
"Foram anos de desconstru��o de pol�ticas e de descontrole de regras que determinam comportamentos preventivos", afirma Melina Risso, diretora de projetos do Instituto Igarap�, a respeito do governo de Bolsonaro.
Os exemplos v�o do afrouxamento da pol�tica de controle de armas �s altera��es no C�digo de Tr�nsito, passando pelo desmonte da estrutura de fiscaliza��o ambiental e pela mudan�a do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) da pasta da Justi�a para a da Economia.
Folha - Quais os principais desafios na seguran�a p�blica?
Melina Risso - A agenda na �rea arrasta at� hoje problemas estruturais do s�culo 19, como o vi�s racial das pr�ticas de seguran�a p�blica e justi�a criminal, o que resulta na presen�a desproporcional de pessoas negras em pres�dios e entre as v�timas da letalidade policial.Outros problemas n�o s�o centen�rios, mas tamb�m velhos conhecidos, como a baixa coopera��o entre esferas governamentais e institui��es, os altos �ndices de criminalidade violenta, a baixa capacidade investigativa das pol�cias e sua desvaloriza��o, al�m de um sistema prisional superlotado e insalubre.
Entre os desafios mais recentes est�o a explos�o da viol�ncia na Amaz�nia Legal, a nacionaliza��o de organiza��es criminosas, a expans�o do controle territorial por mil�cias, o uso de meios digitais para a pr�tica de crimes e as novas formas de controle do Estado por meio de biometria e outras tecnologias.
Folha - Mais armas trazem mais seguran�a?
Melina Risso - Apesar da tese bolsonarista de que o armamento da popula��o leva � queda da criminalidade, estudos indicam que, onde h� mais armas, h� mais mortes e mais viol�ncia.
O Estatuto do Desarmamento (2003) criou regras mais restritivas ao acesso a armas e penas mais duras para porte e posse ilegais, desacelerando o crescimento de homic�dios --de 6%, entre 1980 e 2003, para 0,9% nos 15 anos seguintes, segundo o Atlas da Viol�ncia, do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada.
Desde janeiro de 2019, quando decretos presidenciais mudaram as regras do acesso a armas e muni��es no Brasil, at� o final de 2021, mais de 1 milh�o de novas armas foram registradas, seja para uso pessoal ou institucional (caso de policiais), de acordo com o Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica. Foram 994 milh�es de muni��es vendidas no pa�s, segundo o Instituto Sou da Paz. Al�m disso, os sistemas de controle de armas no pa�s n�o est�o integrados.
Folha - A queda de assassinatos � sinal de que a seguran�a vai bem?
Melina Risso - A redu��o deve ser comemorada, mas precisa ser melhor compreendida. Especialistas dizem que a queda � fruto do envelhecimento da popula��o, de melhorias do trabalho policial e de tr�guas nas guerras entre fac��es do crime organizado.
Desde 2018, essa taxa caiu 19%, mas o pa�s ainda concentra 2,7% da popula��o global e 20,4% dos homic�dios do planeta. O pico da viol�ncia letal no Brasil ocorreu em 2017, com 30,2 assassinatos por 100 mil habitantes. Em 2021, eram 22,3 --muito acima de pa�ses populosos como EUA (6,52) e �ndia (2,95).
Do ponto de vista territorial, segundo o Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica, na �ltima d�cada houve queda de homic�dios em todas as regi�es, � exce��o da Norte, onde essa taxa cresceu 62%. Do ponto de vista populacional, em 2021, 91% das v�timas eram homens, 78% eram pessoas negras e 51% eram jovens.
Folha - Por que as mortes aumentaram na regi�o Norte?
Melina Risso - O incremento da viol�ncia letal no Norte do pa�s est� ligado �s din�micas dos v�rios mercados il�citos que convivem na regi�o e � quest�o demogr�fica: onde h� mais jovens tende a haver mais criminalidade violenta, e na regi�o essa parcela segue crescendo.
Al�m disso, hoje a regi�o da Amaz�nia Legal e sua popula��o est�o imersas num ecossistema de crimes ambientais, como extra��o ilegal da madeira, de min�rios e de animais selvagens, de crimes ligados � terra, como grilhagem e invas�o de territ�rios ind�genas, e de redes do narcotr�fico. "A regi�o faz fronteira com Bol�via, Peru e Col�mbia, que produzem 4.000 toneladas de coca�na por ano. Metade disso vem ao Brasil", diz Renato S�rgio de Lima, presidente do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica (FBSP).
Folha - Como lidar com a nacionaliza��o do crime organizado?
Melina Risso - O crime organizado brasileiro, agora articulado nacionalmente, requer a��es coordenadas do governo federal, mas o quadro � de falta de planejamento e articula��o entre �rg�os de seguran�a p�blica e do sistema de Justi�a criminal.
Aprovado em 2018 para integrar esferas de governan�a e institui��es de combate ao crime e � viol�ncia, o Sistema �nico de Seguran�a P�blica (SUSP) continua na gaveta. Ele estabeleceu par�metros nacionais de coopera��o e de uso de dados, utiliza��o de evid�ncias cient�ficas para o planejamento de a��es e mecanismos de gest�o.
Folha - Por que pol�cias precisam de mais capacita��o, valoriza��o e controle?
Melina Risso - Via de regra, as pol�cias sofrem com baixos sal�rios, falta de estrutura, pouca capacidade investigativa e aus�ncia de protocolos nacionais de atua��o. O resultado � insatisfa��o de policiais e atua��o ineficiente. Segundo dados do Instituto Sou da Paz, o Brasil s� esclarece 37% dos milhares de homic�dios do pa�s.
As pol�cias brasileiras tamb�m est�o entre as que mais matam no mundo, o que implica maior controle da atividade. Maior controle tamb�m � visto como necess�rio na participa��o de policiais na pol�tica. Nas elei��es de 2022, candidaturas de membros das for�as de seguran�a do Estado cresceram mais de 27%.
Folha - Por que a atual pol�tica de drogas gera mais problemas?
Melina Risso - A quest�o vem sendo tratada pela via da repress�o e da Justi�a criminal. Assim, al�m da criminaliza��o de quem precisa de tratamento m�dico, a pol�tica de drogas brasileira mant�m ao menos 230 mil pessoas presas por tr�fico de drogas, a maioria dos quais jovens, negros e pobres, que engrossam as fileiras de fac��es. "Seguimos prendendo o pequeno traficante, sem desmantelar a cadeia que levou a droga at� ele", diz Janine Salles de Carvalho, da Rede de Justi�a Criminal.
Folha - Quais desafios a tecnologia imp�e?
Melina Risso - A pr�tica de crimes por meios digitais e os potenciais das criptomoedas na amplia��o da atua��o de redes criminais devem se impor como um novo desafio. Al�m disso, h� tecnologias que podem ajudar em preven��o e repress�o ao crime, mas que t�m potencial de violar a privacidade dos cidad�os, como o uso de reconhecimento facial.