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Estado de Minas IGREJA CAT�LICA

Por que Princesa Isabel, que morreu h� 100 anos, virou candidata a santa

Pedido formal de reconhecimento da santidade da brasileira tramita na Arquidiocese do Rio de Janeiro desde 2011


13/11/2021 08:43 - atualizado 13/11/2021 16:39

Princesa Isabel
Princesa Isabel herdaria o trono brasileiro caso a Rep�blica n�o houvesse sido proclamada em 1889 (foto: Reprodu��o)
Como costuma acontecer nos bastidores da Igreja Cat�lica, o processo que pretende beatificar e, no futuro, tornar santa a princesa brasileira Isabel (1846-1921) ainda tem muito mais sussurros ao p� do ouvido do que declara��es p�blicas.

Ultracat�lica, reconhecida em vida como uma pessoa "de virtudes" e chamada de "redentora" por ter promulgado a lei da aboli��o dos escravizados, a mulher que herdaria o trono brasileiro caso a Rep�blica n�o houvesse sido proclamada em 1889 � objeto de um pedido formal de reconhecimento de santidade que tramita na Arquidiocese do Rio de Janeiro desde 2011.

Tal solicita��o foi apresentada � Igreja pelo jornalista Hermes Rodrigues Nery, cat�lico conservador e coordenador do Movimento Legisla��o e Vida, e tem apoio de diversos monarquistas brasileiros.

A reportagem procurou Nery e deixou recados para ele por meio de suas redes sociais nos �ltimos dias, mas ele n�o retornou aos pedidos de entrevista.

Oficialmente, a Arquidiocese do Rio evita se posicionar. Por meio de sua assessoria de imprensa, a institui��o afirma que h� um "in�cio de conversas sobre a possibilidade" de um processo que resulte em beatifica��o e, posteriormente, em canoniza��o. Sem previs�o, entretanto, de agilidade no andamento.

Fontes ouvidas pela reportagem afirmam que paira um certo desconforto pela tem�tica. Uma parcela significativa do movimento negro contempor�neo questiona o papel atribu�do � princesa na aboli��o, alegando que essa narrativa tira o protagonismo das lutas dos pr�prios negros escravizados e ex-escravizados.

Al�m disso, h� uma preocupa��o com o crescimento de discursos monarquistas na atualidade, em meio � polariza��o ideol�gica pol�tica que divide o Brasil. N�o � toa, a pr�pria elei��o de Jair Bolsonaro estimulou que o pedido feito em 2012 desse os primeiros passos.

Oficialmente, contudo, essa demora ocorreu n�o pelo fator pol�tico, mas pela fila natural do escrit�rio da Causa dos Santos ligado � Arquidiocese do Rio. "S�o poucas pessoas trabalhando e h� outros processos em andamento", explica padre Jo�o Claudio Loureiro do Nascimento, membro do escrit�rio, onde atua como perito. "Em 2019, come�ou o trabalho de pesquisa, infelizmente interrompido por conta da pandemia."

Com a dissemina��o da covid-19, ele conta que o fechamento de arquivos, bibliotecas e outras institui��es do tipo se tornou um obst�culo para a produ��o desse dossi�.

O padre informa que s� agora, com a flexibiliza��o das regras sanit�rias, est� havendo uma retomada do processo.

Esse material � o primeiro passo em um processo de reconhecimento de santidade.

Normalmente, � aberto pela diocese onde o candidato aos altares morreu — como a princesa passou os �ltimos anos da vida exilada na Fran�a, onde morreu h� cem anos, em 14 de novembro de 1921, a arquidiocese do Rio solicitou uma transfer�ncia de foro.

80 mil documentos

O dossi� biogr�fico deve apontar para as virtudes do candidato a santo.

Os pesquisadores precisam compilar escritos de autoria do mesmo e tamb�m tudo o que se documentou a respeito dele.

Nos casos em que h� pessoas vivas que conviveram com o postulante, elas tamb�m podem ser entrevistadas.

Uma vez terminada essa fase, cabe ao bispo respons�vel aprovar ou n�o a continuidade. S� ent�o o processo � remetido ao Vaticano, a quem cabe, depois de novas an�lises, inclusive de poss�veis milagres, declar�-la beata e, mais tarde, santa.

No caso de Isabel, a pol�tica mundana conta tanto quanto a f�. H� quem acredite que uma eventual reelei��o de Bolsonaro significar� um firme andamento da causa, em raz�o de press�es de parte de sua base conservadora. Se houver uma guinada � esquerda, as pesquisas biogr�ficas j� realizadas poderiam ser arquivadas. Mas no momento s�o especula��es.

