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Estado de Minas NA RUA

O que esperam de 2022 fam�lias brasileiras que v�o passar o Natal nas ruas

Aux�lio Brasil, elei��es, infla��o, emprego e moradia est�o entre as preocupa��es dos mais vulner�veis. 62% dos brasileiros veem aumento no n�mero de pedintes e moradores de rua, segundo pesquisa CNT/MDA.


24/12/2021 06:59 - atualizado 24/12/2021 10:35

Gleidson Oliveira Lima vestido de Papai Noel em frente a sua barraca coberta por lona, sob o Minhocão, no centro de São Paulo
Aux�lio Brasil, elei��es, infla��o, emprego e moradia est�o entre as preocupa��es dos mais vulner�veis. Na foto, Gleidson Oliveira Lima em frente a sua barraca sob o Minhoc�o, em S�o Paulo (foto: Thais Carran�a/BBC Brasil)

Vestido de Papai Noel, com um rodinho numa m�o e uma garrafa de produto de limpeza na outra, Gleidson Oliveira Lima limpa para-brisas e janelas de carros em troca de moedas no centro de S�o Paulo.

Aos 31 anos, o baiano vive com a esposa e a filha de 4 anos em uma barraca de camping coberta por uma lona embaixo do Elevado Jo�o Goulart, mais conhecido como Minhoc�o.

"Nunca roubei, nunca matei, nunca peguei nada de ningu�m. Sou analfabeto, n�o sei ler nem escrever", conta Gleidson, que mora nas ruas do centro h� cinco anos.

"Vamos passar o Natal aqui mesmo. Infelizmente, n�s que somos moradores de rua n�o temos para onde ir, mas muita gente ajuda a gente. Minha esposa vende bala no farol e, gra�as a Deus, n�o nos falta nada", diz o limpador de vidros.


Apesar de seu otimismo e gratid�o pela ajuda que recebe, evidentemente faltam a Gleidson, sua esposa e filha muitas coisas.

A fam�lia dele � uma de milhares que devem passar este Natal e a virada do ano nas ruas ou em abrigos e ocupa��es prec�rias em todo o Brasil. O n�mero � crescente, em meio ao desemprego elevado e perda de renda que, durante a pandemia de Covid-19, t�m afetado principalmente a parcela mais pobre e informalizada da popula��o.

Segundo pesquisa CNT/MDA divulgada em dezembro, 62% dos brasileiros dizem perceber um aumento do n�mero de pedintes e de moradores de rua em suas cidades.

Conforme dados do Minist�rio da Cidadania, havia 142 mil fam�lias brasileiras em situa��o de rua registradas no Cadastro �nico para programas sociais do governo federal em setembro deste ano, 34 mil delas somente na capital paulista.

Em seu estudo mais recente sobre o tema, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada) estimou a popula��o de rua brasileira em 222 mil pessoas em mar�o de 2020. O instituto alertava, no entanto, que a tend�ncia do n�mero era de alta devido � crise econ�mica acentuada pela pandemia.

O padre J�lio Lancellotti, que atua h� mais de 30 anos junto � popula��o em situa��o de rua de S�o Paulo, relata haver um aumento das fam�lias vivendo nas ruas no per�odo recente — normalmente, a popula��o de rua � formada em sua maioria por homens sozinhos.

"Na conviv�ncia com a popula��o de rua, a gente percebe claramente o aumento de grupos familiares, de mulheres com crian�as e de jovens — pessoas que est�o longe de seus grupos familiares buscando algum trabalho", diz o p�roco da Par�quia S�o Miguel Arcanjo, localizada na Mooca, zona leste de S�o Paulo.

"Isso � resultado da crise econ�mica que estamos vivendo, agravada pela quest�o da pandemia, a inadimpl�ncia, o desemprego, a infla��o alta, a impossibilidade de pagar aluguel. Todas essas quest�es que s�o estruturais e conjunturais do pa�s", afirma o religioso.

'A gente n�o est� na rua porque quer'

Foi a falta de oportunidades em Porto Alegre que fez a fam�lia de Marlene Amaral, de 36 anos, e Jos� Eduardo, de 24, chegar a S�o Paulo com dois de seus tr�s filhos.

