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Estado de Minas DRAMA FAMILIAR

'N�o sabia se ela estava viva ou morta': a jovem que reencontrou a m�e dependente qu�mica ap�s cinco anos na Cracol�ndia

Julia postou seu relato nas redes sociais e recebeu muitas mensagens sobre casos parecidos com o seu: 'Em v�rios momentos, achei que era a �nica no mundo a viver uma hist�ria assim'.


27/08/2022 08:22 - atualizado 28/08/2022 18:50


Usuários de drogas se reúnem para fumar crack na região conhecida como Cracolândia, em São Paulo
Usu�rios de drogas se re�nem para fumar crack na regi�o conhecida como Cracol�ndia, em S�o Paulo (foto: AFP)

Julia tem 26 anos e passou os �ltimos cinco sem saber se sua m�e, dependente qu�mica, estava viva.

Depois que a m�e deixou a cidade onde as duas moravam no sul do pa�s e se mudou para S�o Paulo, em 2015, elas perderam quase todo o contato.

Nos primeiros dois anos ap�s a mudan�a, Julia afirma que ainda recebia not�cias de tempos em tempos por meio de sua av�, que mantinha uma rela��o distante com a filha. Mas depois que a av� faleceu, toda comunica��o foi perdida.

"Fiquei praticamente cinco anos sem saber se minha m�e estava viva ou morta", conta Julia � BBC News Brasil. "Essa d�vida me matava."

"O mais dif�cil foi ficar sem saber se deveria criar esperan�a de ver ela novamente e correr o risco de me decepcionar."

A �nica not�cia que a jovem recebeu da m�e durante esse per�odo veio de um amigo, que a encontrou por acaso h� cerca de tr�s anos nas ruas do centro de S�o Paulo, na regi�o conhecida como Cracol�ndia, �rea conhecida por abrigar dependentes qu�micos e traficantes.

"Ele me disse que ela estava extremamente magra e sem alguns dentes. Ele ficou t�o abalado que nem conseguiu pegar um contato", diz.

H� cerca de dois meses, por�m, as duas se reencontraram.

A fam�lia de Julia recebeu no final de junho uma liga��o de um hospital em S�o Paulo, onde a m�e da jovem estava internada ap�s ser atropelada por um carro.

"Fiquei muito feliz quando recebi not�cias", conta. "Ao mesmo tempo tive medo, porque n�o sabia o que esperar quando a visse novamente."

"Mas decidi dar uma chance para ela e a ajudar na recupera��o."

Julia viu a m�e pela primeira vez pela tela de seu celular, em uma chamada de v�deo. "Eu n�o tinha condi��es de viajar para S�o Paulo, ent�o os enfermeiros do hospital me ajudaram a falar com ela pelo telefone", diz.

"Quando vi o rosto dela pela primeira vez foi bastante dif�cil, pois ela estava muito diferente do que me lembrava, muito magra e debilitada."


Cracolândia em São Paulo
Cracol�ndia em S�o Paulo (foto: AFP)

Em S�o Paulo, segundo Julia, a m�e provavelmente passou muito tempo morando nas ruas ou em meio a outros usu�rios de crack que ocupam algumas ruas no centro da cidade.

"Mas ela me disse que tamb�m ficava em albergues algumas noites", relata.

Julia contou com a ajuda do hospital para transferi-la at� a cidade onde mora.

Ap�s algumas semanas em uma cl�nica psiqui�trica, onde passou por um processo de desintoxica��o, a m�e recebeu alta e foi levada para casa.

Desde o in�cio de agosto ela est� internada em um centro de reabilita��o. "Ela est� progredindo, j� est� ganhando peso e com a apar�ncia melhor", diz a filha.

"O tratamento completo deve durar nove meses, mas � totalmente volunt�rio. Ela tem me dito que est� empenhada em melhorar e que quer ficar l�, mas n�o podemos obrig�-la a nada."

"Estou bastante positiva, mas ao mesmo tempo tentando n�o criar expectativas demais, porque sei que pode ser um processo dif�cil".

'A cidade a engoliu'

Julia conta que essa n�o foi a primeira vez que a m�e se envolveu com o crack. "O v�cio est� presente na vida dela desde os 15 anos, quando ela come�ou a usar drogas", diz.

Ainda na adolesc�ncia, a m�e foi internada em uma primeira cl�nica de reabilita��o e, ap�s engravidar aos 18 anos, passou um longo per�odo s�bria. Mas em 2013, quando se mudou para o Rio de Janeiro, Julia acredita que ela voltou a usar drogas.

"Ela passou cerca de dois anos no Rio e em 2015 foi para S�o Paulo. Foi a� que a cidade a engoliu", conta � BBC News Brasil.

"Sempre fui muito apegada � minha m�e e durante os anos que passei longe dela sentia muita falta, especialmente do afeto", diz. "Minha m�e sempre foi a pessoa que me dava carinho, abra�os e contato f�sico."

"Cheguei ao fundo do po�o v�rias vezes depois que ela foi embora e minha av� faleceu. Mas desde o ano passado estou me sentindo melhor, com acompanhamento psicol�gico e fazendo terapia."

