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Estado de Minas RELIGI�O

Santa Clara: quem foi santa que, conforme a tradi��o, acalma chuvas em troca de ovos

Clara de Assis foi, entre outras coisas, a fundadora do ramo feminino da ordem franciscana: a Ordem de Santa Clara ou Ordem das Clarissas.


10/08/2022 06:04 - atualizado 10/08/2022 12:40


Imagem de Santa Clara feita por Simone Martini
Imagem de Santa Clara feita por Simone Martini (1312-1320), que fica na bas�lica de S�o Francisco em Assis. It�lia (foto: Reprodu��o)

Naquela que foi a primeira viagem internacional de seu pontificado, papa Francisco fez um pedido um tanto inusitado ao prefeito carioca Eduardo Paes. A chuva n�o dava tr�guas h� quatro dias e causava transtornos aos participantes da Jornada Mundial da Juventude, ocorrido no Rio em julho de 2013.

Francisco apegou-se a uma antiga tradi��o cat�lica popular. Orientou Paes que mandasse uma cesta de ovos a uma freira, para que esta colocasse aos p�s de Santa Clara.

"Isso realmente foi feito, a informa��o foi confirmada pelas [religiosas] clarissas. Um assessor da prefeitura levou a cesta e fez a oferta � Santa Clara", diz o jornalista Victor Hugo Barros, membro da Academia Brasileira de Hagiologia.

"E ao que tudo indica, deu certo, j� nos dias finais [do evento] o sol clareou. Pelo jeito Santa Clara deu um jeito com S�o Pedro l� no c�u…", comenta Barros. "Mas a gente pode ver que at� o papa Francisco � adepto dessa tradi��o popular de ofertar ovos para a santa."

Coincid�ncia ou n�o, realmente no dia seguinte ao epis�dio, o tempo limpou no Rio. Mas o fato ilustra como a fama dessa jovem em uma pequena cidade da pen�nsula it�lica no s�culo 13 segue sendo grande, seja nos altares cat�licos, seja nas simpatias populares.

Autor do livro 'Os Santos de Cada Dia', o escritor e pesquisador J. Alves explica a origem da tradi��o de se oferecer ovos para a santa. "A vers�o mais difundida hoje � aquela em que as galinhas poedeiras do convento [onde vivia Clara] foram dizimadas por uma peste", narra ele.

Ocorre que os ovos eram especialmente �teis porque com eles as freiras preparavam doces para vender — com o dinheiro arrecadado, faziam suas obras sociais. Clara ent�o implorou ajuda a Deus. "Chegou ent�o no mosteiro uma caravana de moradores de uma vila devastada por uma tempestade. Santa Clara os acolheu e os abrigou", conta Alves.

"Em forma de gratid�o, eles ofereceram suas galinhas e ovos. Feliz e agradecida, Santa Clara pediu a Deus que parasse a chuva naquela regi�o, o que lhe foi concedido", prossegue o escritor. "Assim nasceu a tradi��o de levar ovos caseiros para um convento de Clarissas, a fim de obter um bom tempo."

Barros acrescenta que, segundo essa antiga hist�ria, Clara teria avisado os viajantes que o sol faria a enchente de seu povoado "desaparecer em 15 dias". "E se voltasse a ocorrer, bastava jogarem ovos no telhado e fazerem uma ora��o a Deus, pensando no convento [das clarissas]", pontua ele. "Isso deu origem a essa lenda de que Santa Clara seria uma grande protetora contra chuvas."

O costume disseminou-se principalmente entre noivas preocupadas em ter um tempo bom no dia do casamento. "As que n�o querem chuva no grande dia levam ovos para um convento regido pelas irm�s clarissas. Mas a entrega tem de ser feita por uma pessoa do sexo feminino e os ovos deixados no altar de Santa Clara um dia antes da cerim�nia. Isso garantiria que o sol esteja brilhando na festa", conta Barros.

Ao longo da hist�ria, h� registros de que ela era invocada por navegadores, principalmente os portugueses, para acalmar tempestades.