Na cidade h� uma semana e meia, a fam�lia atualmente divide um quarto em um hotel no centro da cidade. Mas, com dificuldades para pagar a di�ria de R$ 65, o casal espera conseguir em breve uma barraca. Com isso, a pequena fam�lia deve passar o fim de ano na rua.


Marlene Amaral, José Eduardo e seus dois filhos, um deles no carrinho de bebê
'A gente n�o est� na rua porque quer, � porque est� dif�cil', diz o malabarista Jos� Eduardo (foto: Thais Carran�a/BBC Brasil)

"No Sul estava complicado, ele [Jos� Eduardo] � malabarista e l� � ruim para trabalho. Aqui [em S�o Paulo] est� sendo ruim tamb�m, por isso estamos trabalhando com venda de balas e pa�ocas, cada um com uma das crian�as para podermos fazer um dinheiro. Est� bem complicado", contou Marlene � BBC News Brasil, na Pra�a da Rep�blica.

Vivendo apenas com o dinheiro dos doces e uma pens�o a que Marlene tem direito por ser vi�va de seu primeiro casamento, a fam�lia tem se alimentado com doa��es.

"Queremos comprar uma barraca para conseguir juntar um pouco mais de dinheiro para ir embora para Belo Horizonte", conta a ga�cha.

"A gente n�o est� na rua porque quer, � porque est� dif�cil. Estamos indo para BH porque l� a gente consegue uma moradia mais barato", diz Jos� Eduardo.

Cr�ticos a Bolsonaro, ele e Marlene dizem ter esperan�a de que as elei��es de 2022 tragam mudan�as.

"Se a infla��o diminuir, se a gente puder ir ao mercado e as coisas estiverem mais baratas — porque a gente vai no mercado todo dia, a gente que n�o tem onde morar n�o compra coisa para o m�s, se n�o estraga. Acho que, mudando o governo, isso a� vai mudar, pelo menos para a gente conseguir se alimentar, que � o b�sico", afirma o malabarista.

'Aux�lio emergencial ajudou muita gente'

Jaqueline Rodrigues da Silva, de 27 anos e m�e de uma menina de 3 anos, com quem mora num hotel social da Prefeitura, v� com bons olhos o atual governo por um motivo principal: o aux�lio emergencial que ela recebeu neste ano e no passado.

Com valor maior do que o Bolsa Fam�lia a que ela tem direito, Jaqueline afirma que o aux�lio (que em 2020 variava de R$ 600 a R$ 1.200) fez uma diferen�a grande na sua vida.


Jaqueline Rodrigues da Silva
'Esse aux�lio ajudou bastante', diz Jaqueline, que atualmente mora com marido e filha em um hotel social da prefeitura (foto: Thais Carran�a/BBC Brasil)

"Esse aux�lio ajudou bastante o pessoal, s� n�o gostei que quem pegava o aux�lio emergencial n�o pega esse Aux�lio Brasil, s� quem tem Bolsa Fam�lia. Podia dar para quem necessita tamb�m", sugere.

A cr�tica de Jaqueline tem base: segundo o governo, o novo Aux�lio Brasil deve atender 17 milh�es de pessoas, zerando a fila do Bolsa Fam�lia. O n�mero, no entanto, � inferior aos 39 milh�es de fam�lias que receberam o aux�lio emergencial em 2021.

A paulista de Osasco diz que n�o votou em Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e agora ainda est� decidindo em quem votar em 2022. Ela gostaria que o deputado federal Andr� Janones (Avante-MG) — que foi bastante atuante na aprova��o do aux�lio emergencial e tem presen�a forte nas redes sociais — fosse candidato.

Jaqueline est� no hotel social h� 15 dias, antes, morou na rua. "Fui morar na rua por briga familiar, tem um m�s. Eu n�o aguentei, sa�mos eu, meu marido e minha filha", conta.

De acordo com o Censo da Popula��o em Situa��o de Rua 2019, realizado pela Prefeitura de S�o Paulo, conflitos familiares s�o a principal raz�o para as pessoas irem parar nas ruas, apontada por 40,3% dos entrevistados, seguida por depend�ncia qu�mica (33,3%), perda de trabalho (23,1%) e perda de moradia (12,9%).