O que se sabe, contudo, � que muito trabalho j� foi feito. Isso significa que mais de 80 mil documentos sobre a vida da princesa foram analisados por uma comiss�o e esse conte�do est� sendo transformado em um imenso dossi�. Que, ent�o, precisar� ser submetido ao cardeal arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta.

"� um trabalho complexo, que requer estudos de longo prazo. Trata-se de um vulto hist�rico brasileiro e precisamos tamb�m contemplar a vida privada dela", argumenta padre Nascimento.

Ind�cios de venera��o

Coautor do livro Alegrias e Tristezas: Estudos Sobre a Autobiografia de D. Isabel do Brasil (Linotipo Digital Editora) e fundador do Instituto Cultural D. Isabel A Redentora, o historiador e advogado Bruno da Silva Antunes de Cerqueira ressalta que a princesa, ainda em vida, chegou a ser chamada de "Santa Isabel Brasileira", em um discurso pol�tico ocorrido na Igreja de Nossa Senhora do Ros�rio e S�o Benedito dos Homens Pretos, no centro do Rio, em celebra��o � aboli��o.

A igreja era um reduto do movimento negro abolicionista da �poca.

"Ainda viva, ela era considerada por muitos cat�licos, inclusive cl�rigos e freiras, uma santa. Os que conviviam com ela diziam que era uma pessoa muito boa. Era uma fama que ela tinha", comenta Cerqueira. "E dona Isabel n�o investia nisso como marketing pessoal."

"Na real, ela tinha uma personalidade autorit�ria. E a mesma coisa se d� com o catolicismo dela: era ultracat�lica e, mesmo que por cria��o liberal defendesse que as religi�es poderiam conviver, claramente era muito engajada na cren�a de que a Igreja Cat�lica era o canal de salva��o de todos os homens", explica o historiador.

Bi�grafo com diversos livros publicados sobre personagens da fam�lia imperial brasileira, o pesquisador Paulo Rezzutti atesta que h� registros hist�ricos de que a "venera��o � imagem de Isabel come�ou ainda enquanto ela era viva e perdurou por muitos anos entre os negros".

"Hoje em dia, esse culto ainda persiste, mas em outros c�rculos da sociedade, como entre os membros cat�licos do movimento monarquista brasileiro", ressalta ele.

"A mobiliza��o em reconhec�-la como santa j� existia desde que ela era viva. Sua vida era profundamente fundamentada pela f�", acrescenta padre Nascimento. "Logo ap�s a morte, esse reconhecimento foi crescendo."

Virtudes

Rezzutti explica que s�o tr�s os pontos utilizados para justificar o processo de beatifica��o de Isabel. O primeiro � a chamada "prova de virtude em grau heroico".

"No caso dela, seria sua defesa em apressar e fazer passar a Lei �urea, ainda pol�mica em 1888 devido � falta de indeniza��o que parte dos escravocratas exigia pela desapropria��o, por parte do Estado brasileiro, do que consideravam como sendo sua propriedade", afirma.

Isso se deu porque Isabel trocou o ent�o presidente do Conselho de Ministros por um nome favor�vel � lei de liberta��o imediata e sem indeniza��o.

"Enfrentou, assim, parte da elite econ�mica brasileira", diz Rezzutti.

"Numa conversa posterior com o ministro anterior, ele a parabenizou e disse que ela tinha vencido a quest�o mas perdido o trono. E ela respondeu que 'se mil tronos ela tivesse, mil tronos daria para a liberta��o dos negros'. Efetivamente o imp�rio durou pouco mais de um ano e ela nunca assumiria o trono."

Al�m disso, o bi�grafo lembra que ela "foi cultuada durante muitos anos por parte do movimento negro ligado � religi�o cat�lica".

"Ela era vista como uma santa por t�-los libertado do cativeiro. Isso persistiu, por d�cadas, ap�s a morte da princesa em 1921", afirma.

A esses pontos se soma um terceiro, que tamb�m deve constar desse dossi�: s�o relatos de poss�veis milagres, de pessoas que dizem ter sido curadas de maneira inexplic�vel � luz da medicina depois que recorreram � princesa Isabel.

Tudo, claro, precisar� ser futuramente analisado por peritos do Vaticano.

