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Estado de Minas IGREJA

Padres brasileiros s�o sobretudo brancos, est�o estressados e v�m de classes baixas

Pesquisa com 200 sacerdotes presenciais e mais de 1650 entrevistas remotas traz levantamento importante sobre a situa��o no pa�s


10/02/2023 11:26 - atualizado 10/02/2023 12:09

Padre celebra missa
Padre celebra missa (foto: Istv�n Kis/Pixabay)
Ainda moleque, Jos� Ferreira Filho ganhou o apelido de Tomate. Crian�a t�mida que era, as bochechas enrubesciam f�cil e logo o deduravam. O acanhamento se foi, a alcunha ficou, e hoje ele � conhecido como padre Tomate, a servi�o dos cat�licos nas par�quias paulistanas de S�o Vito M�rtir (Br�s) e Nossa Senhora do Brasil (Jardim Am�rica).

"Eu sempre admirava as pessoas que tinham desenvoltura diante do p�blico, e agora me considero algu�m que aprendeu a ser assim tamb�m", diz. "Afinal, o sacerd�cio requer isso de n�s."

O sacerd�cio de fato requer isso e muito mais dos cl�rigos, e a fatura vem em forma de fragilidades na sa�de f�sica e mental. Os padres brasileiros est�o estressados, alguns at� deprimidos. Quase metade deles pratica pouco ou nenhum exerc�cio. S� 1 em cada 10 j� teve acompanhamento psiqui�trico.

S�o dados colhidos por Jos� Carlos Pereira, soci�logo e tamb�m padre, como os tantos que ele entrevistou para a pesquisa condensada no rec�m-lan�ado "Oper�rios da F�" (Matrix Editora).

Entre 2019 e 2021, a partir de um question�rio com cem perguntas, Pereira conversou presencialmente com 200 sacerdotes e coletou 1.658 depoimentos virtuais. Em 2018, o pa�s tinha 27,3 mil padres, segundo a �ltima estimativa do Centro de Estat�stica Religiosa e Investiga��es Sociais, �rg�o da CNBB (Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil).

Estamos falando de um contingente sobretudo branco. Assim se reconhecem 67% dos cl�rigos ouvidos, bem acima dos 43% da popula��o que se autodeclara nessa categoria, de acordo com o IBGE. Os padres pretos s�o 10%, e os pardos, 18,9%.

Pereira pesca em fatos hist�ricos poss�veis explica��es para a preval�ncia da branquitude. Refer�ncia na sociologia da religi�o, Ant�nio Fl�vio Pierucci (1945-2012) recordava as Constitui��es Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707, "que traziam, desde os tempos de Anchieta, o requisito de pureza de sangue, que exclu�a os ind�genas, os negros e mesti�os de todo g�nero, mamelucos, crioulos, mulatos".

O religioso Frei Caneca (1779-1825) � um exemplo: chamado pejorativamente de "filho de pardos", teve que branquear sua genealogia e sustentar que s� a tatarav� "talvez tivesse sangue negro" para ser admitido na ordem cat�lica.

At� hoje, aponta Pereira, de 477 bispos cat�licos brasileiros, apenas 12 s�o afrodescendentes.

Padre Tomate vai na contram�o de outra estat�stica levantada pelo autor: j� contava meio s�culo de vida quando entrou no sacerd�cio. Chegou a se formar em tecnologia da informa��o e fazer uma p�s-gradua��o em comunica��o empresarial. Teve at� uma namorada que por pouco n�o virou ex-mulher do padre. "Tinha tudo para casar com esta mo�a. S� que eu me sentia extremamente amado e n�o sentia que podia am�-la tanto de volta."

Preferiu a vida de batina e hoje, aos 55 anos, � mais velho do que a maioria dos padres entrevistados. A pesquisa revelou um clero jovem: 47,6% t�m menos de 45 anos. S� 3 em cada 10 cl�rigos t�m de 56 anos para cima.

Pereira, contudo, admite uma limita��o no levantamento: os idosos tiveram mais dificuldade em participar, seja por desinteresse, seja por falta de intimidade com o formul�rio online adotado ap�s a pandemia de Covid-19. "A quest�o da tecnologia amarrou um pouquinho para eles."

