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Estado de Minas LEISHMANIOSE

Matan�a de c�es infectados com parasita gera pol�mica em cidade de S�o Paulo

As decis�es de uma prefeitura no interior de S�o Paulo sobre o que fazer com os cachorros diagnosticados com leishmaniose tem gerado pol�mica e protestos


01/05/2023 12:21 - atualizado 01/05/2023 23:54
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Cachorro com sinais de leishmaniose
Embora o SUS n�o considere a leishmaniose em c�es caso de sa�de p�blica, existe uma Portaria que autoriza a eutan�sia, mas n�o a coloca como �nica op��o (foto: Getty Images)

Um ve�culo oficial da prefeitura de Castilho, quase na divisa de SP com MS, anuncia que c�es com leishmaniose precisam ser entregues para o CCZ (Centro de Controle de Zoonoses). A pr�tica � recorrente durante 2022 e 2023. Todo morador da cidade sabe o motivo. Eutan�sia.

� assim que a atual administra��o da cidade com 18 mil habitantes, e que fica a 644 km de S�o Paulo, atua no combate a leishmaniose. C�es s�o presos, testados e enviados direto para a morte.

Engana-se quem pensa que � uma pol�tica somente para cachorros abandonados. Diego, de 21 anos, revela sua hist�ria. "Fizeram exame no meu cachorro e me obrigaram a entreg�-lo. Falaram que se algu�m da rua ficasse doente a responsabilidade seria minha. Fiquei com medo e deixei levar o bichinho", conta.

A pr�tica � comum no munic�pio, que usa a eutan�sia como carro-chefe no enfrentamento � doen�a. Um Inqu�rito Canino aconteceu em 2022 para descobrir quantos animais estariam contaminados.

Em mar�o a administra��o revelou que, pelo menos 50% dos quatro mil c�es do munic�pio est�o contaminados. A prefeitura tenta recolher os dois mil cachorros para lev�-los � CCZ a fim de praticar a eutan�sia, mas nem todos os tutores permitem.

"Prefeitura de Castilho fazendo campanha pesada para sacrificar nossos pets. Basta! Ser ignorante pode ser uma op��o individual. Ser desatualizado e desumano, j� � falta de intelig�ncia e de amo", escreveu o vereador Adilson Santos.

� �poca, em publica��o oficial, o Secret�rio de Sa�de, Demilson Cordeiro da Silva, afirmou o seguinte. "O maior problema � que esse animal continua sendo um risco n�o apenas para os outros animais da casa, mas principalmente para quem mora na resid�ncia e tamb�m para os vizinhos, pois o mosquito pica um c�o contaminado e sai voando, podendo depois picar toda a vizinhan�a".


Pessoa verificando a pele de cachorro
Um dos sintomas da leishmaniose em c�es � o aparecimento de les�es na pele (foto: Getty Images)

N�o � o que diz a ci�ncia. F�bio Santos Nogueira, o doutor Leishmaniose, uma das maiores autoridades do pa�s no assunto e que usa o Instagram para divulgar dicas que desmistificam a doen�a (@drleishmaniose) revelou � BBC Brasil que existe tratamento.

"Existem v�rios f�rmacos leishmanicidas para o tratamento da leishmaniose visceral, seja nas pessoas ou nos animais, sendo os mais utilizados os antimoniatos, anfotericina B e a miltefosina".

O veterin�rio explica ainda que o cachorro, quando colocado em tratamento, pode deixar de ser um transmissor. "A miltefosina est� liberada para o uso nos c�es, atrav�s de uma portaria interministerial de 2016. Temos tamb�m algumas drogas leishmaniost�ticas e imunomoduladoras que podem ser utilizadas nos animais e com uma boa resposta cl�nica. Importante esclarecer que a leishmaniose � uma doen�a de dif�cil cura parasitol�gica est�ril, seja nas pessoas ou nos animais. Com o tratamento, podemos obter a melhora cl�nica, redu��o da carga parasit�ria, controle da resposta imunol�gica e consequentemente o bloqueio da transmiss�o", garante.

