
O mau humor foi sendo dissipado com a avalia��o de que a probabilidade de o epis�dio se tornar o "Lehman Brothers da China", uma refer�ncia � quebra do banco americano que catalisou a crise financeira global de 2008, n�o era t�o grande.
Entre os argumentos est� o fato de que o mercado financeiro chin�s � bem mais fechado, o que reduz o potencial de cont�gio em escala mundial, e a possibilidade de que o governo interfira para evitar os desdobramentos negativos — uma marca do "capitalismo de Estado" praticado pela China.
Mas esse n�o � o �nico temor dos analistas.
"O mais preocupante n�o � o [impacto no] sistema financeiro mundial, � muito mais a economia real", diz o professor de economia chinesa do Insper Roberto Dumas.
O problema de liquidez da Evergrande colocou sob os holofotes um jogo de for�as que h� algum tempo vem mexendo com o setor imobili�rio da China. De um lado est�o as empresas, que h� anos t�m contribu�do para o crescimento agressivo do pa�s tomando muito dinheiro emprestado. De outro, o governo, que agora tenta impor limites a um endividamento que enxerga como excessivo.
Assim, a crise na gigante do setor pode ser pren�ncio de algo maior, a desacelera��o do setor da constru��o, que responde por cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) chin�s. Nesse cen�rio, o Brasil, que fornece uma parte relevante do min�rio de ferro usado para erguer os arranha-c�us no pa�s, est� no topo da lista dos potenciais prejudicados.

Devo, n�o nego
A Evergrande � hoje um imp�rio com 200 mil funcion�rios e cerca de 1.300 projetos em mais de 280 cidades.
Foi fundada em 1996 por Hui Ka Yan e cresceu com uma estrat�gia agressiva que a fez inclusive transbordar o setor da constru��o. O grupo tem uma divis�o de ve�culos el�tricos, investimentos na �rea de m�dia e no setor aliment�cio, � dono de parque tem�tico, o Evergrande Fairyland (ainda em constru��o), e um time de futebol, o Guangzhou FC.
O endividamento foi um pilar fundamental da expans�o, e fez dela a incorporadora mais endividada do mundo.
O que aconteceu nesta semana foi um pequeno cap�tulo de uma hist�ria longa.
Os mercados reagiram � not�cia de que a companhia talvez n�o tivesse caixa para pagar t�tulos com vencimento na quinta-feira (23/9). A empresa acabou conseguindo negociar refinanciamento com um dos credores, mas o acordo n�o resolve o problema, j� que a Evergrande ainda tem um volume extremamente elevado de passivo com vencimento neste e no pr�ximo ano.
"O que me surpreende � que as pessoas estejam surpresas com o que est� acontecendo", brinca o economista Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV).
Ele lembra que um epis�dio semelhante j� havia ocorrido em setembro do ano passado, quando investidores aceitaram alongar o prazo de um d�bito de US$ 13 bilh�es da Evergrande para evitar uma crise de solv�ncia na companhia naquele momento.

Muito al�m de uma empresa
O pesquisador acrescenta que o modelo de neg�cio da Evergrande n�o � um caso isolado.
"Essa � uma quest�o setorial. Ela � de longe a mais endividada, mas h� v�rias outras empresas com n�vel de endividamento muito elevado."
E foi esse o cen�rio que levou o governo chin�s a tentar impor limites � alavancagem das incorporadoras imobili�rias.
Uma s�rie de controles regulat�rios, batizados de " three red lines " ("tr�s linhas vermelhas", em tradu��o literal), v�m sendo implementados desde setembro do ano passado.
Um deles estabeleceu �ndices de endividamento que definem se as companhias poder�o ou n�o tomar novos empr�stimos. Caso ultrapassem o limite, as companhias ficam impedidas de fazer d�vidas adicionais — o que aconteceu com a Evergrande, que se viu impossibilitada de acessar o canal tradicional do cr�dito para tentar pagar as d�vidas com vencimento de curto prazo.
As medidas tamb�m afetaram um outro canal usado pelas empresas privadas para se financiar, o " shadow banking ", que re�ne uma s�rie de instrumentos que est�o fora do escrut�nio da legisla��o do sistema banc�rio no pa�s.
Na tentativa de contornar a situa��o, a Evergrande chegou a tentar vender ativos para levantar os recursos para pagar os t�tulos de d�vida no prazo, mas os valores n�o foram suficientes.

