
Comprova Explica: A pol�tica de redu��o de danos re�ne uma s�rie de estrat�gias que visam cuidar das pessoas que usam drogas, conferindo a elas maior qualidade de vida. As interven��es buscam, ainda, reduzir os riscos de infec��es sexualmente transmiss�veis.
As cartilhas que tratam do assunto n�o s�o voltadas para escolas, mas para profissionais de sa�de que atuam com pessoas que fazem o uso eventual de drogas e dependentes qu�micos. A iniciativa, cujo hist�rico aponta para o ano de 1926 na Inglaterra, � adotada em diversos pa�ses com resultados positivos na assist�ncia ao p�blico que faz uso de drogas. Ao longo do texto, utilizamos o termo usu�rio para fazer refer�ncia a qualquer pessoa que utilize subst�ncias psicoativas.
Conte�do analisado: V�deo da candidata ao Senado Damares Alves (Republicanos), ex-ministra da Mulher, Fam�lia e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro (PL), em que ela acusa a gest�o do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) de “motivar” adolescentes e jovens a usar drogas. No v�deo, publicado no YouTube, Damares l� conte�do de cartilha que trata sobre o uso de entorpecentes e, ao fundo, aparecem imagens de trechos destacados da publica��o. H� tamb�m uma inser��o de fotos de Lula, candidato � Presid�ncia da Rep�blica, com um fundo preto e as inscri��es: “Governo Lula ensinava em cartilha como os jovens deveriam usar crack.” A ex-ministra diz que essa era a pol�tica de preven��o ao uso de �lcool e drogas na administra��o petista.
Comprova Explica: O v�deo de Damares Alves colocou em debate a preven��o ao uso de �lcool e outras drogas durante as administra��es do PT. No v�deo, a ex-ministra afirma que, no governo Lula, adolescentes e jovens eram ensinados a utilizar entorpecentes. O discurso saiu do YouTube e ganhou as redes sociais, com discuss�es sobre a pol�tica adotada na gest�o petista.
A cartilha apresentada pela ex-ministra de fato foi produzida pelo Minist�rio da Sa�de, � �poca sob o comando do ministro Jos� Gomes Tempor�o, no governo Lula, mas tinha como foco servi�os de sa�de que acolhem usu�rios de drogas e dependentes qu�micos. Seu objetivo era auxiliar os profissionais dedicados a lidar com pessoas que se recusam a abandonar o uso de entorpecentes, mas que desejam evitar outros problemas correlacionados, como doen�as transmiss�veis, por exemplo. A��es neste sentido constituem a chamada pol�tica de redu��o de danos.
Com a repercuss�o do caso, o Comprova decidiu explicar o que significa a pol�tica de redu��o de danos divulgada por Damares e que havia sido implementada nos governos do PT.
Cartilha apresentada por Damares Alves era distribu�da entre profissionais de sa�de
Os trechos da cartilha lidos por Damares Alves fazem parte do �lbum seriado “Preven��o �s IST, HIV/Aids e Hepatites entre pessoas que usam �lcool e outras drogas”, segundo Maria Ang�lica de Castro Comis, psic�loga e integrante da organiza��o Rede Brasileira de Redu��o de Danos e Direitos Humanos (Reduc).
A especialista informa ao Comprova que o material foi veiculado em 2008 e era destinado a profissionais do Sistema �nico de Sa�de (SUS) que atuavam junto aos usu�rios e dependentes qu�micos.
Conforme informou o Minist�rio da Sa�de em Nota T�cnica de janeiro de 2019, ao responder a um requerimento do ent�o deputado federal Miguel Martini, que era do PHS naquele per�odo, foram produzidos 10 mil �lbuns seriados ao custo de R$ 32.200 (R$ 3,22 cada) e, na �poca, 1.356 ainda estavam em estoque. A distribui��o foi feita por mala direta aos Centros de Aten��o Psicossocial (CAPs), aos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) e aos Servi�os de Aten��o Especializada em HIV/Aids (SAE).
Acompanhava o material uma orienta��o expressa para que fossem utilizados exclusivamente por profissionais de sa�de e organiza��es da sociedade civil para o trabalho dirigido �s pessoas que usam �lcool e outras drogas, em servi�os espec�ficos e em campo. O Comprova teve acesso ao documento via Lei de Acesso � Informa��o, fornecido pela C�mara dos Deputados.
O �lbum compunha um kit lan�ado em 10 de outubro de 2008 que inclu�a cart�o para qualquer usu�rio de subst�ncias psicoativas, com espa�o para anota��o do endere�o do servi�o de refer�ncia, e cartaz com informa��es referentes � redu��o de danos.
