
O trabalho dele explora como essas esp�cies foram capazes de se adaptar a condi��es extremas — como a baixa disponibilidade de oxig�nio e a acidez intensa — ao longo dos milh�es de anos de evolu��o do planeta.
Os estudos tamb�m ajudaram a compreender como as �ltimas d�cadas submeteram toda essa biodiversidade a um estresse nunca antes visto, com o despejo de min�rios, pl�sticos e metais pesados em rios e igarap�s.
E tudo isso representa um risco enorme: o aumento de 1,5 °C na temperatura j� seria suficiente para extinguir muitos desses seres, que s�o vitais na dieta da popula��o local.
Val est� participando da Confer�ncia sobre Mudan�as Clim�ticas das Na��es Unidas (COP27), que acontece em Sharm El-Sheikh, no Egito.
Numa reuni�o da sociedade civil com o presidente eleito Luiz In�cio Lula da Silva, realizada em 17 de novembro, ele foi um dos seis escolhidos para falar e apresentou as demandas do setor de ci�ncia, pesquisa e desenvolvimento.
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Um dos pedidos do bi�logo foi que o novo governo crie pol�ticas p�blicas para "trazer os meninos para casa" — uma alus�o aos cientistas brasileiros que fizeram toda a forma��o no pa�s, mas que foram trabalhar no exterior em busca de melhores condi��es de vida.
Numa entrevista � BBC News Brasil, Val contou um pouco sobre suas pesquisas, falou da import�ncia de conhecer os saberes tradicionais amaz�nicos e apontou o caminho para incentivar a pesquisa no pa�s.
A boca vol�til do tambaqui
Val nasceu em Campinas, no interior paulista, estudou bioqu�mica e depois cursou biologia. Foi a paix�o pela pesca — seu passatempo favorito nos finais de semana durante a inf�ncia e a adolesc�ncia — que o levou a estudar esses animais.
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Em 1978, ele foi para a Amaz�nia pela primeira vez e, no ano seguinte, resolveu fixar resid�ncia na regi�o.
"Quando cheguei l� e vi aquela quantidade de peixes no mercado, entendi que ali era o meu lugar", lembra.
Professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaz�nia (Inpa), Val explica que sua linha de pesquisa busca entender como os organismos aqu�ticos, como peixes, anf�bios, r�pteis, mosquitos e plantas, se adaptam �s mudan�as ambientais.
Ele aponta que a oscila��o do n�vel das �guas nos rios e reservat�rios naturais coloca os peixes em contato com a floresta por um tempo prolongado no per�odo das cheias.

Na contram�o, durante o per�odo de �guas baixas, esses animais ficam em locais mais isolados.
"A Amaz�nia tem mais de 3 mil esp�cies de peixes, mas vamos pegar como exemplo o tambaqui", diz.
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"Na fase adulta, ele se alimenta de frutas, e temos estudos mostrando que � poss�vel encontrar at� 140 variedades diferentes desses alimentos no sistema digestivo deles", calcula.
"No per�odo das secas, o peixe perde em parte essa conex�o com o resto do meio ambiente."
O professor conta outro atributo curioso do tambaqui: nos momentos do ano em que a esp�cie fica exposta a uma baixa disponibilidade de oxig�nio na �gua, ela expande significativamente os l�bios.
"Com isso, esse peixe vai para a superf�cie do rio e coleta aquela camada superficial de �gua que, pelo contato com o ar, � mais rica em oxig�nio", explica.
Quando o oxig�nio volta aos n�veis superiores nos rios, os l�bios do animal deixam de se expandir.
"Entender esse mecanismo nos ajuda a compreender, por exemplo, como acontece a prolifera��o de c�lulas. E isso poder� ajudar no futuro a cicatrizar mais rapidamente os ferimentos na pele", antev�.
Muitas mudan�as em pouco tempo
Embora v�rias dessas esp�cies aqu�ticas tenham aprendido a se adaptar a ambientes extremos ao longo de centenas de milhares de anos, elas nunca foram submetidas a uma situa��o t�o complicada, acredita Val.
