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Amaz�nia � chave para Lula retomar soft power do Brasil, diz criador do conceito

Professor de Harvard e ex-conselheiro de Bill Clinton, Nye diz esperar que Brasil e EUA possam 'reaquecer' rela��o; Biden enviou auxiliar para o Brasil para convidar Lula a visitar Washington.


05/12/2022 05:38 - atualizado 05/12/2022 10:23
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Bolsonaro no G-20 em 2021
Bolsonaro costumava ter poucas trocas com colegas do G-20 e esse ano sequer foi � reuni�o (foto: Reuters)

Nos anos 1990, o professor de rela��es internacionais da Universidade Harvard, Joseph S. Nye cunhou a express�o que o tornaria mundialmente famoso, ao batizar de "soft power" o poder de na��es de liderar e atrair outros pa�ses por sua influ�ncia cultural e n�o por seu poderio militar ou econ�mico.

No argumento de Nye, pa�ses s�o poderosos n�o s� porque t�m bomba at�mica ou um grande ex�rcito, mas porque exercem fasc�nio, admira��o e atra��o. Por essa l�gica, o Brasil, n�o exatamente conhecido por sua pujan�a militar, foi por muito tempo um "campe�o do soft power" na pol�tica internacional. Foi. Em entrevista � BBC News Brasil, Nye afirma que "sob Bolsonaro, o Brasil perdeu muito de seu soft power".

A eros�o, segundo ele, se deveu especialmente � agenda pouco ambientalmente respons�vel do Brasil durante o governo do presidente, derrotado por Lula nas elei��es de outubro.

A boa not�cia para o Brasil, segundo Nye, � que a perda � revers�vel. "Quando Lula diz que o Brasil vai levar a Amaz�nia a s�rio, acho que isso � algo com potencial para restaurar o soft power brasileiro", diz Nye, referindo-se ao discurso que o presidente eleito fez em novembro, na C�pula do Clima da ONU, no Egito.


Lula e Alckmin com camisas do Brasil
Lula e Alckmin com camisas da sele��o do Brasil, um s�mbolo de soft power usadas ao longo dos �ltimos anos como uniforme por bolsonaristas (foto: Cl�udio Kbene)

Ex-conselheiro para assuntos de seguran�a no governo Bill Clinton e respeitado tamb�m por republicanos, Nye compara a deteriora��o da imagem do Brasil no exterior sob Bolsonaro com o que aconteceu com os EUA durante a gest�o do republicano Donald Trump. Para ele, a invas�o ao Capit�lio, por exemplo, foi um duro golpe no soft power americano.

Nye diz que apesar de Trump e Bolsonaro terem se dado bem pessoalmente, isso n�o se traduziu em rela��es proveitosas para os dois pa�ses. "Espero que (Joe) Biden e Lula sejam capazes de reaquecer essa rela��o", diz.

O atual presidente americano enviou seu conselheiro de seguran�a, Jake Sullivan, para se reunir com Lula e o senador petista Jaques Wagner nesta segunda, 5/12.

Na reuni�o, Sullivan deve fazer um convite direto ao presidente eleito para que v� a Washington ainda antes da posse, em 1º de janeiro, se encontrar com Biden. "Sullivan discutir� como os EUA e o Brasil podem continuar a trabalhar juntos para enfrentar desafios comuns, incluindo mudan�as clim�ticas, seguran�a alimentar, a promo��o da inclus�o e da democracia e a gest�o da migra��o regional", afirmou em nota a Casa Branca.

Lula demonstrou disposi��o de embarcar para os EUA pouco depois de sua diploma��o pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), marcada para o pr�ximo dia 12/12.

"Temos muita coisa para conversar, os EUA padecem de uma necessidade democr�tica tanto quanto o Brasil. O estrago que o Trump fez na democracia americana � o mesmo estrago que o Bolsonaro fez no Brasil. O pensamento do Trump, o comportamento dele, � o mesmo do nosso presidente aqui. Ent�o penso que vamos conversar pol�tica, quero conversar rela��o Brasil-Estados Unidos, quero conversar o papel do Brasil na nova geopol�tica mundial, quero falar com ele da guerra da Ucr�nia, que n�o h� necessidade de ter guerra, al�m dos assuntos que obviamente ele quiser conversar comigo", disse Lula, na �ltima sexta, 2/12.

