraram."
Passados 25 anos e milh�es de c�pias vendidas depois, Max diz ainda ter orgulho do �lbum Roots . "A influ�ncia dele est� em todo lugar, a gente v� nas bandas novas, principalmente no Gojira, no �ltimo disco deles. Eu sou super orgulhoso", diz o cantor e guitarrista.
Membros da banda de death metal Gojira estiveram inclusive no acampamento dos ind�genas em Bras�lia, prestando solidariedade � luta dos povos origin�rios. "Estamos aqui para mostrar aos povos ind�genas que eles n�o est�o sozinhos", declarou o guitarrista Joe Duplantier.
Joe Duplantier, guitarrista e vocalista da banda Gojira, fez uma sauda��o a luta dos ind�genas diretamente do acampamento em Bras�lia, levando solidariedade da International Artist Solidarity (IAS) pic.twitter.com/gBcTMf8Hv7
— Esquerda Di�rio (@EsquerdaDiario) August 25, 2021A luta dos povos ind�genas contra o marco temporal
Os ind�genas est�o acampados em Bras�lia desde 22 de agosto, realizando a mobiliza��o nacional "Luta pela Vida", organizada pela Apib (Articula��o dos Povos Ind�genas do Brasil). O principal foco da mobiliza��o � o julgamento da tese do chamado "marco temporal" no STF, que pode definir o futuro das demarca��es de terras ind�genas no Brasil.
O marco temporal define que os ind�genas s� podem reivindicar a demarca��o de terras que j� eram ocupadas por eles antes da promulga��o da Constitui��o de 1988. A decis�o pode afetar mais de 300 processos de demarca��o de terras ind�genas que est�o em aberto no pa�s.
Os ind�genas tamb�m est�o em luta conta um projeto de lei da C�mara (PL 490, de 2017), que basicamente, imp�e a mesma tese do marco temporal, al�m de abrir as terras ind�genas para explora��o de projetos do agroneg�cio, de minera��o e empreendimentos de infraestrutura.
Assim como a faixa Its�ri do �lbum Roots apresentou a estrangeiros e brasileiros n�o ind�genas a for�a da m�sica Xavante, a mobiliza��o ind�gena em Bras�lia trouxe para um p�blico mais amplo o poder da can��o Guarani.
Um v�deo com ind�genas Guarani cantado a m�sica Nhanderu Tup� viralizou nas redes sociais, ajudando a sensibilizar as pessoas para a import�ncia da causa ind�gena.
V�deo emocionante do Alass Derivas (@derivajornalismo no Instagram).
Guaranis depois de sa�rem da Pra�a dos Tr�s Poderes, atravessando a Esplanada dos Minist�rios, terminam a caminhada em uma can��o maravilhosa.
Assistam!
pic.twitter.com/BUpgDTOcOX
O cacique Cipass� destaca a relev�ncia da m�sica para sensibilizar a opini�o p�blica, mas se queixa da solid�o dos povos ind�genas na luta pela preserva��o de suas terras, que ele diz ser de interesse de todos os brasileiros e do mundo. Ele tamb�m critica a pouca aten��o dada pela imprensa � mobiliza��o dos povos origin�rios contra o marco temporal.
"A luta pela quest�o da demarca��o n�o � s� para n�s [ind�genas], � para todo o povo brasileiro. Mas as pessoas n�o est�o nem a�, falta apoio da opini�o p�blica e da m�dia, que parece toda controlada pelos ruralistas e pelos empres�rios", diz o l�der xavante.
"Os ind�genas e os simpatizantes n�o ind�genas est�o fazendo de tudo para colocar as nossas lutas nas redes sociais, mas quem deveria fazer esse papel � a imprensa. Por isso estamos lutando: para sensibilizar, para conscientizar a opini�o p�blica, pois tendo apoio n�s ficaremos fortes e teremos condi��o de combater", afirma.
