
O Conselho Nacional de Justi�a (CNJ), �rg�o que tem, entre suas fun��es, receber e apurar den�ncias relacionadas ao Judici�rio, informou que vai investigar a conduta da ju�za Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justi�a de Santa Catarina (TJSC), que manteve uma menina de 11 anos, gr�vida ap�s ser v�tima de estupro, em um abrigo para evitar que fizesse um aborto autorizado.
Em audi�ncia no dia 9 de maio, Ribeiro Zimmer induziu a menina de 11 anos, v�tima de estupro, a desistir de fazer um aborto legal. Trechos da sess�o foram divulgados em um v�deo publicado Portal Catarinas e pelo The Intercept (ler mais abaixo).
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"Voc� vai ao m�dico, e a gente vai fazer essa pergunta para um m�dico, mas voc�, se tivesse tudo bem, suportaria ficar mais um pouquinho?", disse a ju�za � menina.
O caso reverberou por todo o pa�s — ap�s repercuss�o negativa, a magistrada deixou a Vara da Inf�ncia onde atuava. Ela foi promovida e transferida para outra cidade. Ribeiro Zimmer alegou que j� havia sido promovida antes de o caso ter vindo � tona e resolveu aceitar o novo cargo.
A Corregedoria do Tribunal de Justi�a de Santa Catarina informou, em nota, que est� apurando a conduta da magistrada. O CNJ tamb�m confirmou � BBC News Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa, que est� analisando o caso e que j� recebeu quatro representa��es contra Ribeiro, uma delas assinada por sete de seus conselheiros (o �rg�o tem 15 integrantes). Al�m disso, recebeu outras tr�s de advogados e associa��o.
Mas o que pode acontecer com a ju�za Joana Ribeiro Zimmer? Ela pode ser realmente punida? Qual � o passo a passo da apura��o? E qual tipo de puni��o ela pode receber?
H� seis penas que podem ser aplicadas a magistrados quando h� desrespeito a qualquer dos deveres previstos no Art. 25 da Lei Org�nica da Magistratura Nacional (Loman) — sendo a mais grave a demiss�o.
No entanto, esta n�o se aplica � ju�za, uma vez que ela exerce a magistratura h� mais de dois anos.
Sendo assim, caso seja considerada culpada ao fim da sindic�ncia, a puni��o m�xima que poderia receber seria a aposentadoria compuls�ria.
Confira abaixo:
1) Advert�ncia
Trata-se da pena mais leve e aplicada ao magistrado que age de forma negligente em rela��o ao cumprimento dos deveres do cargo. S� pode ser aplicada a ju�zes de primeiro grau (como � o caso de Joana Ribeiro Zimmer).
2) Censura
A aplica��o desta puni��o ocorre quando o magistrado atua de maneira negligente repetidas vezes em rela��o ao cumprimento do cargo. Tamb�m pode ser usada apenas na puni��o de ju�zes de primeiro grau. O magistrado punido com censura n�o pode constar de lista de promo��o por merecimento por um ano, desde a data do tr�nsito em julgado.
3) Remo��o compuls�ria
Trata-se de puni��o aplic�vel tanto a ju�zes de primeira inst�ncia quanto aos de segunda inst�ncia. Nesse caso, o magistrado � transferido para outra comarca de forma obrigat�ria.
4) Disponibilidade
O magistrado � posto em disponibilidade (inatividade remunerada) ou, se n�o for vital�cio, demitido por interesse p�blico, quando a gravidade das faltas n�o justificar a aplica��o de pena de censura ou remo��o compuls�ria. S� ap�s dois anos afastado o juiz pode solicitar seu retorno ao trabalho. O prazo, por si, n�o garante o retorno. Cabe ao tribunal julgar o pleito. Durante esse per�odo, � vedado a ele exercer outras fun��es, como advocacia ou cargo p�blico, salvo um de magist�rio superior.
5) Aposentadoria compuls�ria
A aposentadoria compuls�ria � a mais grave das cinco penas disciplinares aplic�veis a ju�zes vital�cios. Afastado do cargo, o condenado segue com provento ajustado ao tempo de servi�o. Pode ser aplicada quando o magistrado: I - mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres; II - proceder de forma incompat�vel com a dignidade, a honra e o decoro de suas fun��es, ou III - demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompat�vel com o bom desempenho das atividades do Poder Judici�rio.
