
Ap�s seis dias de julgamento, o Tribunal do J�ri da Comarca de Niter�i (RJ) condenou a ex-deputada federal Flordelis dos Santos Souza a 50 anos e 28 dias de reclus�o, em regime fechado, por ser mandante do homic�dio triplamente qualificado -motivo torpe, emprego de meio cruel e de recurso que impossibilitou a defesa da v�tima- do pastor Anderson do Carmo.
Ela tamb�m foi considerada culpada pela tentativa de homic�dio com uso de veneno, falsifica��o de documento e associa��o criminosa armada.
Sua filha, Simone Rodrigues, foi condenada a 31 anos, 4 meses e 20 dias de reclus�o, em regime fechado, por homic�dio triplamente qualificado, tentativa de homic�dio e associa��o criminosa armada.
Seus filhos Andr� Luiz Oliveira e Marzy Teixeira, al�m da neta Rayane dos Santos, foram considerados inocentes de participa��o no homic�dio triplamente qualificado, tentativa de homic�dio e associa��o criminosa armada.
Flordelis, 61, est� presa desde agosto do ano passado e n�o quis estar presente na leitura da senten�a. Seu namorado, o produtor musical Allan dos Santos, chorou e foi amparado ap�s a condena��o, assim como filhos presentes no plen�rio.
A senten�a foi proferida pela ju�za Nearis Carvalho Arce, ap�s quase 24 horas do in�cio do �ltimo dia de julgamento, no s�bado (12), com in�cio �s 9h da manh�. Por conta da hora avan�ada, a ju�za fez a leitura somente das condena��es.
Ao longo do julgamento, foram ouvidas 23 testemunhas, sendo 13 de acusa��o.
Entre as testemunhas de defesa, duas filhas e duas netas de Flordelis relataram que presenciaram ou sofreram abusos sexuais de Carmo. Em seu depoimento, a pastora afirmou que sofria constantes agress�es f�sicas e sexuais do marido.
A principal linha da defesa foi tentar convencer os jurados de que o crime fora cometido por Fl�vio dos Santos Rodrigues, filho biol�gico da ex-deputada, como forma de defesa contra supostos sexuais de Carmo contra os irm�os. Na tese, Rodrigues teria tomado a decis�o por conta pr�pria, sem mandante.
Rodrigues foi julgado em novembro de 2021 e condenado a 33 anos de pris�o por ter realizado os disparos.
Em sua sustenta��o, a promotora Mariah Paix�o disse que essa foi "mais uma tese de conveni�ncia, extremamente violadora da mem�ria da v�tima, na tentativa de colocar Anderson do Carmo no banco dos r�us, quando ele � a v�tima".
Para caracterizar a materialidade da tentativa de envenenamento, negada pelos r�us, a Promotoria mostrou di�logos entre os irm�os Marzy e Oliveira. Na conversa, ocorrida cerca de dois meses antes do crime, Marzy pede para Oliveira comprar chumbinho (veneno para matar ratos) e indica onde poderia adquiri-lo.
Oliveira responde que "est� chovendo, engarrafado" e pergunta se poderia ser outro dia. Marzy retruca: "A m�e [Flordelis] est� pedindo para comprar, para hoje, para hoje. Esse � o �nico que funciona, os outros t�m cor". Quando Oliveira responde ter achado, Marzy escreve: "Aleluia".
A Promotoria tamb�m mostrou uma s�rie de buscas feitas por Simone na internet com as palavras "cianeto comprar" e "cianeto nos alimentos". J� sua filha, Rayane, n�o respondeu por esse crime.
A investiga��o apontou que Carmo procurou o hospital por pelo menos seis vezes, com fortes dores no est�mago. Apesar de n�o terem sido feitos exames no corpo, peritos afirmaram que os sintomas s�o compat�veis com quadros de envenenamento.
Flordelis tamb�m teria escrito, de acordo com o programa de recupera��o de mensagens apresentado pela Promotoria a um dos filhos: "Vamos sofrer pra caramba, mas vai passar. S� essa ajuda que preciso, que voc� fa�a ele comer ou beber alguma coisa, um arroz fresquinho com um franguinho que n�o faz mal. S� isso".