Uma nova edi��o do Censo paulistano da popula��o de rua estava prevista para 2023, mas foi antecipada devido � pandemia e est� sendo realizada neste momento. A coleta de dados foi iniciada em outubro e os primeiros resultados devem ser divulgados ao final de janeiro de 2022, segundo a Secretaria Municipal de Assist�ncia e Desenvolvimento Social.

A edi��o de 2019 contabilizou 24,3 mil pessoas em situa��o de rua em S�o Paulo, sendo 12,6 mil vivendo em vias p�blicas e 11,7 mil em centros de acolhida.

'Ele tentou me matar, ent�o sa� da minha cidade'

Marcela*, de 25 anos, m�e de tr�s filhos e gr�vida de 8 meses do quarto, mora h� tr�s meses numa ocupa��o prec�ria na regi�o central de S�o Paulo.

"Era uma garagem de �nibus, onde invadiram e fizeram os barracos de madeira, acho que ali vivem hoje umas 15 fam�lias, todas com crian�as", contou � BBC News Brasil, enquanto vendia balas acompanhada dos filhos em uma grande avenida.

O nome dela foi trocado pois Marcela veio parar em S�o Paulo fugindo de um ex-companheiro que a agredia. "Ele n�o aceita a separa��o, eu vivi muita viol�ncia dom�stica, ele tentou me matar, ent�o eu resolvi sair da minha cidade por esse motivo", conta.

Ap�s um per�odo morando na rua, ela conseguiu um espa�o na ocupa��o. Um c�modo, que ela divide com as tr�s crian�as, que em breve ser�o quatro.

"� um barraco, tem uma cama, uma c�moda e um sof�. E s�, mais nada. Eu n�o cozinho porque n�o tenho fog�o nem geladeira, ent�o eu como na rua, de doa��o ou quando eu consigo, compro um marmitex", relata.

D�ficit habitacional crescente

Apesar de n�o morar mais na rua, Marcela faz parte de um outro n�mero crescente: o do d�ficit habitacional brasileiro.

Segundo a Funda��o Jo�o Pinheiro, institui��o de pesquisa ligada ao Governo de Minas Gerais, em 2019, o d�ficit habitacional no pa�s era de 5,9 milh�es de moradias.

Esse � o n�mero mais recente dispon�vel para o indicador, que tem como base a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios) Cont�nua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).


Barraca de pessoas em situação de rua na Praça da República, em São Paulo
Em 2019, o d�ficit habitacional no pa�s era de 5,9 milh�es de moradias, segundo a Funda��o Jo�o Pinheiro (foto: Thais Carran�a/BBC Brasil)

Desse total, 51,7% s�o domic�lios com renda inferior a tr�s sal�rios m�nimos que gastavam mais de 30% dela com aluguel; 25,2% s�o habita��es prec�rias — aquelas improvisadas em carros, barcos, barracas ou casas sem parede de alvenaria — e 23,1% s�o domic�lios com coabita��o, quando duas ou mais fam�lias convivem juntas num mesmo ambiente.

O barraco de madeira na antiga garagem de �nibus onde vive atualmente Marcela se enquadra no segundo caso.

"S�o fam�lias que n�o conseguem ter uma moradia adequada, n�o conseguem ter acesso ao mercado imobili�rio, porque n�o t�m renda suficiente, n�o t�m trabalho, n�o t�m acesso a cr�dito", diz Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Constru��o no Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas).

"E sabemos que, nesses dois anos da pandemia, a hist�ria foi muito ruim. As fam�lias foram severamente afetadas, principalmente as de menor renda e as que j� viviam na informalidade, ent�o a possibilidade de termos esses n�meros crescentes � real", afirma a professora, sobre a prov�vel tend�ncia de alta do d�ficit habitacional em 2020 e 2021.

Para Castelo e tamb�m para o padre J�lio Lancellotti, o problema da moradia � agravado pelo desmonte das pol�ticas p�blicas para o setor, com praticamente nenhuma habita��o entregue pelo governo nos �ltimos anos para a chamada Faixa 1 do antigo programa Minha Casa, Minha Vida, rebatizado pela gest�o Jair Bolsonaro como Casa Verde e Amarela.