6) Demiss�o
S� pode ser aplicado a ju�zes ainda n�o vitaliciados (ou seja, com menos de 2 anos no cargo) Ao juiz n�o-vital�cio ser� aplicada pena de demiss�o em caso de: I - falta que derive da viola��o �s proibi��es contidas na Constitui��o Federal e nas leis; II - manifesta neglig�ncia no cumprimento dos deveres do cargo; III - procedimento incompat�vel com a dignidade, a honra e o decoro de suas fun��es; IV - escassa ou insuficiente capacidade de trabalho; ou V - proceder funcional incompat�vel com o bom desempenho das atividades do Poder Judici�rio.

Como funciona o processo?
Segundo o CNJ, na apura��o preliminar, a Corregedoria Nacional "procede � avalia��o das provas existentes, a fim de estabelecer se houve pr�tica de infra��o disciplinar, o que determina a propositura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) ou, em hip�tese contr�ria, se as provas s�o fr�geis ou insuficientes, pode acarretar o arquivamento do procedimento".
"Se a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, decidir pela instaura��o do PAD, o parecer ser� apreciado pelo Plen�rio do CNJ, quando todos os conselheiros se manifestar�o sobre o caso".
"Se o pedido for aceito, haver� abertura do processo disciplinar e a magistrada ter� garantida a ampla defesa e contradit�rio, conforme previsto na Constitui��o Federal. Encerrada a apura��o, ser� apresentado relat�rio para nova aprecia��o do Plen�rio".
Puni��es como remo��o, disponibilidade e aposentadoria compuls�ria de magistrados s� podem ser aprovadas por maioria absoluta do conselho.
O CNJ foi instalado em 2005 para exercer o controle da atua��o administrativa e financeira do Poder Judici�rio e do cumprimento dos deveres funcionais dos ju�zes.
S�o 15 membros, com mais de 35 anos e menos de 66, com mandato de dois anos, admitida a recondu��o por mais um.
O conselho � sempre presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, e a corregedoria � sempre ocupada por um ministro do Superior Tribunal de Justi�a.
Os demais membros s�o um ministro do Tribunal Superior do Trabalho; um desembargador de Tribunal de Justi�a; um juiz estadual; um juiz do Tribunal Regional Federal; um juiz federal; um juiz de Tribunal Regional do Trabalho; um juiz do trabalho; um membro do Minist�rio P�blico da Uni�o; um membro do Minist�rio P�blico Estadual; dois advogados; dois cidad�os de "not�vel saber jur�dico e reputa��o ilibada".
Atualmente o presidente do conselho � o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, e a corregedoria � ocupada pela ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, do STJ.
Ao longo de sua hist�ria, o CNJ puniu 126 ju�zes, sendo 69 (55%) com aposentadoria compuls�ria (puni��o mais severa) at� outubro do ano passado, segundo a assessoria de imprensa do �rg�o.
Entenda o caso
Em reportagem do Portal Catarinas, em parceria com o The Intercept Brasil, divulgada na segunda-feira (20/6), � poss�vel ouvir no v�deo a menina de 11 anos sendo encorajada a manter a gesta��o.
Ao falar com a crian�a, a ju�za Joana Ribeiro Zimmer pergunta: "Qual � a expectativa que voc� tem em rela��o ao beb�? Voc� quer ver ele nascer?". Depois de uma resposta negativa da v�tima, pergunta se gostaria de "escolher o nome do beb�" e se "o pai do beb�" concordaria com a entrega � ado��o.
Tamb�m faz outras perguntas como: "Quanto tempo que voc� aceitaria ficar com o beb� na tua barriga para gente acabar de formar ele, dar os medicamentos para o pulm�ozinho dele ficar maduro para a gente poder fazer essa retirada antecipada do beb� para outra pessoa cuidar se voc� quiser?"; "Voc� vai ao m�dico, e a gente vai fazer essa pergunta para um m�dico, mas voc�, se tivesse tudo bem, suportaria ficar mais um pouquinho?"; "Voc� acha que o pai do beb� concordaria com a entrega para ado��o?"
Na audi�ncia com a m�e da menina, Ribeiro Zimmer questiona sobre a gesta��o da menina.