Tamb�m h� o peso pol�tico da fam�lia imperial brasileira junto � c�pula do catolicismo naquela �poca.

"� importante lembrar sua estreita liga��o com a Igreja Cat�lica, com a causa mariana e com a doutrina social da Igreja, tanto antes da Proclama��o da Rep�blica quanto ap�s sua expuls�o, com a fam�lia, do Brasil", conta Rezzutti.

"Ela, enquanto presidente regente, substituindo o pai em 1877 no trono, escreveu oficialmente o papa Pio 9°, �nico sua voz aos bispos brasileiros pela canoniza��o do padre Jos� de Anchieta."

J� no ex�lio, Isabel mobilizou o episcopado brasileiro para que, em 1900, fosse produzido no pa�s e remetido ao papa um abaixo-assinado solicitando a defini��o do dogma da Assun��o da Sant�ssima Virgem.

"Com isso, ela queria demonstrar que o Brasil era devoto � causa mariana", enfatiza o pesquisador.

No pedido submetido � diocese do Rio pelo jornalista Nery, ele cita alguns casos objetivos. Um deles seria o fato de que a princesa havia feito a promessa de limpar pessoalmente a capela de Nossa Senhora Aparecida, ent�o no munic�pio de Guaratinguet� — hoje Aparecida.

Em novembro de 1884, Isabel foi at� l� cumprir a promessa. Subiu as escadarias e varreu toda a igrejinha. Ela teria mantido o h�bito, tamb�m ajudando a limpar igrejas em Petr�polis.

Antes, em 1864, a princesa havia demonstrado sua predisposi��o abolicionista, intercedendo pela liberta��o de dez escravizados palacianos — oito deles, criados pessoais dela, dentre os quais uma lavadeira e uma engomadeira.

Por fim, a boa rela��o com a Santa S�. Em reconhecimento pelos benef�cios humanit�rios da Lei �urea, ela foi condecorada pelo papa Le�o 13 com a Rosa de Ouro, uma alta homenagem que a Igreja reserva a leigos ilustres desde 1096.

Rep�blica e isabelismo

Para o historiador Bruno da Silva Antunes de Cerqueira, a venera��o a Isabel tamb�m � "uma paga" pela aboli��o e pelo ex�lio.

"O golpe da [Proclama��o da] Rep�blica � militarista, mas vai ser favor�vel aos fazendeiros. Eles v�o massacrar o abolicionismo e o isabelismo", diz. "Ent�o essa ideia ganhou espa�o nas fam�lias da nobreza e nos negros [diretamente beneficiados]. O isabelismo se tornou uma coisa de elite e de gente muito humilde."

"Houve um esfor�o do Estado [com a Rep�blica] de apagar a mem�ria de dona Isabel e da fam�lia imperial. Mesmo assim, grupos fechados mantiveram a chama. E estamos descobrindo as informa��es em meio a tudo isso", pontua padre Nascimento.

Segundo Cerqueira, o que se viu portanto foi um aumento do culto � princesa como "uma senhora virtuos�ssima".

Como se a dist�ncia, provocada pelo ex�lio, fosse um fator que ajudasse a favorecer o mito.

"Como ela foi proibida de voltar ao Brasil, os isabelistas n�o se conformaram com isso. Passaram a incentivar que os cat�licos vissem nela uma santa, uma pessoa que se preocupou em s� fazer o bem. E que teria sido extraditada por isso", diz o historiador.

"Essa narrativa se fortaleceu muito", pontua. Ele cita casos de fi�is cat�licos manifestando essa devo��o, como no caso de uma devota que afirmava definir a imagem de Nossa Senhora Aparecida como "a princesa Isabel l� do c�u".

Padre Nascimento, o perito do escrit�rio da Causa dos Santos do Rio, lembra que o processo de Isabel s� faz sentido porque h� esses ind�cios de devo��o popular.

"A Igreja n�o fabrica santos. O que fabrica santos � a pr�pria santidade do indiv�duo", ressalta. "E quem reconhece a santidade de uma pessoa � o povo. � o povo que cria essa devo��o e a fama de santidade vai se espalhando."

Ele ressalta que todo o processo vem sendo feito cumprindo minuciosamente os ritos. "Est�o sendo fundamentadas as virtudes teologais dela, ou seja, a f�, a esperan�a e a caridade", explica. "Vamos ver na vida de dona Isabel argumentos que possam fundamentar [essas virtudes]. A pr�pria vida dela � que vai ser o argumento."

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