Na MPB, Jorge Ben Jor rendeu-se � tradi��o. Em 1981, lan�ou 'Santa Clara Clareou', justamente apoiado por essa ideia. "Santa Clara, clareou/ E aqui quando chegar vai clarear/ Os meus caminhos", diz trecho da can��o.


Igreja da Porciúncula, erguida no século IV em Assis
Igreja da Porci�ncula, erguida no s�culo IV em Assis. Era nela que os primeiros franciscanos se reuniam para rezar. Hoje a igrejinha est� dentro de uma igreja maior, constru�da de forma a proteg�-la (foto: Edison Veiga)

Antes, o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) tamb�m havia citado essa caracter�stica de Clara em seu poema 'Ora��o para Aviadores'. "Santa Clara, clareai/ Estes ares./ Dai-nos ventos regulares,/ de fei��o./ Estes mares, estes ares/ Clareai. // Santa Clara, dai-nos sol.", diz trecho.

Oficialmente, Santa Clara � reconhecida pela Igreja como a padroeira da televis�o — reconhecimento concedido pelo papa Pio 12 (1876-1958) em 1958. E essa curiosa propriedade, mesmo ela tendo vivido sete s�culos antes do advento de tal tecnologia, tamb�m encontra lastro em uma narrativa popularizada na �poca.

"No final da vida, ela desejava muito participar da missa de Natal na igreja, mas por causa da sa�de [ela estava acamada], n�o poderia estar presente", relata frei Francisco Lopes Neto, da Ordem dos Frades Menores. "Pediu para estar presente espiritualmente."

E ent�o teria a cerim�nia teria aparecido a ela, como uma proje��o miraculosa, em uma das paredes de seu quarto. "Foi uma esp�cie de televis�o espiritual, s�culos antes da inven��o da televis�o", comenta Barros. "Quando as demais irm�s retornaram ao convento, a pr�pria Santa Clara teria feito quest�o de narrar tudo o que havia ocorrido na missa, com os pormenores que s� quem estivesse no templo seria capaz de faz�-los."

Caetano Veloso, em 1991, inspirou-se na hist�ria para sua m�sica 'Santa Clara, Padroeira da Televis�o'. "Santa Clara, padroeira da televis�o/ Que a televis�o n�o seja o inferno interno, ermo/ Um ver no excesso o eterno quase nada (quase nada)/ Que a televis�o n�o seja sempre vista/ Como a montra condenada, a fenestra sinistra/ Mas tomada pelo que ela �/ De poesia.", diz uma das estrofes.

A seguidora de Francisco

Clara de Assis (1194-1253) foi uma mulher de fam�lia nobre que, encantada com o radicalismo de Francisco (1181 ou 1182-1226), decidiu seguir seu exemplo: abandonar a vida de posses e entregar-se ao cuidado com os pobres.

Segundo relatos antigos, era um mo�a muito bonita e vinha sendo preparada, por sua fam�lia, para arranjar um bom casamento — que garantiria a ela uma vida de riqueza e, aos seus parentes, o pagamento de um dote excelente.


Santa Clara em imagem na Igreja da Gruta de N.Sra de Lourdes, em Guaramiranga
Santa Clara em imagem na Igreja da Gruta de N.Sra de Lourdes, em Guaramiranga (foto: Frei Francisco Lopes Neto)

Mas, ainda adolescente, ela teria ouvido algumas prega��es de Francisco e seus companheiros pelas ruas de Assis. �s escondidas, passou a apoiar o grupo, doando alimentos e ajudando-os naquela miss�o.

A partir de 1211, ela passou a se encontrar assiduamente com Francisco, enxergando nele um pai espiritual, um mentor. Aos 18 anos, ela decidiu sair de casa. "Tinha 18 anos quando fugiu e foi ao encontro de Francisco", narra J. Alves.

"Tornaram-se amigos. Naquele mesmo dia, Clara deixou que Francisco raspasse sua cabe�a e se consagrou totalmente a Deus, para uma vida de absoluta pobreza. Al�m de amigo fraterno, Francisco tornou-se seu mestre e guia espiritual, seu inspirador."

O ato de raspar a cabe�a significava o despojamento na mudan�a para a nova vida. "Clara escolheu Francisco como mestre de caminhada, um diretor espiritual", salienta Barros. "Ele disse para ela se entregar a Deus completamente."

