
"Comparecer ao setor infantil", "Vendedor X, corredor 8", "Aten��o, padr�o".... Recados como esses, � primeira vista rotineiros em alto-falantes ou entre vendedores de lojas de roupa, s�o muitas vezes um c�digo para identificar um potencial "cliente suspeito" que precisa ser monitorado. � o que relatam funcion�rios que j� trabalharam no com�rcio pelo Brasil.
E a identifica��o de quem � "suspeito", segundo os relatos, se baseia no comportamento, modo de se vestir e tamb�m na cor da pele.
"Se entrava um menino negro, de bon� e com roupas simples, j� entra no radar da loja inteira, precisa ser acompanhado de perto", contou � BBC News Brasil Lu�sa*, 24 anos, uma ex-funcion�ria de uma grande loja de roupa num shopping do Rio de Janeiro (RJ).
Situa��es como essas foram relatadas por diversas pessoas nas redes sociais em meio � revela��o feita pela Pol�cia Civil do Cear� de que uma loja da rede Zara, num shopping de Fortaleza (CE), usaria um "c�digo" para alertar a presen�a de clientes suspeitos na loja.
Testemunhas que trabalharam na loja teriam relatado � pol�cia que esse "c�digo" � comunicado por meio da mensagem "Zara zerou", toda vez que um cliente negro ou com roupas simpl�rias entrasse na loja. Em nota � BBC, a Zara negou as acusa��es e disse que n�o h� qualquer "c�digo interno" para discriminar clientes.
Mas pessoas com experi�ncia no com�rcio dizem que o caso n�o surpreendeu e n�o se trata de atitude isolada. "Essa pr�tica de usar c�digos para identificar suspeitos � antiga e diria que at� padr�o nas lojas", disse Cristina*, 35 anos, que trabalhou entre 2003 at� 2006 em lojas de shoppings de Bras�lia (DF).
Os casos que chegam aos centros municipais de S�o Paulo que prestam atendimento �s v�timas de discrimina��o racial tamb�m revelam que n�o s�o situa��es novas. "Essa hist�ria de c�digos j� existe h� muitos anos � escancarada essa quest�o, de supermercados �s grandes lojas", diz Elisa Rodrigues, secret�ria-executiva da promo��o de igualdade racial de S�o Paulo e que lida com o combate ao racismo h� d�cadas.
Oferecer sacolas, anunciar produtos que n�o s�o vendidos…
A baiana Suzana*, de 29 anos, hoje estudante, teve sua primeira experi�ncia profissional em 2011, numa grande varejista de roupas populares em um shopping de Salvador (BA).
Na loja, a recomenda��o desde o in�cio era para ter cuidado com o grande movimento e prestar aten��o com "pessoas estranhas".
"A estrat�gia era, se identificar um comportamento ou algu�m 'estranho', tinha que ir l� quebrar gelo. Oferecer uma sacola para colocar as roupas, oferecer o cart�o da loja, ficar perto fingindo que est� arrumando o setor", conta. Ou seja, mostrar quem tem "algu�m de olho" em voc�.
No Rio, H�lio*, de 30 anos, atuou em tr�s lojas como fiscal de perdas e danos, justamente com o objetivo de reprimir furtos.
Ele defende que o uso de c�digo � "normal", com o objetivo de evitar maiores constrangimentos. "Muitas vezes quem est� vendo as c�meras de seguran�a fala um nome de um funcion�rio que n�o existe, como 'Gabriel, corredor 4', isso quer dizer que tem algu�m suspeito l�, disse.
"Mas isso n�o quer dizer que deve ser feita uma abordagem errada."
Em Bras�lia, Cristina lembra que, em lojas menores onde trabalhou, a estrat�gia de comunica��o entre os vendedores era anunciar um produto que n�o existia na loja. "A gente gritava pro estoque algo como "desce as meias". S� que n�o vend�amos meias. Ent�o sab�amos que era pra ficar de olho em algu�m".
