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Estado de Minas ESTAT�STICAS

Censo vive trag�dia absoluta e dados n�o s�o confi�veis, diz ex-presidente do IBGE

Roberto Olinto bota em d�vida metodologia usada na coleta de dados realizada no Pa�s


25/01/2023 05:50 - atualizado 25/01/2023 08:53

Recenseador entrevista senhora de idade
Recenseador entrevista senhora de idade (foto: Simone Mello/CB/DA Press)
A publica��o dos dados preliminares do Censo Demogr�fico 2022 exp�e a "trag�dia absoluta" que se abateu sobre a pesquisa, avalia o ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica) Roberto Olinto.

Em entrevista � Folha de S.Paulo, ele defende a realiza��o de uma ampla auditoria dos dados para verificar se eles s�o v�lidos, se � preciso realizar um trabalho adicional ou, em caso extremo, se � o caso de elaborar um novo Censo.

"Por que tem que auditar? Porque esses dados n�o s�o confi�veis. Teve todos esses problemas, e uma coleta de seis meses � tudo que a demografia reclama. N�o pode ser assim", diz.

Hoje pesquisador associado do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas), Olinto presidiu o IBGE entre junho de 2017 e dezembro de 2018. Antes, foi diretor de pesquisas do �rg�o e coordenador da �rea de contas nacionais, respons�vel pelo c�lculo do PIB (Produto Interno Bruto) do pa�s.

Especialista com experi�ncia internacional na �rea de estat�stica, ele critica decis�es tomadas pela dire��o que o sucedeu no IBGE e defende uma investiga��o para responsabilizar eventuais culpados pelas falhas na realiza��o do Censo. "Quando voc� faz um Censo e decide que n�o vai fazer propaganda [para a popula��o colaborar], isso vai contra uma regra. Isso foi doloso, n�o foi doloso?", questiona.

O IBGE diz em nota que as contesta��es n�o procedem. Segundo o �rg�o, a metodologia da estimativa apresentada foi aprovada pelo conselho consultivo do Censo, formado por economistas, dem�grafos e estat�sticos como representantes da sociedade civil.

Segundo o IBGE, o resultado divulgado at� agora representa um esfor�o "para entregar os dados populacionais devidamente atualizados dentro da melhor t�cnica estat�stica dispon�vel com maior precis�o e confiabilidade".

 

PERGUNTA - Quais s�o os problemas do Censo?

ROBERTO OLINTO - Vou tentar fazer uma linha do tempo. Quando eu sa� da presid�ncia, Susana Cordeiro Guerra assumiu, vindo dos Estados Unidos, depois de 20 anos fora do Brasil e sem jamais ter trabalhado na �rea de estat�stica ou gest�o de qualquer coisa. Come�ou, de forma extremamente prepotente, a mexer em todo o projeto. Reduziu o question�rio, interferindo num projeto discutido com a sociedade civil. Diminuiu o or�amento, de R$ 3,4 bilh�es para R$ 2,3 bilh�es, sem nem tentar manter o que estava previsto. Exonerou o diretor de pesquisas e o diretor de inform�tica. Um projeto que j� vinha sendo trabalhado h� cinco anos tem uma interven��o n�o s� t�cnica, mas exonerando pessoas muito envolvidas e experientes.

Veio a Covid, depois cortam [de novo] o or�amento, Susana pede demiss�o. Teve todo um per�odo a� meio complicado. Pelo menos o IBGE teria dois anos para se organizar.

O IBGE sabia desde o in�cio que ia ter uma folha de pagamento de 250 mil pessoas. Tinha que preparar o sistema. Sai o Censo em 2022, come�am a vir os coment�rios dos recenseadores. Cinco dias de treinamento, apenas. Atraso no pagamento, erros no valor. Voc� come�a a observar os recenseadores pedindo demiss�o, irritados, abandonando o trabalho.

