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Estado de Minas QUEIMADA CONTROLADA

Como fogo � usado para evitar inc�ndios no Cerrado e Pantanal

'Queima prescrita' busca replicar fen�meno natural e j� foi incorporada por 37 unidades de conserva��o para prevenir inc�ndios destrutivos


25/04/2022 07:12 - atualizado 25/04/2022 08:59


Brigadistas controlam chamas no Cerrado
Brigadistas cont�m as chamas durante queima controlada no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goi�s (foto: Fernando Tatagiba/ICMBio)

Normalmente apontado como um vil�o do meio ambiente, o fogo tem sido cada vez mais usado para prevenir inc�ndios em unidades de conserva��o brasileiras.

Por meio de queimadas controladas feitas antes da estiagem, gestores de parques e comunidades tradicionais buscam reduzir a quantidade de material inflam�vel dispon�vel, como capim e folhas secas.

A t�cnica vem sendo usada principalmente no Cerrado, mas j� come�a a ser aplicada em outros biomas, como o Pantanal e em forma��es sav�nicas na Amaz�nia.

O objetivo � impedir a ocorr�ncia de grandes inc�ndios no auge da seca, quando fica mais dif�cil controlar as chamas e o fogo costuma ser bem mais destrutivo.

As queimadas s�o aplicadas em �reas diferentes de cada vez, para que os animais consigam fugir e a vegeta��o tenha tempo de se regenerar. Agentes monitoram as chamas para mant�-las baixas e evitar que escapem para outras �reas.

Segundo o Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade (ICMBio), �rg�o ambiental federal, hoje 37 unidades de conserva��o federais no Brasil j� realizam as chamadas "queimas prescritas".

A t�cnica n�o � empregada em florestas tropicais, como a Mata Atl�ntica e a Floresta Amaz�nica. Nesses ambientes, mais �midos, o fogo n�o costuma ocorrer naturalmente e tende a provocar danos maiores.


Agente realiza queima prescrita no Cerrado
Queima controlada na Esta��o Ecol�gica �guas Emendadas, no Distrito Federal (foto: Governo do DF)

"� uma quebra de paradigma", diz � BBC News Brasil o coordenador de Preven��o e Combate a Inc�ndios do ICMBio, Jo�o Morita.

Ele afirma que, ao incorporar o fogo em suas pol�ticas, o ICMBio conseguiu reduzir a incid�ncia de grandes inc�ndios em unidades de conserva��o e atenuou conflitos com comunidades que dependem das queimadas para manter seus modos de vida.

O tema, por�m, � controverso, e h� v�rias iniciativas no pa�s que buscam desencorajar o uso tradicional das queimadas por associ�-las � degrada��o ambiental (leia mais abaixo).

Biomas �ntimos do fogo

No Brasil, as queimas prescritas come�aram a ser adotadas em 2014, no Cerrado. Desde ent�o, foram incorporadas por quase todos os 15 parques nacionais nesse bioma.

Jo�o Morita, do ICMBio, diz que a pr�tica j� reduziu a incid�ncia de grandes inc�ndios em locais como a Serra Geral do Tocantins, a Serra da Canastra (MG), a Chapada das Mesas (MA) e a Chapada dos Guimar�es (MT).

Na Chapada dos Veadeiros (GO), que sofreu um grande inc�ndio em 2021, as queimas prescritas evitaram que as chamas chegassem �s �reas de uso p�blico, diz Morita.

Em 2017, a t�cnica passou a ser aplicada tamb�m em �reas de savanas semelhantes ao Cerrado na Regi�o Amaz�nica, como no Parque Nacional do Viru� (RR), na Reserva Biol�gica do Guapor� (RO) e no Parque Nacional dos Campos Amaz�nicos (RO e AM).

E, em 2021, o m�todo chegou ao Pantanal, um ano ap�s o bioma sofrer inc�ndios devastadores.

Ali, a queima prescrita tem sido testada no Sesc Pantanal, a maior Reserva Particular do Patrim�nio Natural (RPNM) do pa�s, e ainda neste ano deve ser aplicada no Parque Nacional do Pantanal Matogrossense.

Morita, do ICMBio, diz que as esp�cies vegetais do Pantanal t�m 70% de similaridade com as do Cerrado, o que torna a queima prescrita uma poss�vel ferramenta para combater os inc�ndios catastr�ficos que t�m afetado o bioma.

Ele diz que os pesquisadores � frente dos testes no Sesc Pantanal devem finalizar nos pr�ximos meses uma publica��o cient�fica sobre os impactos da queima na fauna e flora locais.

A se confirmarem os efeitos positivos, Morita diz que a t�cnica tende a ser expandida aos poucos para outras partes do bioma.


Vista aérea de rio no Pantanal, com florestas nas margens pegando fogo
Pantanal teve inc�ndios devastadores em 2021 (foto: REUTERS/Amanda Perobelli)

O ICMBio tamb�m tem auxiliado �rg�os estaduais a implantar o m�todo - � o caso do Parque Estadual do Juquery, �ltima �rea protegida de Cerrado na Grande S�o Paulo.