A fuga da casa da fam�lia ocorreu, segundo os relatos antigos, pela "porta dos mortos". Trata-se de uma sa�da dos fundos, comuns em casar�es de nobres daquele tempo, que s� era utilizada para a retirada de defuntos. "Isso indica que ela tomou uma posi��o radical, de deixar para tr�s a seguran�a que ela tinha na vida abastada", interpreta Barros.

Seus familiares n�o aceitaram tranquilamente a decis�o No dia seguinte tentaram resgat�-la junto aos religiosos, mas ela, abrigada dentro de uma igreja, teria se agarrado �s toalhas do altar para que n�o fosse dali retirada.

Uma ordem feminina, com regras femininas

Acabou vivendo em diversos conventos femininos at� criar a sua pr�pria institui��o. "Seguindo os passos de Francisco, ela abandonou a vida confort�vel e abra�ou a pobreza evang�lica absoluta, fundando a chamada inicialmente Ordem das Damas Pobres", pontua J. Alves. "Como Francisco de Assis, Clara arrastou atr�s de si, n�o apenas familiares, como irm�, m�e e prima, mas tamb�m muitas jovens das fam�lias mais importantes de Assis, desejosas de um novo sentido para suas vidas."

"Ela e suas companheiras passaram a viver do trabalho de suas m�os e das esmolas que recebiam e distribu�am aos pobres e indigentes", afirma Alves.

Frei Lopes Neto ressalta a personalidade forte de Clara. "Em um per�odo em que a mulher era t�o colocada de lado, desprezada, ela precisa ser reconhecida", ressalta o religioso.

Ela acabou sendo a fundadora do ramo feminino da ordem franciscana, a Ordem de Santa Clara ou Ordem das Clarissas. Que se expandiu rapidamente. "Em 1228, j� eram 24 os mosteiros que seguiam o carisma de Santa Clara, segundo levantamento da �poca", cita Barros. No ano da morte de clara, em 1253, o n�mero havia saltado para 111.


Basílica de Santa Clara, em Assis, construída entre 1257 e 1265. É ali que está sepultada a santa
Bas�lica de Santa Clara, em Assis, constru�da entre 1257 e 1265. � ali que est� sepultada a santa (foto: Edison Veiga)

"Depois da morte de Francisco [em 1226], Clara continuou a obra fransciscana", afirma Barros. Lopes Neto compara a import�ncia de Clara para o fransciscanismo ao papel que teve S�o Paulo para a difus�o do cristianismo. "Foi ela quem deu carne, sustento, brigou, batalhou e deu testemunho de vida para que a Igreja, a hierarquia e o movimento eclesial, n�o se esquecesse do legado de Francisco", diz.

"Sua insist�ncia e sua for�a �s vezes destoam da imagem feminina que �s vezes o cinema nos faz ver [ao retrat�-la]. Ela era uma mulher muito forte, de fibra, que sabia dizer n�o, sabia dizer sim. E, por isso mesmo, foi uma grande m�e, a grande sustentadora do carisma franciscano", completa Lopes Neto.

Em um gesto que parecia muito � frente de seu tempo, ela tomou para si a tarefa de escrever a "forma de vida" da ordem que havia fundado. Ou seja: o conjunto de regras que deveria nortear o dia a dia de todas aquelas que escolhessem aderir a um convento das clarissas.

"Ela entrou para a hist�ria por ter sido a primeira mulher na hist�ria da Igreja a escrever uma regra de vida, esse conjunto de diretrizes e ensinamentos para a comunidade religiosa", frisa Barros. "Foi um gesto bastante ousado, porque o primeiro esbo�o havia sido escrito pelo papa Greg�rio 9º [(1145-1241)]. Ela assumiu o trabalho e lutou at� o fim da vida para que a regra fosse aprovada pela Igreja."

Isso teria ocorrido apenas em 9 de agosto de 1253. Dois dias antes de sua morte.

"Seu funeral teve a presen�a do papa [Inoc�ncio 4º (1195-1254)] e de cardeais, algo pouco usual naquela �poca", comenta Barros.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/curiosidades-62434627

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