
Durante um almo�o, a conversa chega a um tema trivial, justamente sobre comida: pimenta. Uma pessoa da casa leva ao nariz uma pequena por��o do tempero e, pouco tempo depois, entra numa sequ�ncia improv�vel. Sofre uma parada cardiorrespirat�ria, tem um edema cerebral e fica internada em estado grave.
� um caso bastante raro na medicina e ocorreu com a trancista Thais de Medeiros Oliveira, de 25 anos, na cidade de An�polis, em Goi�s.
Ela deu entrada em um hospital local no �ltimo dia 17 de fevereiro e, na ter�a-feira (28/2), permanecia internada.
Segundo a Santa Casa de An�polis, houve melhora de suas condi��es respirat�rias e infecciosas, em sua press�o arterial e no quadro do edema cerebral, que � o ac�mulo de l�quido na regi�o.
A fam�lia disse que Thais n�o havia manifestado sensibilidade espec�fica a pimenta anteriormente. Mas, segundo o jornal O Estado de S.Paulo, h� sete anos ela descobriu que era asm�tica e enfrentava crises peri�dicas.
"Infelizmente ela foi v�tima de uma combina��o de v�rios fatores que levaram a um quadro de crise asm�tica grave", diz Helton Santiago, professor de Imunologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ele diz que a rea��o a um al�rgeno (a subst�ncia que desencadeia o processo al�rgico) muitas vezes se manifesta de forma intensa logo na primeira rea��o.
"Nesse caso, h� a possibilidade de ela ter desenvolvido alergia � pimenta sem saber, o que � raro de acontecer, ou de possuir alergia a outra subst�ncia que tenha reatividade cruzada contra algum componente da pimenta".
Reatividade cruzada ocorre quando o sistema imunol�gico do corpo interpreta as prote�nas de duas subst�ncias diferentes como semelhantes e desencadeia a rea��o que aparece na forma dos sintomas al�rgicos.
Ou seja, existe at� a possibilidade de que Thais n�o seja especificamente al�rgica a pimenta.
Um estudo publicado no ano passado por cientistas de institui��es da Fran�a e do Jap�o analisou o caso de uma paciente japonesa de 16 anos al�rgica a p�len e frutas e que sofreu uma rea��o anafil�tica — estado de choque no corpo que causa sintomas severos e potencialmente mortais — ap�s consumir pimenta.
Pimenta t�pica de Goi�s

O que desencadeou o quadro grave de Thais foi uma conserva de pimenta bode (Capsicum chinense), popular no Centro-Oeste do pa�s e bastante presente em pratos goianos.
Claudia Silva, t�cnica do Embrapa, diz que essa variedade tem ard�ncia consider�vel e estima um patamar entre 120 mil e 190 mil na escala Scoville (que varia de 2 mil a 2 milh�es).
A sensa��o de ardor nas pimentas, que pode evoluir para tosse, espirro e l�grimas, � provocado pela capsaicina, o principal componente da planta.
"A capsaicina pode sensibilizar receptores no epit�lio nasal e gerar irrita��o", afirma Danielle de Lima �vila, nutricionista e doutora em Bioqu�mica pela UFMG.
Helton Santiago diz que a subst�ncia tem a capacidade de se ligar em determinados receptores dos mast�citos, c�lulas imunol�gicas respons�veis por estimular as manifesta��es cl�nicas da alergia.
"Dessa forma, se uma pessoa inalar pimenta, mesmo que n�o seja al�rgica, pode apresentar sintomas parecidos com asma. Se a exposi��o for intensa, mesmo o consumo oral ou inala��o podem desencadear uma rea��o t�o forte que parece ser o de um quadro anafil�tico", explica o professor de imunologia.
Mas ele chama aten��o especial para os perigos da asma.
Um brasileiro morre por asma a cada 4 horas aproximadamente, de acordo com dados do Minist�rio da Sa�de de 2018 a 2020.
"Vale lembrar que asma � uma doen�a s�ria e que apresenta uma mortalidade significativa no mundo. Portanto, uma pessoa asm�tica deve fazer um acompanhamento adequado do seu quadro com um pneumologista ou um alergista", diz Santiago.
A doen�a acomete as vias respirat�rias fazendo com que br�nquios (tubos que levam o ar para o interior dos pulm�es) fiquem inflamados, inchados e com muco ou secre��o. Por consequ�ncia, impede a entrega de oxig�nio necess�ria durante crises.
Ele afirma que testes para descobrir os al�rgenos que afetam uma pessoa s�o tamb�m muito �teis, pois podem auxiliar no controle ambiental para preven��o e evitar exposi��o desnecess�ria.
"Em todo caso, a rea��o que a Thais teve foi muito dram�tica e exames adequados devem ser feitos para se determinar um mecanismo [que desencadeou a rea��o]. O mais importante agora � manter a vida dela e torcer para que n�o tenha sequelas das paradas card�acas que sofreu."