O parque teve um grande inc�ndio em 2021 e deve come�ar a fazer queimadas prescritas neste ano, segundo Morita.

H� ainda a inten��o de levar a t�cnica no futuro para unidades de conserva��o na Caatinga e no Pampa, segundo o gestor do ICMBio.

As queimas controladas tamb�m v�m ganhando espa�o nos �ltimos anos em outros pa�ses que t�m sido duramente afetados por inc�ndios, como o Canad�, os EUA, a Austr�lia e Portugal.

Tanto no Brasil quanto em alguns desses pa�ses, gestores de parques t�m trocado experi�ncias com povos ind�genas e comunidades tradicionais, que h� s�culos manejam o fogo em territ�rios com grande biodiversidade.

Fen�meno natural

Nos biomas brasileiros onde o ICMBio realiza queimas prescritas, o fogo pode ser provocado naturalmente por raios, normalmente no fim ou no in�cio da esta��o chuvosa.

Nessas �pocas, h� alguma umidade no ar e na terra, o que ajuda a controlar as chamas.

As queimas prescritas tentam replicar esse fen�meno natural. Por isso, costumam ser feitas antes do auge da estiagem.

"O inc�ndio no auge da seca tem uma propaga��o muito mais veloz e � muito mais cruel, quente e severo", diz Morita.

"A queima prescrita � diferente: ela d� tempo aos animais se entocarem, fugirem ou voarem. N�o � uma linha de fogo reta, porque queremos propiciar rotas de fuga", afirma.

Al�m de reduzir o risco de inc�ndios na seca, ele diz que a queima prescrita busca criar um mosaico de paisagens que favore�a a diversidade de plantas e animais, j� que cada esp�cie tende a preferir um tipo de ambiente.

Morita afirma que as queimas tamb�m t�m sido usadas em unidades de conserva��o para eliminar plantas invasoras, como o eucalipto e o capim braqui�ria.

A fun��o do fogo no Cerrado

No Cerrado, onde as queimas prescritas mais avan�aram, a influ�ncia do fogo no ambiente � estudada h� bastante tempo.

As chamas aceleram os ciclos ecol�gicos ao permitir a renova��o da vegeta��o rasteira e quebrar a dorm�ncia de sementes, que podem enfim germinar.

As folhas tenras da rebrota alimentam mam�feros, e as flores em abund�ncia atraem polinizadores.

Um artigo publicado em 2019 na revista Ecology abordou a velocidade com que o Cerrado se regenera ap�s o fogo.

Liderado pela bi�loga Alessandra Fidelis, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o estudo enfocou uma erva do Cerrado (Bulbostylis paradoxa, popularmente conhecida como "cabelo-de-�ndio") que come�a a florescer 24 horas depois da queima.


Paisagem queimada por incêndio
Imagem de sat�lite mostra o Parque Estadual do Juquery em 3 setembro de 2021, 12 dias ap�s a ocorr�ncia de um grande inc�ndio (foto: Planet Labs)


Vista área do Juquery
Em 23 de outubro, dois meses ap�s o inc�ndio, o verde j� come�ava a voltar � paisagem do Juquery (foto: Planet Labs)


Imagem aérea
Em mar�o de 2022, sete meses ap�s o inc�ndio, o verde j� dominava o Cerrado do Juquery outra vez (foto: Planet Labs)

Outro sinal da influ�ncia do fogo no Cerrado s�o suas �rvores com cascas suberosas (com textura de corti�a), ra�zes profundas e troncos subterr�neos - caracter�sticas que as protegem das chamas.

Quando fica muito tempo sem queimar, a vegeta��o do Cerrado tende a se adensar, o que reduz os habitats de plantas e animais adaptados a �reas mais abertas.

Morita diz que, no Parque Nacional da Chapada dos Guimar�es (MT), por exemplo, h� �reas que n�o queimam h� mais de 25 anos, o que provocou o desaparecimento de algumas veredas.

Uma das forma��es mais t�picas do Cerrado, as veredas ocorrem � beira de rios e nascentes e se caracterizam por uma vegeta��o rasteira, na qual se destacam palmeiras de buriti.

Segundo Morita, a aus�ncia do fogo fez com que algumas veredas do parque fossem tomadas por arbustos.

"Claro que n�o vamos queimar todas as veredas, mas estamos reabrindo as veredas que estavam fechadas", diz Morita.

Ele cita ainda os sinais da longa aus�ncia do fogo em outro ponto emblem�tico do parque, a cachoeira V�u da Noiva.

Em 1827, a ent�o chamada Cachoeira do Inferno foi pintada pelo franc�s Aim�-Adrien Taunay em meio a uma paisagem dominada por uma vegeta��o rasteira, com �rvores restritas � mata ciliar.

Fotos atuais, por�m, mostram que a �rea foi toda tomada por �rvores e arbustos.


Imagens da cachoeira Véu da Noiva, sem e com vegetação densa.
Mudan�a na paisagem na cachoeira V�u da Noiva, na Chapada dos Guimar�es, � atribu�da a um longo per�odo sem fogo. (foto: ICMBio)

Manejo Integrado do Fogo

Jo�o Morita, do ICMBio, diz que a queima prescrita � uma das v�rias a��es que comp�em o Manejo Integrado do Fogo (MIF), pol�tica mais abrangente do �rg�o que regula o uso dessa ferramenta.