Sobre as mortes de animais, o doutor F�bio � taxativo. "A eutan�sia como forma de controle da doen�a � uma p�gina que j� foi virada da nossa hist�ria. Ela surgiu em 1963 atrav�s de um decreto presidencial que visava o tratamento gratuito das pessoas infectadas, o controle do vetor e a eutan�sia dos animais doentes. No entanto durante todos esses anos se mostrou ineficaz e custosa, com aumento do n�mero de casos e dissemina��o para novas �reas".

Por defender que seja abandonada a pr�tica, o veterin�rio se envolveu em uma pol�mica com a prefeitura de Castilho. Morador de Andradina, cidade vizinha, ele fez dura postagem em seu Instagram, comparando o modelo do munic�pio ao nazismo durante a Segunda Guerra Mundial.

A postagem, por�m, n�o est� mais dispon�vel. O pr�prio veterin�rio explicou em um story divulgado � �poca, que apagou o post por pedido do pr�prio prefeito da cidade, Paulo Duarte Boaventura (MDB). O m�dico concordou em retirar as cr�ticas porque soube que o pol�tico e sua fam�lia passaram a receber amea�as.

Questionada pela BBC Brasil sobre o caso e a pr�tica de eutan�sia, a prefeitura de Castilho n�o enviou resposta.

A pr�tica n�o est� restrita a uma �nica cidade do interior de S�o Paulo. Na Est�ncia Tur�stica de Pereira Barreto houve uma guerra entre prefeitura e uma R�dio Comunit�ria por conta da eutan�sia.

O munic�pio de 25 mil habitantes praticou a eutan�sia em 504 cachorros com leishmaniose em 2022, segundo dados oficiais da Secretaria Municipal de Sa�de. "Questionamos se houve o cumprimento da lei e a Secret�ria se recusou a dar informa��es", conta Naian Lucas Lopes, jornalista e apresentador de um jornal local na R�dio e que � dono de uma cachorrinha com leishmaniose.

Ele conta que desde o primeiro dia optou pelo tratamento e, agora, quatro meses depois, n�o h� carga para a doen�a aparecer no resultado dos exames. "A cachorra recuperou completamente a sa�de e eu gostaria que os 504 c�es da cidade tivessem tido a mesma chance", afirma comemorando.

Quem enfrentou essa estrat�gia foi Lindinalva(*). Protetora de animais, ela teve um c�o, o Neguinho, diagnosticado com Leishmaniose. Embora funcion�rios do CCZ tenham determinado a eutan�sia, ela n�o permitiu e decidiu cuidar do animal em casa e ele est� sendo tratado.

Um caso que chocou a popula��o ocorreu no mesmo per�odo em que a R�dio Comunit�ria estava em p� de guerra com a prefeitura. Funcion�rios do CCZ (Centro de Controle de Zoonoses) invadiram uma resid�ncia sem a autoriza��o da propriet�ria, M�rcia(*).

A senhora de 60 anos estava fora de casa quando a filha autorizou a entrada de funcion�rios do CCZ e a realiza��o de um exame no cachorro da fam�lia. Com o resultado positivo para leishmaniose, o c�o foi levado para a sede do Centro de Zoonoses e sacrificado horas depois.

M�rcia conta que ficou desesperada. "Eu corri at� l� para pegar meu cachorro de volta e me disseram que ele j� havia morrido. Eu entrei em p�nico e denunciei para as Associa��es de Animais", conta.


O parasita causador da leishmaniose visto do microscópio
O parasita causador da leishmaniose visto do microsc�pio (foto: Getty Images)

Neste caso, a prefeitura n�o cumpriu a lei. N�o houve tempo h�bil para a contra-prova e muito menos para o acompanhamento, como determina a legisla��o. Procurada sobre o assunto, a administra��o n�o respondeu.

Existe uma legisla��o especifica que deve ser cumprida antes da eutan�sia, � o que explica o advogado Marcos Ferreira. "A eutan�sia est� descrita na legisla��o, mas � preciso seguir uma s�rie de exig�ncias. � preciso um exame comprovando a doen�a, uma contra-prova para garanti-la. Tamb�m � preciso que haja um relat�rio individual do animal, com um documento assinado por uma Associa��o de Defesa de Animais, certificando que todas as etapas foram cumpridas. Al�m disso, � importante ter a autoriza��o expressa do tutor de que ele foi informado da possibilidade do tratamento e optou pela eutan�sia", diz.