O objetivo do material era servir de apoio ao trabalho dos profissionais de sa�de e dos agentes que atuam com redu��o de danos na abordagem dos usu�rios de �lcool e outras drogas. “O conjunto de materiais foi concebido para contribuir na melhoria do acolhimento das pessoas que usam �lcool e outras drogas dentro do sistema de sa�de e para combater o preconceito, o estigma e a discrimina��o”, informa a nota t�cnica.
Segundo o documento, o acolhimento de qualidade possibilita a promo��o da sa�de, estrutura v�nculos de confian�a, fortalece a auto-estima, estimula o usu�rio a cuidar de si. “Para quem usa �lcool e outras drogas, isso pode significar redu��o de vulnerabilidade, preven��o de doen�as, diminui��o/interrup��o do consumo de subst�ncias psicoativas”, conclui o texto.
Doutora em Sa�de Coletiva e pesquisadora do Grupo de Estudos em �lcool e Outras Drogas da Universidade Federal de Pernambuco (GEAD/UFPE), Rossana Rameh acrescenta que a cartilha visava atingir usu�rios de drogas pesadas, inclusive injet�veis, e o segmento espec�fico de profissionais que lidam com esse p�blico. “N�o � uma tela para ser distribu�da na escolinha ou em qualquer servi�o de sa�de”, afirma. “Era criado e feito para usu�rios de drogas, pessoas que dizem ‘eu uso e n�o quero parar, n�o tenho condi��es de parar, quero usar sem me ferrar tanto, o que eu fa�o?’”, diz.
O que � a pol�tica de redu��o de danos
Rossana Rameh ressalta que a redu��o de danos � uma pol�tica feita diretamente com o usu�rio de drogas e considera que a sociedade nunca esteve e nunca estar� livre das drogas. Assim, afirma, a perspectiva levada em conta � que as pessoas v�o continuar usando drogas independentemente de o governo manter ou n�o uma pol�tica proibicionista.
A especialista diz, ainda, que a redu��o de danos � um conjunto de estrat�gias e interven��es que visam cuidar das pessoas que usam drogas, inclusive incentivando-as a parar de us�-las, se esse for o desejo delas. Essa pol�tica, continua Rossana, n�o nega abstin�ncia, mas tamb�m considera que algumas pessoas n�o v�o desejar parar ou n�o poder�o parar de imediato. “Isso � uma coisa mais complexa, mas que a gente precisa dizer que algumas pessoas v�o usar drogas na vida”.
Para Maria Ang�lica de Castro Comis, que atua na �rea, a redu��o de danos � uma pol�tica que busca melhorar a qualidade de vida das pessoas, principalmente aquelas que usam drogas, al�m de prevenir as infec��es sexualmente transmiss�veis.
“A redu��o de danos tem como objetivo modificar o padr�o de uso de drogas, reduzir os agravos de sa�de e sociais das pessoas mais vulner�veis, como usu�rias de drogas, profissionais do sexo, pessoas em situa��o de rua, entre outros”, diz.
A psic�loga refor�a que a redu��o de danos n�o tem como principal objetivo levar o usu�rio � abstin�ncia, mas sim incentivar o cuidado. “A redu��o de danos pode ser um caminho para a abstin�ncia, mas por ser uma pol�tica com baixa exig�ncia muitas vezes � arbitrariamente acusada de apologia ao uso de drogas”, afirma Maria Ang�lica.
Wander Wilson J�nior, doutor em Ci�ncias Sociais e pesquisador de drogas, sa�de mental e redu��o de danos, afirma o mesmo. Segundo ele, a redu��o de danos n�o se trata de incitar ou n�o o uso de entorpecentes, mas falar francamente sobre o que � o uso e lidar com uma realidade concreta que � a exist�ncia de usu�rios.
“Essa erradica��o e esse mundo sem drogas � uma utopia que nunca se cumpre, nunca vai se cumprir, e inclusive isso tem um papel em manter o que se chama de guerras �s drogas, esse fracasso que nunca se cumpre, se mant�m sempre como promessa e a resposta para essa promessa � sempre mais encarceramento, sempre menos conversa franca”, argumenta.
O especialista explica que a redu��o de danos � uma pol�tica p�blica de sa�de, bem como uma tentativa �tica de cuidado com as pessoas que usam drogas. “Voc� vai ver o usu�rio como uma pessoa que usa drogas, e se ele tiver sofrimento relacionado ao uso de drogas e o uso for considerado problem�tico, seja ele diagnosticado como depend�ncia ou n�o, voc� vai montar, junto com essa pessoa, possibilidades de cuidado para produzir uma vida que vale a pena ser vivida”, afirma.