Entre as pautas que Lula deve defender est� a reforma do Conselho de Seguran�a da ONU, que tamb�m conta com apoio expl�cito de Biden. Para Nye, no entanto, o pleito de ambos n�o � "realista" porque membros com poder de veto devem barrar a iniciativa.

O especialista questiona ainda a inten��o de Lula de fortalecer o BRICS, bloco que re�ne Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul. "(O BRICS) � uma conveni�ncia diplom�tica, mas n�o ser� um motor da pol�tica mundial", opina. Para Nye, o foco do Brasil deveria ser a Am�rica Latina. "Um agrupamento na regi�o seria muito mais natural para o Brasil liderar".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Joseph Nye, concedida � BBC News Brasil por liga��o telef�nica.

BBC News Brasil - Em 2014, ap�s visitar o Brasil, o senhor disse que via o pa�s com "problemas no curto prazo, mas otimismo no longo prazo". De l� pra c�, o Brasil viveu crises graves pol�tico e econ�micas e mudou drasticamente sua pol�tica externa. O ent�o chanceler Ernesto Ara�jo chegou a dizer que "se isso nos fizer um p�ria, ent�o que sejamos p�rias". Como o senhor avalia o que aconteceu com o pa�s no cen�rio internacional nos �ltimos anos?

Joseph Nye - Economicamente, o Brasil sofreu com a desacelera��o (no mercado internacional) das commodities, ent�o havia uma base econ�mica dos problemas. Mas acho que a elei��o de Bolsonaro e a virada para a extrema direita tamb�m agravaram os problemas. � uma combina��o de causas econ�micas e pol�ticas, mas acho que as causas pol�ticas provavelmente foram mais importantes, a longo prazo. E agora parece que (os brasileiros) mudaram um pouco o rumo com as elei��es recentes.

BBC News Brasil - O senhor concorda com a ideia de que o Brasil quase se tornou um p�ria nos �ltimos anos?

Nye - P�ria � um termo muito forte, uma palavra que voc� associaria a um pa�s como a R�ssia, que invadiu seus vizinhos, ou como a Venezuela, que prendeu muitos de seus cidad�os e for�ou outros tantos ao ex�lio. Ent�o, eu n�o acho o Brasil um p�ria nesse sentido. O Brasil era visto at� um dado momento como uma lideran�a em v�rios assuntos na pol�tica mundial. E isso foi perdido.

BBC News Brasil - O senhor j� disse que com Trump os EUA perderam soft power. V� compara��o com o Brasil de Bolsonaro?

Nye - Os pa�ses podem perder o soft power, mas tamb�m podem recuper�-lo. Por exemplo, na d�cada de 1960, os EUA perderam muito de seu soft power quando se envolveram na Guerra do Vietn�. As pessoas protestavam contra as pol�ticas americanas em todo o mundo. Mas depois de uma d�cada, os americanos voltaram a ser bastante populares e atrair outros pa�ses.

Eu diria que os Estados Unidos perderam muito soft power sob Trump por causa de sua abordagem agressiva de America First ("EUA primeiro", um dos slogans do republicano e norte de sua gest�o). E acho que o Brasil perdeu muito de seu soft power sob Bolsonaro. Mas os exemplos que mencionei sugerem que n�o h� raz�o para o Brasil n�o conseguir recuperar seu soft power.


Lula discursando
Lula era uma das presen�as mais aguardadas na COP27, no Egito (foto: Reuters)

BBC News Brasil - E como Lula deveria fazer para recuperar o soft power brasileiro?

Nye - Acho que a mudan�a de posi��o do Brasil sobre a Amaz�nia, anunciada por Lula (na COP), � uma grande fonte de soft power. A quest�o das mudan�as clim�ticas tem se tornado cada vez mais importante, n�o s� porque a ci�ncia nos diz isso, mas tamb�m porque as gera��es mais novas est�o mais preocupadas com o assunto.