"Quanto ao bebezinho, voc� entendeu que se fizer uma interrup��o, o beb� nasce e a gente tem que esperar esse beb� morrer? A senhora conseguiu entender isso? Que � uma crueldade? O nen�m nasce e fica chorando at� morrer."
"E a gente tem 30 mil casais que querem o beb�, que aceitam o beb�. Ent�o, essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha � a felicidade de um casal. A gente pode transformar essa trag�dia."
A m�e da crian�a ent�o diz: "� uma felicidade porque n�o est�o passando pelo o que eu estou passando".
A menina teria sofrido o abuso sexual com 10 anos. O Conselho Tutelar da cidade em que ela morava quando foi violentada acionou o Minist�rio P�blico de Santa Catarina (MPSC) que, por sua vez, ingressou com o pedido para que a crian�a fosse levada a um abrigo provisoriamente.
Ela descobriu estar com 22 semanas de gravidez ao ser encaminhada a um hospital de Florian�polis, onde lhe foi negado o procedimento para interromper a gesta��o negado e que este s� seria realizado com uma autoriza��o da Justi�a.
Na decis�o, a ju�za Ribeiro Zimmer disse que o encaminhamento ao abrigo, inicialmente feito a pedido da Vara da Inf�ncia para proteger a crian�a do agressor, agora tinha como objetivo evitar o aborto. A suspeita � que a viol�ncia sexual ocorria em casa.
A magistrada afirmou que a m�e da menina disse em ju�zo que queria o bem da filha, mas ponderou que, se a jovem n�o tivesse sido acolhida em um abrigo, teria feito o procedimento de aborto obrigada pela m�e.
Outro lado
Em entrevista ao jornal Di�rio Catarinense ap�s a divulga��o do caso, a magistrada afirmou que n�o � contra o aborto.
Ela justificou sua decis�o por um "conceito" da OMS (Organiza��o Mundial da Sa�de) e do Minist�rio da Sa�de.
"A palavra aborto tem um conceito e esse conceito � de at� 22 semanas. Esse conceito � da OMS (Organiza��o Mundial da Sa�de) e do Minist�rio da Sa�de. Isso n�o quer dizer que eu sou contra o aborto, s� que o aborto passou do prazo."
No entanto, nos tr�s casos em que a legisla��o brasileira permite o aborto (estupro, risco de vida materna ou mal forma��o fetal incompat�vel com a vida), n�o h� limite de idade gestacional.
Na entrevista, a magistrada rebateu as cr�ticas e disse que n�o quer expor a menina.
"Por coer�ncia, eu prefiro que me acusem de tudo quanto � coisa, mas a menina esteja preservada. � muita covardia eu querer me defender, eu tenho mil coisas para me defender, mas � muito covarde eu tentar me defender e expor a menina, a m�e da menina, a fam�lia. Ent�o eu prefiro aguentar sozinha essa press�o."
Ela tamb�m falou que corre "risco de vida" e n�o quer dar gastos adicionais para o tribunal em rela��o a isso, como, por exemplo, guarda-costas para a seguran�a dela.
"Tem outra quest�o que � a seguran�a institucional de que os meus dados j� foram quebrados e eu j� corro risco de vida. Ent�o, tem mais uma responsabilidade de n�o gerar um custo para o tribunal de ter que colocar seguran�as, tem mais isso. N�o posso sair falando por a� e o tribunal ter de ficar sustentando guarda-costas."
Ribeiro Zimmer atuava na �rea da Inf�ncia e Juventude desde 2004. Ap�s promo��o por "merecimento" pelo TJ-SC, ela foi transferida para a comarca de Brusque, no Vale do Itaja�, e vai atuar na Vara Comercial.
At� ser promovida, seu sal�rio era de R$ 32.004,65 mil brutos mensais. Mas, em abril, devido aos aux�lios a que tem direito, ela ganhou R$ 59.129,75 brutos.
Em nota distribu�da � imprensa, a ju�za Ribeiro Zimmer afirmou ser "de extrema import�ncia que esse caso continue a ser tratado pela inst�ncia adequada, ou seja, pela Justi�a, com toda a responsabilidade e �tica que a situa��o requer e com a devida prote��o a todos os seus direitos e garantias constitucionais".
'Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61858964'
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