Testemunhas de acusa��o tamb�m disseram que souberam que veneno era colocado na comida de Carmo.
Paula do V�lei e louvores
A Promotoria tamb�m afirmou que Paula Barros, ex-jogadora de v�lei da sele��o brasileira e formada em psicologia, conhecida como Paula do V�lei, poderia ter auxiliado a manipular depoimentos de familiares de Flordelis.
Os promotores mostraram depoimentos de filhas menores de idade ao Conselho Tutelar. Neles, elas afirmaram terem sido treinadas por Paula para prestar relatos � pol�cia e evitar incriminar Flordelis.
Procurada pela reportagem a comentar o caso, Paula Barros respondeu que foi abordada por assessor de Flordelis para ajudar no caso, ap�s os familiares realizaram depoimentos na delegacia. "Nunca preparei ningu�m para depoimento algum", afirmou.
"Vou processar as pessoas que fizeram esses tipos de declara��es com intuito de difamar e descredenciar a minha conduta como pessoa e profissional", disse tamb�m.
Paula do V�lei acompanhou quase todos os dias do julgamento. Na madrugada deste domingo (13), �s 3h, cantava louvores no corredor que d� acesso ao tribunal, ao lado de filhos de Flordelis, durante as alega��es finais.
Ainda durante a fase de depoimentos, chamou � aten��o os relatos de poss�veis incestos. A delegada B�rbara Lomba afirmou que "n�o havia o amor de pai e m�e, eles conviviam e as pessoas tinham rela��es com elas de cunho sexual", sobre o relacionamento de Flordelis e Carmo com os filhos afetivos.
J� a advogada de defesa de Flordelis, Janira Rocha, disse aos jurados que a m�dia e a Promotoria constru�ram uma imagem sobrenatural de sua cliente. "Falam que ela fazia rituais sat�nicos, passam uma ideia de bruxa, de algo demon�aco [mostra depoimento de um homem que relata ter visto Flordelis virar uma serpente]. Isso aparta ela do mundo real, a coloca no sobrenatural e tira seus direitos. E, no campo do sobrenatural, na luta do bem contra o mal, vale tudo, inclusive n�o respeitar a constitui��o", afirmou a advogada.
Flordelis: vida retratada no cinema
Antes da morte do marido, Flordelis tinha uma carreira de sucesso na pol�tica. Ela chegou � C�mara dos Deputados em 2018 como a mais votada do Rio. Eleita pelo PSD-RJ, ela foi afastada do cargo em fevereiro de 2021, mais de um ano e meio depois, portanto, do homic�dio.
"Sa�mos para namorar, curtimos bastante. Uma noite, assim, muito boa", a deputada disse em coletiva, sobre a noite do assassinato, quando ainda n�o era suspeita do crime.
Flordelis e Carmo se conheceram na favela do Jacarezinho, no Rio, quando ela, rec�m-divorciada, tinha 30 anos, ele, 14. Quando adolescente, Anderson chegou a na morar Simone Rodrigues, filha biol�gica da futura esposa. Segundo Simone, ela tinha 11 anos quando namorou com Carmo e a m�e n�o soube do relacionamento.
Flordelis e Carmo passaram a liderar a igreja evang�lica Minist�rio Cidade do Fogo, em S�o Gon�alo (RJ). Tamb�m antes de migrar para o notici�rio policial, Flordelis foi convidada para programas de TV como os de Ana Maria Braga e Mar�lia Gabriela, exaltada como um exemplo de m�e, uma vez que, al�m de quatro filhos biol�gicos, ela adotou mais 51 (nem todos pela via formal).
Um filme sobre sua trajet�ria foi realizado, em 2009, com elenco de famosos, que incluiu Bruna Marquezine, Cau� Reymond, Reynaldo Gianecchini e Deborah Secco. Flordelis interpretou a si mesma, e os atores-celebridades fizeram pap�is de pessoas salvas por ela ao longo de sua trajet�ria como mission�ria evang�lica.