'Achava que era a �nica no mundo'

Um dia antes de sua m�e receber alta da cl�nica psiqui�trica onde ficou internada por algumas semanas, Julia decidiu compartilhar sua hist�ria nas redes sociais.

"Estava muito ansiosa para peg�-la no hospital e lev�-la para casa. Estava insegura em ficar sozinha com ela", diz. "A� decidi postar minha hist�ria no TikTok como uma forma de desabafo."

O primeiro v�deo de Julia sobre sua trajet�ria com a m�e j� tem mais de 14 milh�es de visualiza��es no aplicativo. Desde ent�o ela vem postando atualiza��es sempre que recebe not�cias da m�e e seu progresso na reabilita��o.

"Imaginei que o v�deo poderia viralizar, mas n�o dessa forma", conta. "Desde que postei tenho recebido muitas mensagens de pessoas que t�m hist�rias parecidas com a minha e enfrentam problemas com familiares dependentes."

"Fiquei bastante surpresa, porque em v�rios momentos achava que era a �nica pessoa no mundo a viver uma hist�ria assim. A gente sempre pensa que o nosso problema � o pior do mundo, n�?"

"Mas n�o � verdade e, de certa forma, ouvir os relatos me ajudou um pouco. E fico feliz em tamb�m poder ajudar outras pessoas da mesma forma."

Julia diz que o principal conselho que d� a todos que entram em contato com ela � procurar acompanhamento psicol�gico. "Digo sempre para procurarem terapia. �s vezes as pessoas podem se concentrar apenas em ajudar os pais dependentes e acabam esquecendo de si mesmos. Isso n�o pode acontecer", afirma.

Um problema social

O drama vivido por Julia � comum entre os familiares dos centenas de dependentes qu�micos que vivem no centro de S�o Paulo atualmente.

A regi�o conhecida como Cracol�ndia � um dos principais problemas sociais da cidade desde o in�cio da d�cada de 1990, quando o entorno da pra�a J�lio Prestes, na regi�o da Luz, passou a ser ponto de concentra��o de usu�rios de drogas, principalmente crack. Mais recentemente, a cena aberta de uso de drogas se mudou para a pra�a Princesa Isabel, a poucos metros dali.

Ap�s uma opera��o policial em maio de 2022, os dependentes qu�micos e moradores de rua se dispersaram, mas n�o deixaram as ruas da parte central de S�o Paulo.

Segundo um levantamento de julho de 2022, feito pelo LabCidade, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de S�o Paulo, um total de 1.000 a 2.000 pessoas transitam em pequenas aglomera��es por diversas esquinas da regi�o da Luz, Santa Cec�lia, Rep�blica e Campos El�seos.

Diferentes governos j� tentaram acabar com a concentra��o, mas nenhuma a��o foi totalmente bem-sucedida at� o momento.

"Fen�menos semelhantes a Cracol�ndia existem em diversas grandes cidades do mundo e s�o resultado de diversas quest�es — como falta de moradia; incapacidade do mercado de trabalho de absorver toda a m�o de obra dispon�vel; insufici�ncia de pol�ticas de aten��o � sa�de mental", diz o estudo do LabCidade.

"Por isso, as pol�ticas p�blicas com melhores resultados no enfrentamento desse tipo de situa��o em outras partes do mundo s�o justamente as a��es que buscam ao menos amenizar os problemas relacionados ao consumo abusivo de drogas e a falta de moradia".


Dependentes químicos na Cracolândia
Segundo levantamento de julho de 2022 do LabCidade, at� 2.000 pessoas transitam em pequenas aglomera��es por diversas esquinas na regi�o da Cracol�ndia em SP (foto: AFP)

Outro estudo, desenvolvido por pesquisadores do Centro de Pesquisa de V�cios da Noruega (UiO), pela Universidade de Oslo e pelo King's College de Londres em 2014, analisou o caso de cinco cidades europeias que tamb�m tiveram problemas com cenas aberta de uso de drogas e compilou algumas das solu��es adotadas por elas para reverter a situa��o.

Segundo Thomas Clausen, professor da Universidade de Oslo, membro do UiO e um dos autores do estudo, opera��es policiais para dispersar cenas abertas de uso de drogas tendem a n�o ser bem-sucedidas quando n�o combinadas com a��es de assist�ncia social e tratamentos.

"Se a pol�cia remover um grupo de pessoas de um determinado lugar da cidade, eles precisar�o ir para outro", diz o m�dico � BBC News Brasil. "Somente a pol�cia n�o � capaz de resolver o problema".

"A chave aqui � disponibilizar servi�os de habita��o, tratamento e sa�de em diferentes �reas pr�ximas das pessoas necessitadas. Isso inclui servi�os sociais, habita��o, servi�os de depend�ncia e servi�os de sa�de", afirma Clausen, que no estudo analisou os casos de Amsterd�, Zurique, Viena, Lisboa e Frankfurt.

"Salas seguras de consumo de drogas e servi�os de consumo assistido de drogas de baixo limiar, tamb�m precisam ser estabelecidos como parte do tratamento."

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62636818

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