"Hoje a gente se sente solit�rio, sem apoio. Parece que os brasileiros n�o sabem que os territ�rios que est�o a� preservados na Amaz�nia prestam um servi�o ao mundo inteiro. As mudan�as clim�ticas est�o a� e isso � fruto do desmatamento, da atividade do homem, a nossa luta � contra isso."

De volta � estrada ap�s a pandemia
Mineiro de Belo Horizonte e nascido Massimiliano Ant�nio Cavalera, Max fundou o Sepultura com seu irm�o Igor Cavalera em 1984. Devido a desaven�as, rompeu com a banda em 1996, formando o Soulfly.
Agora, volta � estrada com o Soulfly nos Estados Unidos, ap�s retiro for�ado pela pandemia.
"Os shows t�m sido maravilhosos, porque as pessoas estavam realmente com fome. Com aquele sentimento de que algo havia sido tirado delas � for�a e agora est� sendo dado de volta. Ent�o elas est�o super animadas, super agradecidas", relata o m�sico.
"Eu estou super feliz, pois meu habitat natural � no palco. Foi legal dois anos em casa, passar anivers�rio com minha fam�lia, curti a casa e a fam�lia bastante. Mas est� na hora de voltar a fazer o que a gente ama e essa turn� � s� o come�o", afirma.
"Ano que vem com certeza deve rolar turn� no Brasil", antecipa � BBC News Brasil.

Durante a pandemia, Max desenvolveu um projeto com seu filho Igor Amadeus Cavalera. Junto ao baterista Zach Coleman, da banda Khemmis, eles lan�aram o �lbum Go Ahead And Die .
Segundo o m�sico, trata-se de um trabalho mais pol�tico, com riffs "cheios de �dio contra um sistema que apenas beneficia os mais poderosos", conforme o material de divulga��o do �lbum.
"S�o letras de agora, do que est� acontecendo no mundo hoje em dia: a brutalidade policial, a covid-19. Uma das m�sicas que eu mais gosto se chama Roadkill e fala sobre os moradores de rua, um assunto que n�o � muito abordado no metal e no rock em geral, mas n�s cutucamos a ferida, mostrando que a maioria dessas pessoas s�o rejeitadas pela sociedade", afirma.
Em meio a essa fase mais politizada, numa entrevista em maio, Max comparou o presidente brasileiro Jair Bolsonaro com o americano Donald Trump.
"Ele [Bolsonaro] � meio que como o Trump, ele abra�a as coisas negativas com orgulho — tem orgulho de matar pessoas, orgulho de matar os �ndios. � meio assustador porque ele tem orgulho dessas coisas", disse em entrevista ao podcast Landry.audio, conforme transcrito pelo site Blabbermouth.net (que se autodefine como "a CNN do heavy metal").
Questionado pela BBC News Brasil se continua a ver semelhan�as entre os dois mandat�rios, Max prefere n�o entrar em pol�micas.
"Eu n�o moro no Brasil, ent�o para mim fica um pouco dif�cil de fazer uma an�lise", afirma.
"Aqui nos Estados Unidos, tem muito f� do Soulfly que gosta do Trump, ent�o a gente deixa isso de lado, porque independente do gosto pol�tico, a gente tem o metal. � igual religi�o, que ningu�m discute, porque discutir s� d� merda", acrescenta.
"Acho que aqui [nos Estados Unidos], est� melhorando com certeza com o Biden. Um lance legal dele � que ele tem a experi�ncia de toda a vida trabalhando para o pa�s. O Trump era meio de fora, foi uma experi�ncia. Acho que daqui a 100 anos vamos ver essa fase aqui como uma fase sinistra, um erro de experi�ncia. Vamos dizer: 'Olha que coisa louca que a gente fez, a gente botou esse Trump para ser presidente e n�o deu certo'."
"� assim que eu vejo. E eu espero, logicamente, que no Brasil as coisas tamb�m melhorem."
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