Marcos virou um porta-voz dos cachorros em Pereira Barreto. Ao saber do ocorrido, o advogado procurou o Minist�rio P�blico pedindo provid�ncias e acompanhamento do caso.

A den�ncia est� em fase de aprecia��o e a expectativa � que a Promotoria tome uma posi��o. "Encaminhamos um pedido de apura��o ao MP, pedindo provid�ncias imediatas para que Pereira Barreto deixe de adotar a eutan�sia como forma de enfrentamento da leishmaniose e que se crie mecanismos que protejam a vida animal", garante.

Tanto a prefeitura de Castilho quanto a de Pereira Barreto deram respostas semelhantes aos questionamentos. Nos dois casos h� a garantia de que a eutan�sia n�o � a �nica pr�tica para o combate a leishmaniose e que todas as medidas est�o contidas nos protocolos do Minist�rio da Sa�de e amparadas pelo Conselho Federal de Medicina Veterin�ria.

Embora o SUS n�o considere a leishmaniose em c�es caso de sa�de p�blica, existe uma Portaria que autoriza a eutan�sia, mas n�o a coloca como �nica op��o.

A eutan�sia � questionada no mundo todo h� mais de dez anos. Um documento de 2010, publicado pela OMS (Organiza��o Mundial de Sa�de), questiona a pr�tica da e mostra a baixa resolutividade, dando o Brasil como exemplo "A triagem e o abate em massa de c�es soropositivos n�o se mostraram uniformemente eficazes em programas de controle (por exemplo, no Brasil)", diz o trecho.

No mesmo texto, a Organiza��o Mundial de Sa�de j� mostrava que o tratamento parecia ser o melhor caminho. "Em v�rios pa�ses mediterr�neos, a eutan�sia de c�es dom�sticos infectados � reservada para casos especiais, como resist�ncia a medicamentos, reca�das recorrentes ou situa��es epidemiol�gicas perigosas. A maioria dos veterin�rios prefere controlar a leishmaniose canina administrando tratamento antileishmania, enquanto observa atentamente as reca�das".

Uma decis�o do TRF-3, em 2015, considerou que a eutan�sia � Inconstitucional. A 6ª turma do Tribunal Regional Federal do Mato Grosso do Sul, decidiu que o m�todo n�o deveria ser utilizado em Campo Grande, capital do Estado.

"N�o tem o menor sentido humanit�rio a m� conduta do munic�pio em submeter a holocausto os c�es acometidos de leishmaniose visceral, sem qualquer preocupa��o com a tentativa de tratar dos animais doentes e menos preocupa��o ainda com os la�os afetivos que existem entre humanos e c�es, pretendendo violar o domic�lio dos cidad�os sem ordem judicial para, despoticamente, apreender os animais para mat�-los", publicou o relator do caso, o desembargador Johonsom di Salvo.

Cada vez mais a eutan�sia passa a ser questionada judicialmente. Em 2016, na mesma Pereira Barreto, um casal foi � justi�a para impedir a morte de Bolinha, seu pet, que estava com a leishmaniose.

O desembargador Jos� Luiz Galv�o de Almeida salvou o c�o da morte certa. "H� ampla bibliografia cient�fica documentando que o animal soropositivo para LVC, adequadamente tratado, sob supervis�o de m�dico veterin�rio e protegido pelas medidas de preven��o, n�o apresenta protozo�rios na pele, n�o podendo, portanto, ser considerado infectante para o inseto transmissor, podendo conviver com seres humanos e outros animais. Assim, acolhe-se o pedido do apelante para evitar que o animal seja exterminado, devendo continuar sendo submetido a tratamento junto a m�dico veterin�rio, podendo o Poder P�blico acompanhar o tratamento e auxiliar o requerido, caso necess�rio, no combate da doen�a", escreveu na senten�a.