Destinada a fam�lias com renda de at� R$ 1,8 mil, a Faixa 1 era financiada a partir de recursos do Tesouro, que se tornaram escassos diante da crise fiscal e do limite imposto pelo teto de gastos.

"As pol�ticas existentes hoje s�o para pessoas que t�m capacidade de endividamento, quem n�o tem essa capacidade, como a popula��o de rua, n�o � atingida", diz Lancelotti.

"Estamos falando de uma parcela da popula��o que vive num n�vel de vulnerabilidade muito grande. Hoje n�o h� atendimento para esse p�blico na pol�tica habitacional", avalia Castelo.

"A forma de atingir esse p�blico � com aluguel social e renda m�nima, pois s�o pessoas que n�o t�m renda e, at� se voc� der uma moradia, elas ter�o dificuldade de arcar com os custos. Ent�o � preciso uma pol�tica social abrangente que d� conta dessa situa��o."

O Minist�rio do Desenvolvimento Regional informou � BBC News Brasil que, desde 2019, mais de 1,1 milh�o de moradias foram entregues para pessoas de diversas faixa de renda.

Ainda segundo a pasta, desde o lan�amento do Casa Verde e Amarela, em agosto de 2020, cerca de 45 mil unidades da Faixa 1 do programa foram entregues a fam�lias de baixa renda. O minist�rio diz ainda que a modalidade de loca��o social do programa, anunciada por ocasi�o de seu lan�amento, continua "em estudo".

A Prefeitura de S�o Paulo, por sua vez, informou que acaba de lan�ar um projeto in�dito de PPP (parceria p�blico-privada) para oferta de moradia e acolhimento para popula��o em situa��o de rua.

Segundo a prefeitura, o projeto prev� a implanta��o de 1.747 unidades, distribu�das em 15 empreendimentos, que beneficiar�o mais de 3,7 mil pessoas.

A gest�o municipal destacou tamb�m uma s�rie de a��es que tem realizado para o atendimento da popula��o em situa��o de rua em meio � pandemia, como a distribui��o de cestas b�sicas, kits de higiene e limpeza, refei��es prontas e �gua.

Elei��es e sonhos para 2022

E o que Marcela espera desse Natal?

"Para ser bem sincera, eu n�o sei dizer, mas espero coisa boa, porque Deus nunca me abandonou. O importante para mim � n�o faltar o que comer, mas esse Natal vai ser diferente, por que eu n�o vou passar com meus parentes, com meus pais", lamenta ela.

Para o pr�ximo ano, al�m da chegada do quarto filho, Marcela sonha com uma casa melhor.

"Se Deus quiser — e ele quer — eu vou conseguir um lugar melhor, porque ali [na ocupa��o] n�o � um lugar adequado para um beb� rec�m-nascido, tem muito rato. Primeiro de tudo � ter um lugar para viver com meus filhos em seguran�a e depois, quando meu beb� estiver um pouco mais crescido, arrumar um trabalho", deseja a m�e de fam�lia para o pr�ximo ano.

Marcela diz que pretende com certeza votar nas elei��es de 2022.

"O que a gente precisa mesmo � de educa��o, seguran�a, as pessoas precisam de um lugar para morar. Agora com Bolsonaro, a coisa melhorou quando aumentou o aux�lio — nossa, ajudou muito!", diz ela, que recebeu em 2020 os R$ 1.200 destinados a m�es chefes de fam�lia.

Com a redu��o do valor em 2021, no entanto, as coisas ficaram "bem piores", diz ela. Assim, Marcela ainda n�o sabe em quem vai votar no pr�ximo ano. "Tem que ver as propostas, o que v�o oferecer para a gente de melhor", afirma.

Gleidson Oliveira Lima, que limpa vidros vestido de Papai Noel, enquanto vive com a fam�lia embaixo do viaduto, diz que nunca votou. "Eu n�o tenho documento nenhum", explica.

Ainda assim, ele n�o poupa cr�ticas � atual gest�o federal.

"Depois que o Bolsonaro entrou, o Brasil mudou", afirma. Para melhor ou para pior? "Para pior, piorou para todo mundo. O Lula ajudou bastante a gente. Eu dou valor para o Lula."

*Nome fict�cio por se tratar de uma v�tima de viol�ncia dom�stica.

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