Uma das raz�es pelas quais os EUA perderam soft power sob Trump foi a retirada do pa�s do Acordo Clim�tico de Paris. E acho que essa mesma agenda � uma das raz�es pelas quais o Brasil perdeu soft power sob Bolsonaro. Portanto, quando Biden disse que �amos voltar ao Acordo Clim�tico de Paris, isso foi muito bom para o soft power americano. Quando Lula diz que o Brasil vai levar a Amaz�nia a s�rio, acho que � algo com potencial para restaurar o soft power brasileiro.

BBC News Brasil - Os EUA v�m perdendo lideran�a e relev�ncia para Am�rica Latina. Trump praticamente abandonou a regi�o. E o governo Biden at� agora n�o conseguiu um aliado forte o suficiente na �rea. Ao mesmo tempo, estamos vendo a China avan�ando profundamente nos pa�ses latinos. Acha que essa � uma tend�ncia cada vez mais irrevers�vel?

Nye - Se olharmos as pesquisas internacionais, quando as pessoas s�o questionadas sobre quais pa�ses acham atrativos, o �nico continente em que a China e os EUA est�o empatados � a �frica. Na �sia e na Europa, os EUA saem bem � frente. Na Am�rica Latina est� um pouco mais perto, mas os EUA ainda est�o � frente da China. Portanto, acho que a melhor coisa que os EUA podem fazer � n�o entrar em p�nico com a China, mas se comportar bem.

BBC News Brasil - Biden est� enviando Jake Sullivan ao Brasil para convidar Lula para uma reuni�o em Washington, D.C., mostrando, novamente, defer�ncia pelo rec�m-eleito presidente brasileiro. Na sua vis�o, Lula pode ser uma ponte para os EUA tentarem reconstruir suas rela��es na regi�o?

Nye - O Brasil � o maior pa�s da Am�rica Latina. E ter boas rela��es com o Brasil � muito importante. Trump e o Bolsonaro se deram bem, mas essa rela��o n�o foi representativa para seus Estados. Ent�o, se Lula e Biden puderem reaquecer o relacionamento, acho que ser� bom para os dois pa�ses.


Bandeiras dos países dos BRICS
Bandeiras dos pa�ses do BRICS, vistos por Nye como uma "conveni�ncia diplom�tica", mas n�o um motor da pol�tica internacional (foto: MARCELO CAMARGO/AG�NCIA BRASIL)

BBC News Brasil - Quando Lula foi presidente, nos anos 2000, ele investiu bastante na forma��o do bloco BRICS (Brasil, R�ssia, �ndia, China e �frica do Sul), at� para ser um contraponto global aos EUA. Lula agora fala em fortalecer os BRICS outra vez. O bloco faz sentido e o Brasil tem a ganhar com ele?

Nye - Os BRICS s�o um dispositivo diplom�tico, mas sejamos realistas: a �ndia e a China s�o os principais membros do BRICS em termos de popula��o. E os indianos e chineses tiveram mortes na fronteira que compartilham. H� uma enorme desconfian�a sobre a China dentro da �ndia. Portanto, chamar isso de uma organiza��o ou alian�a internacional bem-sucedida � um erro. � uma conveni�ncia diplom�tica, mas n�o ser� um motor e agitador eficaz da pol�tica mundial por causa das profundas divis�es entre os membros.

BBC News Brasil - Mas pode funcionar como um meio de o Brasil projetar poder internacionalmente?

Nye - Os pa�ses do BRICS t�m falado sobre a possibilidade de expans�o, com novas ades�es ao grupo, o que poderia dar ao Brasil um pouco mais de espa�o para jogar dentro do BRICS. Mas ainda assim n�o acho que o BRICS seja o instrumento mais importante para o Brasil, especialmente se o Brasil for capaz de trabalhar dentro da Am�rica Latina e assumir um papel de lideran�a, um agrupamento na regi�o seria muito mais natural para o Brasil liderar.

BBC News Brasil - O presidente Biden tem dito que apoia uma reforma do Conselho de Seguran�a da ONU, um pleito hist�rico da diplomacia brasileira que o Lula chegou a citar durante seu discurso na COP esse ano. � fact�vel essa reforma?