Ele destaca, por�m, que este processo � feito de forma conjunta. “Voc� n�o vai impor uma forma de cuidado e uma moral de cima para baixo para essa pessoa, mas vai construir junto com ela”, diz: “Algumas pessoas n�o v�o querer parar de usar drogas, outras v�o colocar isso como uma meta e ir�o demorar algum tempo, ter�o suas dificuldades, e voc� n�o vai colocar a abstin�ncia de drogas como uma exig�ncia de cuidado com essa pessoa”.
Hist�rico da estrat�gia de redu��o de danos
Wander Wilson J�nior resgata a hist�ria da estrat�gia de redu��o de danos retornando ao ano de 1926, quando um relat�rio ingl�s chamado Rolleston tentou formalizar a pr�tica, a partir da experi�ncia de soldados em guerra.
Muitos combatentes voltaram ao seu pa�s dependentes de opioides (morfina) e alguns deles n�o conseguiam parar de utiliz�-los, mesmo querendo, o que atrapalhava a vida que levavam.
“Se formalizou uma possibilidade cl�nico-terap�utica de se ter uma prescri��o m�dica de opioides com doses manej�veis para que a pessoa continuasse consumindo opioides, mas mantendo a sua vida, a sua rotina corriqueira, de forma produtiva”.
No Brasil, aponta Wander Wilson J�nior, o ano de 1989 foi um marco importante quando a Prefeitura de Santos, no litoral de S�o Paulo, tentou implementar uma pol�tica de distribui��o de seringas descart�veis na regi�o portu�ria, considerando a alta incid�ncia de infec��o por HIV decorrente do consumo de coca�na injet�vel. “Mas essa pol�tica teve que retroceder baseada numa press�o moral que envolvia m�dia, religi�o e a sociedade de modo geral”, afirma.
Wander Wilson J�nior, doutor em Ci�ncias Sociais e pesquisador de drogas, sa�de mental e redu��o de danos, afirma o mesmo. Segundo ele, a redu��o de danos n�o se trata de incitar ou n�o o uso de entorpecentes, mas falar francamente sobre o que � o uso e lidar com uma realidade concreta que � a exist�ncia de usu�rios.
“Essa erradica��o e esse mundo sem drogas � uma utopia que nunca se cumpre, nunca vai se cumprir, e inclusive isso tem um papel em manter o que se chama de guerras �s drogas, esse fracasso que nunca se cumpre, se mant�m sempre como promessa e a resposta para essa promessa � sempre mais encarceramento, sempre menos conversa franca”, argumenta.
O especialista explica que a redu��o de danos � uma pol�tica p�blica de sa�de, bem como uma tentativa �tica de cuidado com as pessoas que usam drogas.
“Voc� vai ver o usu�rio como uma pessoa que usa drogas, e se ele tiver sofrimento relacionado ao uso de drogas e o uso for considerado problem�tico, seja ele diagnosticado como depend�ncia ou n�o, voc� vai montar, junto com essa pessoa, possibilidades de cuidado para produzir uma vida que vale a pena ser vivida”, afirma.
Ele destaca, por�m, que este processo � feito de forma conjunta. “Voc� n�o vai impor uma forma de cuidado e uma moral de cima para baixo para essa pessoa, mas vai construir junto com ela”, diz: “Algumas pessoas n�o v�o querer parar de usar drogas, outras v�o colocar isso como uma meta e ir�o demorar algum tempo, ter�o suas dificuldades, e voc� n�o vai colocar a abstin�ncia de drogas como uma exig�ncia de cuidado com essa pessoa”.
Hist�rico da estrat�gia de redu��o de danos
Wander Wilson J�nior resgata a hist�ria da estrat�gia de redu��o de danos retornando ao ano de 1926, quando um relat�rio ingl�s chamado Rolleston tentou formalizar a pr�tica, a partir da experi�ncia de soldados em guerra.
Muitos combatentes voltaram ao seu pa�s dependentes de opioides (morfina) e alguns deles n�o conseguiam parar de utiliz�-los, mesmo querendo, o que atrapalhava a vida que levavam.
“Se formalizou uma possibilidade cl�nico-terap�utica de se ter uma prescri��o m�dica de opioides com doses manej�veis para que a pessoa continuasse consumindo opioides, mas mantendo a sua vida, a sua rotina corriqueira, de forma produtiva”.
No Brasil, aponta Wander Wilson J�nior, o ano de 1989 foi um marco importante quando a Prefeitura de Santos, no litoral de S�o Paulo, tentou implementar uma pol�tica de distribui��o de seringas descart�veis na regi�o portu�ria, considerando a alta incid�ncia de infec��o por HIV decorrente do consumo de coca�na injet�vel. “Mas essa pol�tica teve que retroceder baseada numa press�o moral que envolvia m�dia, religi�o e a sociedade de modo geral”, afirma.