Em grandes redes, onde h� seguran�as pr�prios das lojas, ex-funcion�rios relatam que h� ainda uma comunica��o intensa via r�dio. "Tinha uma tabela de palavras pra gente comunicar, descrevendo a cor da pessoa suspeita, cor da roupa, cabelo", relata Lu�sa, que ficava respons�vel pelo controle dos provadores numa grande loja no Rio.

Comportamento suspeito ou estere�tipo racista?
Mas como s�o identificadas pessoas suspeitas?
Suzana, de Salvador, fala que j� no treinamento para admiss�o h� uma orienta��o para observar clientes que buscam pe�as sem detectores de alarme, que est�o h� muito tempo na loja e mexendo em bolsas grandes. Mas, diz ela, no fim h� um grande julgamento sobre a apar�ncia.
"� muito complicado, porque a sociedade cria esses estere�tipos de pessoas simples, mal arrumadas, negras. N�o deveria competir ao vendedor essa avalia��o".
H� 15 anos no mercado de lojas de padr�o mais elevado num shopping em Belo Horizonte (MG), Carla*, 32 anos, conta "que s�o as pessoas humildes e pretas que chamam aten��o de funcion�rios, porque ningu�m suspeita de uma branca bem arrumada, que muitas vezes no fim � quem furta".
"Se a gente ouvisse o nome de loja mais 'compare�a � sess�o infantil', tinha que largar tudo para acompanhar a tal pessoa suspeita. E, normalmente, era negra. Era uma decis�o que partia de cada funcion�rio".
Carla, que � negra, conta que ela pr�pria j� foi considerada suspeita enquanto cliente em outros estabelecimentos: "Fui a uma farm�cia recentemente e fui seguida, fiquei t�o nervosa que comprei a primeira base que tinha na m�o pra ir embora. A gente conta essas situa��es no dia a dia e falam que � mentira, mimimi. A� precisa de um esc�ndalo assim para as pessoas acordarem", opina.
O ex-fiscal de loja H�lio, tamb�m negro, defende que "todas as pessoas dentro de uma loja s�o observadas, mas realmente as pessoas que os funcion�rios mais prestam aten��o s�o as com vestimentas mais simples, o que chamam de 'roupa de bandido', largad�o". Na opini�o dele, o problema s�o os erros de abordagem. "Existe sim a quest�o de racismo, mas tamb�m h� erros de funcion�rios que n�o tem experi�ncia nisso de combater os furtos."
A brasiliense Cristina conta que os vendedores t�m muito receio de ter problemas em casos de furto, como ter valores descontados no sal�rio. E, por isso, alimentam esse sistema de c�digos e abordagem para se proteger de situa��es como essas.
"Mas essa prote��o tem diversos mecanismos baseados no racismo. � um sistema que se retroalimenta, porque os trabalhadores ganham mal, querem proteger seu emprego e acabam pagando se ocorre um furto".
'N�o se calar'
Algumas das grandes cidades brasileiras possuem servi�os que prestam atendimento � popula��o em casos de racismo no com�rcio. Em S�o Paulo, o Centro de Refer�ncia de Promo��o da Igualdade Racial presta atendimento e orienta��o jur�dica e psicol�gica �s v�timas. Em Niter�i (RJ), foi inaugurado recentemente N�cleo de Atendimento a V�timas de Racismo.
"Tem que acreditar na justi�a, n�o silenciar. As pol�ticas p�blicas foram criadas para acolher pessoas negras. Muita gente fala 'deixa pra l�, n�o vai dar em nada', mas temos muitos exemplos de que d�o resultado sim", diz Elisa Rodrigues, secret�ria executiva da promo��o de igualdade racial de S�o Paulo.
Em casos de discrimina��o racial, diz Rodrigues, � important�ssimo que haja testemunhas. Ou seja, se voc� presenciou algum caso de racismo, se solidarize e fique � disposi��o da v�tima. Registros em v�deo e �udio tamb�m ajudam no combate a esse tipo de crime. "Mas se n�o tiver, tem que entrar com a��o da mesma forma", diz.
*Os nomes foram trocados para preservar a identidade das pessoas entrevistadas.
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