Nye - Acho que se formos realistas, ser� imposs�vel mudar o Conselho de Seguran�a porque alguns dos membros permanentes vetariam. E se voc� voltar ao per�odo em que Kofi Annan era secret�rio-geral (da ONU), ele tentou negociar um plano de expans�o do Conselho de Seguran�a e falhou. Acho que nada mudou muito em termos de expans�o do Conselho de Seguran�a.

BBC News Brasil - Ent�o porque Biden est� dizendo que defende isso?

Nye - Os americanos que est�o dispostos a aceitar a expans�o h� 20 anos, e acho que essa tem sido uma posi��o americana consistente.

BBC News Brasil - Muitos analistas veem um decl�nio do poder internacional americano e dizem que esse tipo de proposta poderia ser um meio de atrair aliados e refor�ar sua pr�pria posi��o. Como v� a posi��o atual dos EUA, especialmente diante do hist�rico dom�stico tenso, com epis�dios como a invas�o do capit�lio em 6 de janeiro?

Nye - Os EUA sempre dependeram de alian�as para sua lideran�a. Existe um mito de que os EUA eram o pa�s que poderia exercer for�a militar a ponto de controlar o mundo. Isso simplesmente n�o � nem nunca foi verdade. O fato de os americanos terem uma alian�a estreita com os pa�ses da OTAN e na �sia, com o Jap�o e a Cor�ia do Sul e a Austr�lia foi crucial para o poderio americano. E se voc� observar no mundo de hoje, a OTAN est� mais forte do que nunca. E tamb�m a alian�a EUA-Jap�o. As outras alian�as com a �sia igualmente. Portanto, n�o acho que haja uma mudan�a no poder dos EUA em termos de alian�as.

Quanto ao 6 de janeiro, ele manchou o soft power americano. Os EUA obt�m muita atra��o e soft power por serem uma democracia eficaz. E a ideia de que um grupo radical invadiu o Capit�lio, com as b�n��os do presidente derrotado, fez com que as pessoas se perguntassem se a democracia americana era realmente firme. E acho que os americanos ficaram menos poderosos depois disso. Mas acho que o mais importante das elei��es americanas de 2022, as elei��es de meio de mandato, foi que as pessoas que assumiram a defesa de Trump e das posi��es mais extremas (sobre Biden n�o ser um presidente leg�timo) foram derrotadas. E acho que isso teve um efeito restaurador.

BBC News Brasil - Biden chegou ao poder prometendo reafirmar os EUA na arena mundial. Mas ent�o Biden retirou as tropas, as tropas americanas do Afeganist�o. E isso teve um grande impacto na imagem p�blica dos EUA, pela forma como foi conduzido naquele momento. Como voc� v� essa decis�o?

Nye - Acho que Biden estava certo ao retirar todas as tropas americanas do Afeganist�o. Ele estava errado na maneira como a fez isso. Foi a decis�o correta, executada de maneira incompetente.

BBC News Brasil - As condi��es internacionais em 2022 t�m feito muitas pessoas apelarem para termos como "Segunda Guerra Fria", para descrever a rela��o entre China e EUA, e "Terceira Guerra Mundial", em refer�ncia � Guerra da R�ssia contra a Ucr�nia, que conta com o apoio da OTAN. Qu�o bem esses termos se aplicam � realidade atual?

Nye - As coisas definitivamente pioraram nos �ltimos anos, tanto nas rela��es com a China quanto com a R�ssia. Acho que � um erro chamar isso de Segunda Guerra Fria porque se h� conflito, ao mesmo tempo h� muito mais interdepend�ncia. Por exemplo, ainda h� muito com�rcio entre os EUA e a China. E se voc� olhar para quest�es ecol�gicas como o clima, h� um grau muito forte de interdepend�ncia. E nada disso existia durante a verdadeira Guerra Fria. Os EUA n�o tinham com�rcio com a R�ssia e n�o havia muita preocupa��o com o clima. Ent�o � um mundo diferente. E acho que cham�-lo de Guerra Fria dois � um erro. Sobre a Ucr�nia, a posi��o americana � de apoiar a Ucr�nia contra a agress�o russa mas sem que isso leve a uma Terceira Guerra Mundial.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63843940


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