Por tr�s disso, est� a a��o humana e a destrui��o dos rios que correm pela regi�o.
"� poss�vel observar um conjunto de outras modifica��es produzidas pelo homem de forma r�pida e imediata, como a polui��o de tudo que � tipo, com medicamentos, agrot�xicos, nanopart�culas de pl�stico, petr�leo…", lista.
"Tudo isso nos preocupa muito, porque as altera��es causadas pelo homem s�o r�pidas demais e n�o d� tempo de as esp�cies aqu�ticas se adaptarem", diz.
A distribui��o de uma fina camada de petr�leo na superf�cie da �gua, por exemplo, impede que os tambaquis acessem o oxig�nio que os mant�m vivos.
"Estamos concluindo v�rios estudos que detectaram a presen�a de micropl�sticos nos peixes, inclusive com uma transfer�ncia direta desse material da m�e para os filhos", informa.
"Uma prote�na nos �vulos dos peixes se liga �s mol�culas de pl�stico, ent�o o filhote j� nasce com essa subst�ncia no organismo."
Al�m de representar um risco � biodiversidade da Amaz�nia, a extin��o de esp�cies � um perigo � seguran�a alimentar do povo que vive ali.
"Vale lembrar que 90% da prote�na consumida pela popula��o local tem origem nos peixes. Trata-se de uma coisa extremamente importante para a regi�o", chama a aten��o.
Val alerta que, apesar do clima local, os peixes amaz�nicos s�o extremamente vulner�veis � varia��o da temperatura.
"Muitos deles j� vivem no limite t�rmico superior e qualquer varia��o futura pode levar ao desaparecimento de v�rias esp�cies", diz.

O bi�logo entende que a urg�ncia da situa��o exige que os cientistas fa�am pesquisas gen�ticas para detectar quais s�o as esp�cies mais adaptadas �s altas temperaturas, para que elas sejam criadas em fazendas e possam suprir a demanda num futuro pr�ximo.
"Um aumento de temperatura na ordem de 1 °C ou 1,5 °C j� � suficiente para testemunharmos o desaparecimento de muitas esp�cies da Amaz�nia, principalmente daquelas que vivem nos pequenos igarap�s dentro da floresta", alerta.
Jaraqui velho n�o sobe o rio
Durante a reuni�o com Lula, Val tamb�m destacou a import�ncia de "aliar os saberes tradicionais com a ci�ncia contempor�nea".
Para ilustrar a rela��o entre esses dois universos, ele se recorda de uma hist�ria que viveu.
"Existe um peixe na Amaz�nia chamado jaraqui que � extremamente popular e muito consumido pela popula��o de classe m�dia baixa", descreve.
Sabe-se que essa esp�cie vive em cardumes e desce do Alto Rio Negro at� o encontro das �guas com o Solim�es, onde acontece a reprodu��o.
"Na pr�tica, as f�meas depositam os �vulos e os machos liberam o esperma para fecundar. � medida que os novos peixes se desenvolvem, eles nadam de volta para a cabeceira do Rio Negro, e sabem exatamente como ir at� l�", ensina.
O bi�logo conta que durante um per�odo coletou alguns jaraquis para tirar amostras de sangue, que seriam depois analisadas no laborat�rio.
"Nessas pesquisas, eu sempre encontrava tr�s ou quatro animais que destoavam do resto do grupo e tinham par�metros sangu�neos completamente diferentes", diz.
Mas ele n�o fazia ideia do motivo. At� que um dia estava fazendo trabalho de campo, no meio da floresta, quando o barco que o grupo utilizava quebrou.
"Decidimos ent�o dormir ali mesmo e fizemos uma fogueira para assar um peixe", lembra.
"Nisso, veio um caboclo que morava ali perto conversar com a gente. O resto do grupo foi dormir, mas fiquei batendo papo com ele."
Foi a� que o pesquisador comentou do mist�rio que o intrigava — e descobriu a resposta prontamente.