Eu sinto vergonha disso. O Censo � para ser levantado em dois meses [a coleta come�ou em 1º de agosto de 2022], e n�s estamos no meio de janeiro e n�o terminou. Tem s� metade dos recenseadores. O IBGE pedindo para a prefeitura do Rio de Janeiro botar agente municipal de sa�de para coletar Censo. O cara n�o foi treinado, ele n�o sabe o que est� fazendo. Trag�dia absoluta.

Saem os resultados preliminares. Coisas absolutamente inexplic�veis. No Rio de Janeiro, os munic�pios da regi�o metropolitana, todos ca�ram de popula��o em rela��o a 2010. No Rio Grande do Sul, um n�mero enorme de munic�pios judicializou, porque n�o sabe se o Censo est� certo ou errado. Eu acho que est� errado.

 

P.- Por qu�?

RO- Eles imputaram dados para quase 20% da popula��o. Imputar dado � voc� dizer: eu n�o tenho dados para 20% da popula��o e vou usar um processo que normalmente se usa para 2%. Nenhum Censo cobre 100% da popula��o, mas voc� tem uma alta cobertura. E tem problemas em algumas vari�veis. Renda, popula��o, idade. N�o � uma coisa do tipo 'eu n�o tenho informa��o de metade do munic�pio'. E o que est�o fazendo? Est�o imputando question�rios inteiros.

 

P.- Usualmente cerca de 2% das informa��es do Censo s�o imputadas?

RO- Mais ou menos isso. � o que foi feito em 2010. Por que tem que auditar? Porque esses dados [do Censo 2022] n�o s�o confi�veis. Houve todos esses problemas, e uma coleta de seis meses � tudo que a demografia reclama. N�o pode ser assim [com tanta demora].

Para ter o Censo confi�vel, tem que auditar. � tanto problema pregresso que tem que parar, respirar e dizer o seguinte: vamos avaliar. Uma comiss�o independente, obviamente com pessoas do IBGE e de fora, para dizer o seguinte: esses dados da popula��o brasileira e suas vari�veis s�o v�lidos e respeit�veis. Ou dizer: n�o s�o v�lidos, existem problemas e temos que discutir uma solu��o para isso. Pergunta: jogamos R$ 2,3 bilh�es no lixo ou n�o?

 

P.- Como seria esse trabalho de an�lise dos dados?

RO- � um longo trabalho. Primeiro, de coer�ncia estat�stica, comparando com o passado e cruzando com outras informa��es, inclusive voltando a coleta em alguns munic�pios para entender o que aconteceu. Se o Censo tivesse sido feito com todos os padr�es de qualidade, o IBGE poderia dizer 'acabou, � esse o dado, ponto final'. Mas foi feito cheio de erros e gerando desconfian�a.

 

P.- Eu n�o acho que ele est� certo. Todos os ind�cios s�o de que ele tem que ser revisto. RO- Essa auditoria teria que dizer o que vai fazer no futuro. Vai fazer uma coleta em 2025 [ano previsto para a nova contagem populacional]? Vai ter que ampliar isso? At� no extremo tem que pensar: vai ter que fazer um novo Censo?

 

P.- � o caso de fazer um novo Censo?

RO- Essa auditoria responderia a isso. Tem tr�s caminhos. A auditoria vai dizer que est� bom —duvido. A auditoria vai dizer 'existem partes que s�o aproveit�veis, mas n�s temos que corrigir assim, assim, assado'. E existe a terceira alternativa: o Censo est� uma porcaria completa, vamos refaz�-lo. N�o d� para tratar o Censo como se fosse uma brincadeira. � fundamental para a hist�ria do Brasil.

 

P.- J� estamos tr�s anos atrasados. Pelo que o sr. est� falando, h� uma s�rie de inconsist�ncias que levam ao risco real de se precisar de um novo Censo. J� n�o seria o caso de tomar uma decis�o rapidamente em rela��o a isso?