Desde 2019 existe medicamento autorizado pelo Minist�rio da Sa�de para tratamento de c�es com a doen�a: o milteforan. Ele � considerado eficaz e com alcance cient�fico de 70% para c�es doentes. Na pr�tica, veterin�rios garantem que esse n�mero ultrapassa os 90%. Isso significa dizer que, al�m do animal melhorar seus sintomas, ele n�o tem carga suficiente para que o parasita transmita a doen�a a humanos.

O tratamento, por�m, n�o � barato. S�o 28 dias de medica��o, com um custo em torno de R$ 850 apenas o rem�dio. Ao somar a consulta e os exames, n�o sai por menos de R$ 1,3 mil, algo fora da realidade de boa parte da popula��o brasileira.


Os flebótomos são os transmissores da leishmaniose
Os fleb�tomos s�o os transmissores da leishmaniose (foto: Getty Images)

Mas segundo o advogado Marcos Ferreira, cabe ao Poder P�blico providenciar o tratamento em caso de vulnerabilidade. "A lei estabelece que o Poder P�blico, incluindo a� as prefeituras, � respons�vel indireto por todo animal dom�stico. Se um tutor n�o tem condi��o de arcar com as despesas de um tratamento, por exemplo, ele pode e deve exigir, at� judicialmente, se o caso, que as despesas sejam arcadas pelo poder p�blico".

Muita gente defende a eutan�sia por medo de que o cachorro transmita a doen�a para a fam�lia. Mas isso � um mito. Quem explica F�bio, o doutor Leishmaniose.

"A leishmaniose visceral � uma doen�a infecciosa, n�o contagiosa, causada por um protozo�rio do g�nero Leishmania e que acomete c�es, gatos, equinos e o ser humano. Os animais podem funcionar como reservat�rios da doen�a servindo de fonte de alimenta��o para o vetor, tamb�m chamados de flebotom�neos e popularmente conhecidos por 'mosquito palha'. Ao entardecer, as f�meas dos flebotom�neos saem a procura de sangue para matura��o dos seus ovos e quando encontra um c�o infectado ingere o sangue com as formas parasit�rias chamadas de amastigotas. Dentro do intestino do flebotom�neo essas formas amastigotas sofrem um processo chamado de metaciclog�nese at� se transformarem na forma infectante chamada de promastigota metac�clica e migrar para o aparelho bucal. Esse processo demora de 5 a 7 dias. Quando a f�mea realizar um novo repasto sangu�neo, durante a alimenta��o (homem ou nos animais), ela acaba regurgitando as formas parasit�rias que entrar�o no organismo e ir�o desencadear uma resposta imunol�gica que pode ser protetora ou n�o, sendo determinante para a doen�a. Importante salientar que nem todos os animais s�o infectantes e transmitem a doen�a".

Neste cen�rio, a pol�tica p�blica defendida por veterin�rios � de que se trate o animal com a medica��o, o uso de coleiras espec�ficas e de repelentes. Somente no caso do pet n�o responder ao tratamento � que a eutan�sia deveria ser adotada. Para o caso de sa�de p�blica, o ideal � combater o mosquito Palha, transmissor da doen�a, evitando terrenos e quintais sujos, para acabar com os criadouros, exatamente como acontece com a dengue.

Em 2021, a C�mara dos Deputados realizou um debate sobre a Leishmaniose, a pedido do deputado federal Fred Costa (Patriotas-MG). "Na medida que n�s optamos pela pol�tica p�blica do sacrif�cio, esses animais n�o est�o tendo a oportunidade sequer de ter o tratamento, desde a op��o mais barata at� a op��o mais complexa", lamentou ele na ocasi�o, em conversa com a Ag�ncia C�mara.

A Lei 14.228/2021, assinada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), abriu espa�o para o fim das mortes de cachorros com a doen�a. Isso porque, o artigo segundo determina que somente podem sofrer eutan�sia animais com doen�as incur�veis. N�o � mais o caso da leishmaniose.

(*)Todas as hist�rias contadas s�o ver�dicas e aconteceram, mas os nomes usados s�o fict�cios para preservar as identidades das v�timas.


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