A 'cruzada' do governo chin�s contra o endividamento
Em uma longa an�lise sobre a crise exposta pelo caso Evergrande , o professor de Finan�as na Universidade de Pequim Michael Pettis escreveu que h� anos as autoridades do pa�s v�m numa cruzada contra o endividamento excessivo da economia chinesa.
As raz�es s�o v�rias. No caso do setor imobili�rio, o acesso f�cil aos empr�stimos contribuiu para criar uma bolha que elevou artificialmente o pre�o dos im�veis e abriu espa�o para especula��o. Olhando especificamente para o mercado de cr�dito, por sua vez, a ideia de que o governo chin�s sempre socorreria com vultosas inje��es de capital as empresas que se vissem � beira da fal�ncia fez com que as institui��es financeiras emprestassem aos grandes conglomerados sem muito crit�rio.
"Ao tentar convencer os credores de que n�o protegeria mais os grandes tomadores de empr�stimos, eles est�o tentando transformar o sistema financeiro chin�s, fazendo com que os credores sejam mais reticentes em financiar projetos pouco produtivos", escreveu o especialista, que � tamb�m senior fellow no Carnegie-Tsinghua Center for Global Policy.
Por isso, existe uma grande discuss�o no momento sobre se o governo chin�s vai interferir na quest�o da Evergrande e, se o fizer, em que n�vel.

O que isso significa para a economia chinesa - e para o Brasil
No pano de fundo, a expectativa � que haja uma significativa desacelera��o do setor imobili�rio do pa�s. Para o economista-chefe para a �sia da consultoria Capital Economics, Mark Williams, esse era um cen�rio que estava colocado ainda antes dos novos controles regulat�rios institu�dos pelo governo.
"Ainda que as 'tr�s linhas vermelhas' tenham precipitado a crise, ela n�o � a principal causa dela", ressaltou em relat�rio enviado a clientes.
O setor imobili�rio da China, segundo ele, est� entrando em um ciclo longo de decl�nio. Entre os fatores que est�o reduzindo a demanda por im�veis entre os chineses, ele cita o crescimento mais lento da popula��o urbana — uma acomoda��o do movimento de forte migra��o de pessoas do campo para a cidade — e a tend�ncia de diminui��o de novos matrim�nios no pa�s.
"Muitas fam�lias veem o im�vel pr�prio como um pr�-requisito para casar. Mas o n�mero de novas fam�lias � cada vez menor: entre 2013 e 2019, o n�mero de casamentos caiu 31%."
Toda essa din�mica acaba afetando diretamente o Brasil, j� que pouco mais de 30% de tudo o que o pa�s exporta tem como destino a China.
Um dos principais canais � o min�rio de ferro: o pre�o da commodity j� vinha caindo nas �ltimas semanas e despencou diante da expectativa de que a China vai passar a comprar menos.
"A pauta de exporta��o do Brasil para a China � muito concentrada, mais de 20% � min�rio de ferro", destaca Ribeiro. "Estaria entre os mais afetados, junto de pa�ses como Austr�lia e Chile."
O Brasil venderia menos tanto em valor, por conta da queda da cota��o, quanto em volume, com a demanda deprimida. Com uma renda menor de exporta��es, a tend�ncia � que essa din�mica ajude a encarecer o d�lar e enfraquecer o real.
O economista pontua que um cap�tulo em aberto � se a crise instalada com o caso Evergrande ter� algum impacto sobre a confian�a do consumidor chin�s, contribuindo para reduzir ainda mais seu interesse por produtos imobili�rios.
Os im�veis est�o entre os principais investimentos das fam�lias no pa�s. Elas chegam a pagar valores altos de entrada, de at� 80% do valor total — um outro fator, ali�s, que diferencia o cen�rio da China hoje dos Estados Unidos de 2008.
"N�o h� mercado de hipoteca organizado, o problema [do endividamento] est� nas incorporadoras", diz ele, refor�ando a avalia��o de que a crise de liquidez da Evergrande n�o deve ter o mesmo efeito de cont�gio no mercado financeiro global que a crise dos subprimes americana.
Do lado da economia real, a desacelera��o � uma not�cia preocupante para o Brasil especialmente neste momento, j� que enfraquece um motor que vinha sendo importante diante da fragilidade de outros pilares de crescimento, diz o professor do Insper Roberto Dumas.
E se soma a outras not�cias ruins que v�m deteriorando as expectativas para o pr�ximo ano.
"Se a gente pensar num avi�o, o crescimento tem quatro motores: consumo, investimento, gastos do governo e exporta��es l�quidas. A 'turbina' do consumo dom�stico vem sendo prejudicada pelos juros e infla��o altos, pela deprecia��o cambial… Agora, a exporta��o l�quida n�o vai crescer no mesmo ritmo porque a China est� desacelerando, e um ter�o das nossas exporta��es vai para a China. Cad� o motor de crescimento?"
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