"Ele olhou pra mim e disse: 'Mas professor, isso � muito simples. Acontece que os peixes sobem e descem o rio v�rias vezes ao longo da vida. Mas, quando eles ficam mais velhos, n�o aguentam fazer isso. Eles permanecem ent�o aqui na mata inundada dos igap�s. S� que, ao ver o cardume saindo, eles pensam que est�o recuperados e se misturam aos peixes mais novos'."
"Eu n�o tinha pensado nisso e fui verificar. A� notei que, dito e feito, esses tr�s ou quatro peixes diferentes que eu encontrava no meio do grupo eram justamente os mais velhos."
"Eu tenho um monte de hist�rias desse tipo, que mostram como a ci�ncia precisa do apoio dos ind�genas e das comunidades locais para entender todas as coisas que existem na Amaz�nia", aponta.
"Para mim, n�o h� contraste entre o conhecimento tradicional e a ci�ncia contempor�nea. Uma se vale da outra", conclui.

O resgate dos 'meninos'
Por fim, Val enumerou alguns caminhos poss�veis para desenvolver a ci�ncia no Brasil — e mais especificamente na Amaz�nia.
"Da totalidade do or�amento nacional para a ci�ncia e a tecnologia, apenas 2% s�o investidos na Amaz�nia", calcula.
"E n�o ser� poss�vel avan�ar na conserva��o ambiental e na redu��o dos impactos clim�ticos se a gente n�o contar com a ci�ncia na regi�o. N�o adianta a Finl�ndia ou os Estados Unidos virem estudar a Amaz�nia, porque as informa��es n�o ser�o acess�veis para o caboclo que est� no interior e n�o conseguir� ler o artigo cient�fico publicado numa revista internacional", critica.
O bi�logo aponta que, nos �ltimos quatro anos, houve uma "degrada��o muito significativa das institui��es de pesquisa no Brasil, sendo que na Amaz�nia a coisa foi ainda pior".
"O Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amaz�nia) mesmo tem cerca de 140 pesquisadores, sendo que 70 a 80 deles j� est�o em idade de aposentadoria, mas continuam a trabalhar por falta de gente."
Val acredita que o primeiro grande desafio do pr�ximo governo � "viabilizar oportunidades para que os meninos e as meninas fiquem no Brasil".
Ele explica que os termos "meninos" ou "meninas" s�o maneiras carinhosas de se referir aos mais jovens na regi�o amaz�nica.
"As pessoas t�m o direito de morar no exterior, mas n�o porque n�o h� condi��es de fazer pesquisa no pa�s", lamenta.
"N�s gastamos uma fortuna para formar esses profissionais e, quando eles chegam aos 28 anos, recebem propostas melhores para trabalhar fora."
Ele cita o exemplo de um aluno que era eletricista em S�o Paulo e foi ao Ipam para fazer mestrado e doutorado.
Durante o trabalho, o jovem cientista desenvolveu um mecanismo de intelig�ncia artificial que ajuda a saber se peixes ornamentais est�o saud�veis — e foi contratado por uma empresa no Reino Unido.
Val tamb�m acredita que ao menos 2% do PIB do pa�s deveria ser investido em ci�ncia e tecnologia.
"Precisamos utilizar nossos recursos para criar estruturas capazes de desenvolver novas tecnologias", aponta.
"Por �ltimo, precisamos transformar a informa��o que temos produzido em tecnologias sustent�veis, que possam ser socializadas com a popula��o."
"E o foco dessa inclus�o social precisa acontecer principalmente nas regi�es perif�ricas, como a Amaz�nia, o Nordeste, o Pantanal e o Centro-Oeste", sugere.
Ele cita como exemplo o fato de nenhuma carne de peixe amaz�nico ser exportada para o exterior a partir de uma produ��o sustent�vel.
"Durante a confer�ncia Rio-92, o ent�o governador do Estado do Amazonas deu dez casais de tambaqui de presente para a delega��o chinesa", lembra.
"Logo depois, o presidente chin�s determinou que um time de pesquisadores fosse enviado ao Brasil, onde os cientistas aprenderam mais sobre a esp�cie e coletaram informa��es."
"E, h� alguns anos, a China come�ou a exportar a carne de tambaqui", finaliza.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63670566