RO- A� entra numa quest�o de governo, Or�amento, e voc� ainda n�o tem a dimens�o do que precisaria para fazer o novo Censo. Poderia raciocinar da seguinte forma: estamos numa cat�strofe estat�stica e vamos colocar no Or�amento verba para fazer um novo Censo. Se n�o for preciso, economiza dinheiro. Se for preciso, a gente faz um novo Censo. Mas, para isso, observe um dado: a ministra Simone [Tebet] ainda n�o escolheu um presidente do IBGE.

 

P.- Como deve ser a prepara��o de um Censo?

RO- Um censo demogr�fico tem como base um excelente treinamento dos recenseadores. Eles t�m que ser desde especialistas no que est� no question�rio at� no que as pessoas n�o est�o falando. Como eles v�o lidar com a negativa ou com o ass�dio de um informante? Eles t�m que saber lidar com isso, e n�o foi feito. E, chave, isso � fundamental: muita propaganda, muito esclarecimento da popula��o para colaborar. N�o foi feito nada. Nada! Usaram Instagram e Facebook.

No Censo de 2010, voc� tinha recenseador na novela das 9. Voc� colocava faixa em campo de futebol. Isso � o b�-�-b� de um Censo. Se n�o esclarecer a popula��o, n�o consegue resposta. Por que isso n�o foi feito? Por que n�o teve publicidade? Por que atrasou operacionalmente seis meses a coleta? Foi tudo desorganizado. Tem ind�cios de que houve decis�es da dire��o erradas e que talvez mere�am uma investiga��o.

 

P.- Para eventual responsabiliza��o?

RO- Exato. Uma responsabiliza��o. Acho que o Tribunal de Contas vai ter que avaliar esse neg�cio todo. N�o pagaram recenseador, onde � que est� esse dinheiro?

H� uma necessidade de avalia��o das decis�es que foram tomadas pela dire��o do IBGE. [� preciso verificar] se esse processo de quatro anos teve decis�es corretas ou decis�es que merecem uma advert�ncia, uma puni��o. N�o estou nem falando em crime, mas de processo administrativo. Quando voc� faz um Censo e decide que n�o vai fazer propaganda, isso vai contra uma regra. Isso foi doloso, n�o foi doloso?

 

P.- O IBGE adiou a divulga��o da Pnad Cont�nua, que traz dados sobre emprego e renda no pa�s, sob a justificativa de concentrar esfor�os no Censo. Qual � a consequ�ncia disso?

RO- Nunca se tinha atrasado uma pesquisa conjuntural. Isso foi contra tudo. Arrebenta o Censo Demogr�fico e, n�o satisfeito, arrebenta a Pnad tamb�m. Por que tinha que afetar a Pnad?

O grande dano � que come�a a afetar a credibilidade da pesquisa. Os padr�es de estat�sticas s�o muito claros. As pesquisas conjunturais devem respeitar exatamente o seu cronograma. O problema vazar para uma pesquisa fundamental, que � a pesquisa de emprego, eu acho inaceit�vel. Assuma o seu problema no Censo e proteja as outras pesquisas.

N�o que v� ter problema nos resultados da Pnad, n�o � isso, mas � a quest�o da contamina��o e da credibilidade. J� existe um mal-estar em rela��o ao Censo, vai criar um mal-estar em rela��o � Pnad? Daqui a pouco vai criar um mal-estar em rela��o aos [�ndices de] pre�os? As fronteiras t�m que ser muito bem definidas.

 

RAIO-X

Roberto Olinto, 70

Engenheiro com mestrado e doutorado na �rea, ingressou no IBGE em 1980. Atuou como gerente de Contas Nacionais de 1998 a 2005, per�odo em que ajudou a desenvolver o novo sistema de c�lculo do PIB trimestral no Brasil. Em 2005, virou coordenador da �rea. Em 2014, tornou-se diretor de pesquisas. Em junho de 2017, assumiu a presid�ncia do IBGE, permanecendo at� o fim de 2018. J� foi membro do grupo de conselheiros em contas nacionais da ONU (Organiza��o das Na��es Unidas) e consultor do Departamento de Estat�sticas do FMI (Fundo Monet�rio Internacional). Hoje, � pesquisador associado do FGV Ibre.

 

 


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