O pesquisador aponta outros campos em que as respostas podem n�o espelhar a realidade. Como quando perguntou se os padres tinham d�vidas sobre sua identidade afetiva-sexual, e 94,4% disseram que n�o.

Para Pereira, o n�mero � duvidoso. "A maioria se declara heterossexual. Na conviv�ncia, sabemos que n�o � isso."

Ele desconfia que mais da metade do clero "seja tendencialmente homossexual", mas frisa que isso n�o passa de uma suposi��o, j� que n�o h� levantamento s�rio sobre o tema. "Ela est� baseada em minha conviv�ncia de mais de 30 anos com padres e candidatos ao sacerd�cio."

Pereira diz que ser homossexual n�o � um problema em si. Afinal, na teoria n�o deveria fazer diferen�a um padre sentir atra��o por mulher ou homem. Todos est�o condicionados ao celibato --pr�tica que, ali�s, "a maioria concorda, mas nem todos vivem".

J� os m�ltiplos casos de abuso de menores devem ser punidos com rigor pela Igreja Cat�lica, diz. Ele s� faz uma ressalva: embora a repercuss�o das den�ncias grude no imagin�rio popular e passe a impress�o de ass�dios em larga escala, "a grande maioria dos padres n�o � ped�fila".

No campo da sexualidade, h� o que a doutrina cat�lica discerne como "atos impuros", como a masturba��o e o consumo de pornografia "ou de imagens visualizadas, acidental ou intencionalmente, nas redes sociais ou produzidas pela imagina��o". A "libido sublimada" por votos de castidade e celibato n�o impede que vez ou outra esses "pecados" acometam sacerdotes, segundo Pereira.

Ele chama a aten��o para fissuras no bem-estar mental da categoria. "Padres se sentem sozinhos, esquecidos", diz. "Essa pesquisa revelou tamb�m o perfil de padres muito estressados, sobrecarregados de trabalho, e isso desencadeia uma s�rie de situa��es. Tem quem celebre cinco, seis missas no fim de semana, al�m de outras atividades eclesi�sticas. N�o h� tempo de cuidar da sa�de."

A origem familiar quase sempre � pobre: quase 70% dos cl�rigos v�m das classes baixa e m�dia baixa. A Igreja, repara o autor, pode ser vista como porta de acesso para a ascens�o econ�mica e social.

J� nos tempos coloniais do Brasil, de fam�lias com muitos filhos, "dar um para Deus" e v�-lo se tornar padre garantia certo status social. Havia a vantagem extra de assegurar uma educa��o de qualidade no semin�rio, e sem ter que pagar por isso.

Em crises econ�micas, a procura por essas escolas de padre tende a aumentar. A �frica, diz Pereira, ilustra bem o fen�meno: muitos aspirantes ao clero n�o est�o l� por voca��o, mas por sobreviv�ncia.

N�o que a vida clerical seja prop�cia ao enriquecimento. A legisla��o trabalhista n�o permite que ministros de cultos religiosos sejam assalariados. Sacerdotes cat�licos recebem um tipo de pens�o chamada c�ngrua. Padre Tomate, por exemplo, ganha o equivalente a dois sal�rios m�nimos.

A pesquisa de Pereira revelou ainda que a maior parte do clero nasceu longe dos grandes centros urbanos. Ele mesmo veio da zona rural. A vontade de servir � Santa S�, lembra, surgiu no in�cio da adolesc�ncia, quando ele e os amigos eram figurantes na encena��o da Paix�o de Cristo que a par�quia local promovia toda Semana Santa nas ruas da interiorana Macatuba (SP).

Padres n�o s�o figuras desconectadas do mundo n�o religioso. Dos ouvidos para esta pesquisa, 83,2% disseram acessar muito a internet, e 94,5% navegam por redes sociais. O gosto por TV tamb�m � alto. A maioria gosta de assistir ao notici�rio, e tem aquele 1% que � f� de reality show.

 

 


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