Em mar�o de 1997, S�o Paulo aprovou a primeira Lei Estadual de Redu��o de Danos (9.758/97). Sete anos depois, em outubro de 2004, a Portaria 2.197 integra a Redu��o de Danos ao SUS e as a��es s�o regulamentadas pelo Minist�rio da Sa�de pela Portaria 1028, de julho de 2005. No mesmo ano, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Pol�ticas sobre Drogas a Pol�tica Nacional Sobre Drogas, com um cap�tulo destinado � redu��o de danos. J� em 2006, foi sancionada a Lei 11.343, que excluiu a pena de pris�o para usu�rios de subst�ncias il�citas.
Ap�s a publica��o desta verifica��o, o Minist�rio da Sa�de enviou resposta ao contato anterior da equipe do Comprova. Na nota, o �rg�o n�o informa se adota, atualmente, alguma pol�tica de redu��o de danos. Al�m disso, o minist�rio n�o deu um posicionamento acerca das afirma��es feitas pela ex-ministra Damares. O Minist�rio informou apenas sobre medidas de atendimento psicossocial realizadas atualmente.
Pol�tica de redu��o de danos em outros pa�ses
A pol�tica de redu��o de danos n�o � uma exclusividade do Brasil. V�rios pa�ses implementaram a estrat�gia, visando minimizar os impactos do uso de drogas. Maria Ang�lica afirma que a medida � amplamente adotada em pa�ses como Canad�, Alemanha, Su��a, Austr�lia, Estados Unidos, Holanda, Espanha, Portugal e Fran�a. Nesses locais, segundo ela, as pol�ticas de redu��o de danos est�o articuladas a outras pol�ticas p�blicas de sa�de, assist�ncia social, habitacional, seguran�a p�blica e trabalho. “Muitos desses pa�ses t�m espa�os de uso seguro de drogas, que evitam mortes por overdose e s�o articulados com servi�os para desintoxica��o”, afirma.
Para Rossana Rameh, a utiliza��o de salas seguras, como ocorre na Su��a e Espanha, por exemplo, est� longe de ocorrer no Brasil. “Aqui � algo extremamente impens�vel nos dias atuais, no sentido do moralismo, do medo”, diz.
A pesquisadora observa que, no Brasil, fala-se muito em guerra �s drogas, mas ela avalia que essa guerra � mais voltada aos usu�rios. “E tem um foco. Essa guerra tem cor e classe social. O Uruguai, com toda a sua pol�tica de regula��o do uso da cannabis, traz uma regulamenta��o que facilita o controle dessa subst�ncia e do usu�rio. H� um mapeamento dessas pessoas de forma muito tranquila, sem julgamento e persegui��o, mas com a possibilidade de essas pessoas n�o se colocarem mais em risco e em viol�ncia porque est�o comprando uma subst�ncia numa boca de fumo, por exemplo.”
Wander Wilson pontua que as abordagens nos diversos pa�ses que adotam as estrat�gias podem ser diferentes, pensando no territ�rio e nas especificidades de cada lugar, mas est�o frequentemente articuladas com outras pol�ticas, estabelecendo uma rede de cuidado.
Por que explicamos: O Comprova investiga conte�dos suspeitos sobre a pandemia, elei��es presidenciais e pol�ticas p�blicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. A ferramenta Comprova Explica � utilizada para a divulga��o de informa��es a partir de conte�dos que viralizam e causam confus�o. A redu��o de danos � uma estrat�gia de sa�de p�blica que busca controlar consequ�ncias adversas ao consumo de psicoativos – l�citos ou il�citos — sem, necessariamente, interromper esse uso. A estrat�gia n�o deve ser confundida com apologia ao consumo.
Alcance da publica��o: At� o dia 12 de agosto, o v�deo da Damares Alves alcan�ou mais de 10,7 mil visualiza��es no YouTube.
Outras publica��es sobre o tema: O v�deo da ex-ministra repercutiu na imprensa profissional nesta semana (Veja, Correio Braziliense), mas este n�o � o �nico tema relacionado a Lula recentemente. O Comprova j� demonstrou em outras verifica��es que o ex-presidente n�o disse que vai implantar a ditadura no Brasil, nem h� registros de declara��es de Lula para eliminar o agroneg�cio da Terra. H� dois anos, o G1 apontou que era fake a alega��o de que governos do PT haviam criado “bolsa usu�rio” para viciados em drogas.
Esta reportagem foi atualizada em 15 de agosto para incorporar informa��es enviadas pelo Minist�rio da Sa�de e recebidas ap�s a publica��o.