A pol�tica inclui outras t�cnicas, como o aceiro negro, quando se queimam faixas de vegeta��o para que sirvam de barreira � propaga��o das chamas.

O MIF tamb�m inclui a realiza��o de pesquisas sobre efeitos do fogo no ambiente e acordos sobre o uso de queimadas com comunidades que vivam em unidades de conserva��o ou suas imedia��es.

Segundo Morita, muitas dessas comunidades "precisam do fogo para a manuten��o de seus modos de vida".

Queimadas s�o usadas, por exemplo, na coivara, t�cnica agr�cola amplamente difundida entre povos ind�genas e comunidades rurais brasileiras.

Nela, abrem-se clareiras na mata com o aux�lio do fogo para o cultivo de alimentos. As ro�as s�o depois abandonadas at� que a floresta se regenere.

Outro exemplo � um m�todo usado no Jalap�o (TO), Oeste da Bahia e Serra do Espinha�o (MG), onde comunidades tradicionais usam o fogo para acelerar a rebrota de esp�cies vegetais usadas no seu sustento, como o capim dourado e flores sempre-vivas.

Segundo o ICMBio, hoje 197 unidades de conserva��o federais, em todos os biomas brasileiros, trabalham de alguma forma com o Manejo Integrado do Fogo (MIF).


Bombeiro tenta apagar chamas
Inc�ndio florestal de grandes propor��es na Calif�rnia, em agosto de 2021. (foto: AFP)

Em v�rios pontos do pa�s, no entanto, h� iniciativas que buscam eliminar as queimadas das zonas rurais.

Na Amaz�nia, por exemplo, �rg�os que assessoram agricultores t�m pregado a substitui��o das queimadas por t�cnicas nas quais folhas e galhos podados s�o mantidos sobre o solo at� se decomporem.

Em entrevista � BBC em novembro de 2021, o agr�nomo Osvaldo Kato, pesquisador da Embrapa Amaz�nia Oriental, disse que o crescimento da popula��o e a diminui��o das �reas de floresta eram obst�culos � manuten��o das queimadas tradicionais na Amaz�nia.

Segundo ele, "quando havia muita terra e menos gente", era poss�vel aguardar muito anos at� que as �reas queimadas para a abertura de ro�as se regenerassem e voltassem a ser cultivadas.

"Mas n�o d� mais tempo de fazer isso", afirmou.

Nesse cen�rio, segundo ele, � prefer�vel adotar m�todos agroecol�gicos, que dispensam o fogo e permitem cultivar uma mesma �rea ininterruptamente.

Al�m disso, segundo Kato, qualquer tipo de queimada injeta g�s carb�nico na atmosfera num momento em que a humanidade precisa cortar emiss�es para frear o aquecimento global.

Movimentos contr�rios �s queimadas tamb�m t�m crescido na Caatinga, onde o fogo frequente � apontado como uma das principais causas para a crescente desertifica��o no bioma.

A pr�pria legisla��o pro�be o uso do fogo para suprimir vegeta��o exceto em situa��es pontuais, como em pr�ticas de subsist�ncia de comunidades tradicionais ou em queimas controladas em unidades de conserva��o. Em �reas privadas, realizar queimadas � ilegal a menos que haja autoriza��o do �rg�o ambiental competente.


Área desertificada
�rea desertificada no interior de Alagoas, onde h� campanha para reduzir uso de queimadas (foto: Ascom - Gov. de AL)

Jo�o Morita, do ICMBio, diz que, quando muito frequente ou mal empregado, o fogo de fato pode ser bastante nocivo. � o caso, segundo ele, das queimadas usadas para substituir florestas por pastagens ou expandir monoculturas (planta��es de uma �nica esp�cie).

Esse uso do fogo empobrece o ambiente e deve ser reprimido, defende o gestor do ICMBio.

Mas ele contesta a associa��o entre qualquer tipo de queimada e o aquecimento global.

Morita diz que as queimas prescritas em ambientes de savana buscam eliminar principalmente o capim. E esse capim, quando incinerado, recupera 100% de sua massa em 18 meses, afirma ele.

Ou seja, todo o carbono emitido na queima � reabsorvido um ano e meio depois, segundo o gestor do ICMBio.

Por outro lado, diz Morita, quando inc�ndios ocorrem na esta��o seca, o fogo consome muitas �rvores al�m do capim, gerando muito mais emiss�es.

Como ele afirma que inc�ndios v�o continuar a ocorrer - sejam intencionais, acidentais ou naturais -, Morita diz que � prefer�vel agir para limitar seus danos.

O gestor diz ainda que nem todas as comunidades em unidades de conserva��o t�m condi��es de abrir m�o do fogo para abrir ro�as. Nesses casos, segundo ele, � melhor ordenar o uso das queimadas do que reprimi-las.

"N�o � todo mundo que tem um trator ou a possibilidade de receber tecnologias alternativas ao fogo para produzir alimentos", diz Jo�o Morita.

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