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Estado de Minas RIO DE JANEIRO

Maria Carolina, a princesa brasileira morta pelos nazistas em c�mara de g�s

Especialistas reconstituem a trajet�ria de Maria Carolina de Saxe-Coburgo e Bragan�a, v�tima do nazismo em 1941


25/06/2023 14:01 - atualizado 25/06/2023 14:29
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Maria Carolina de Saxe-Coburgo e Bragança
(foto: Dom�nio p�blico)

O historiador Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragan�a tinha sete anos quando as tropas de Hitler invadiram a �ustria, em 12 de mar�o de 1938. Aos 91, ele n�o se esquece do semblante de preocupa��o de sua tia, a princesa Maria Carolina de Saxe-Coburgo e Bragan�a (1899-1941).


Ela e a m�e de Carlos, Teresa Cristina (1902-1990), s�o bisnetas do imperador Pedro 2º (1825-1891).

Elas s�o filhas do pr�ncipe Augusto Leopoldo (1867-1922), filho da princesa Leopoldina (1847-1871). Leopoldina �, por sua vez, a segunda filha de Pedro 2º e Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sic�lias (1822-1889).

Ao todo, o pr�ncipe Augusto e a mulher, a arquiduquesa Carolina da �ustria-Toscana (1869-1945), tiveram oito filhos: Augusto (1895-1909), Clementina (1897-1975), Maria Carolina, Rainer (1900-1945), Filipe (1901-1985), Teresa Cristina, Leopoldina (1905-1978) e Ernesto (1907-1978).


Totem do Memorial às Vítimas do Holocausto, no Rio de Janeiro
A hist�ria da princesa Maria Carolina � contada num dos totens do Memorial �s V�timas do Holocausto, no Rio de Janeiro (foto: Divulga��o)

Desses, pelo menos tr�s nasceram com problemas mentais, provavelmente de origem gen�tica: Augusto, Maria Carolina e Leopoldina.

No caso da terceira filha do casal, acredita-se que, al�m da defici�ncia mental, ela teria contra�do poliomielite. Quem afirma isso � sua sobrinha, Maria Am�lia, filha da princesa Clementina, em seu livro de mem�rias.

Naquele 12 de mar�o de 1938, Maria Carolina n�o poderia imaginar que apenas tr�s anos depois, no dia 6 de junho de 1941, ela seria morta pelas m�os dos nazistas numa c�mara de g�s do Castelo de Hartheim, na �ustria.

Tinha 42 anos.




"Minha tia foi barbaramente eliminada por duas raz�es: era declaradamente antinazista e tinha uma doen�a incur�vel", recorda o sobrinho da princesa, autor de livros como Dom Pedro 2º na Alemanha (Editora Senac, 2014). "O regime eliminou uma inimiga com a desculpa de que ela era in�til e demente".


Maria Carolina, Augusto Leopoldo, Clementina, Augusto, Rainer e Carolina
Os irm�os Maria Carolina, Augusto Leopoldo, Clementina, Augusto, Rainer e Carolina (foto: Museu Imperial Ibram MinC)

Condenados ao esquecimento

A princesa Maria Carolina nasceu no dia 10 de janeiro de 1899, na cidade de Pula, antigo Imp�rio Austro-H�ngaro, atual Cro�cia. Seu nome completo � Maria Carolina Filomena Ign�cia Paulina Josefa Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Saxe-Coburgo e Bragan�a.

Por parte de pai, Maria Carolina era bisneta de Dom Pedro 2º, o �ltimo imperador do Brasil, e trineta de Dom Pedro 1º, o primeiro imperador brasileiro.


Maria Carolina no colo da mãe, entre Clementina e Augusto
Maria Carolina no colo da m�e, entre Clementina e Augusto (foto: Museu Imperial Ibram MinC)

Seu pai, Augusto, nasceu em Petr�polis (RJ), no dia 6 de dezembro de 1867, mas, com a morte do av�, Dom Pedro 2º, no dia 5 de dezembro de 1891, passou a morar em Viena.

Foi l� que se casou, no dia 30 de maio de 1894, com a arquiduquesa Carolina, no Pal�cio Imperial de Hofburg. O casal teve oito filhos.

A fam�lia de Augusto e Carolina morou, entre outros endere�os, nos castelos Gerasdorf e Schladming, distantes 16 e 345 quil�metros de Viena, a capital da �ustria.

Dom Augusto morreu em 11 de outubro de 1922, aos 54 anos, sem realizar o sonho de, um dia, regressar ao Brasil.

A Lei do Banimento, que impedia a fam�lia imperial de colocar os p�s no pa�s, vigorou de 21 de dezembro de 1889, por ocasi�o da Proclama��o da Rep�blica, a 3 de setembro de 1920, j� no governo do presidente Epit�cio Pessoa.

"Os brasileiros conhecem muito pouco a hist�ria da princesa Maria Carolina porque ela nasceu no ex�lio", explica a historiadora Astrid Beatriz Bodstein, idealizadora do perfil Royalty and Protocol no Instagram. "N�o bastasse, a grande imprensa boicotava toda e qualquer not�cia sobre a fam�lia imperial. Ela praticamente viveu nas sombras".

Segundo Bodstein, o pr�ncipe Augusto Leopoldo at� pensou em visitar o Brasil por ocasi�o das comemora��es do centen�rio da Independ�ncia, em 1922, mas, adoeceu e morreu logo depois. A primeira integrante do ramo da fam�lia Saxe-Coburgo e Bragan�a a conhecer o pa�s foi a princesa Teresa Cristina j� na d�cada de 1930.

O Castelo da Morte

Em 1938, por recomenda��o de Filipe, o quinto filho da fam�lia Saxe-Coburgo e Bragan�a, sua m�e, Carolina, mudou-se para Budapeste, na Hungria, com a filha, Leopoldina.

Em setembro daquele mesmo ano, seis meses depois da anexa��o da �ustria pela Alemanha, Maria Carolina foi transferida para um hospital psiqui�trico em Schladming, onde a fam�lia residia desde 1918.

A princesa j� tinha sido internada, entre outras institui��es, em uma casa de repouso em Salzburgo e em um sanat�rio p�blico em Niedernhart.

"Muitos pais, sob a amea�a de perder a cust�dia de seus filhos, foram pressionados a mand�-los para supostos asilos e hospitais psiqui�tricos", afirma a historiadora Sabrina Ribeiro, criadora do canal Apaixonados por Hist�ria no YouTube. "Segundo as leis do regime nazista, pessoas 'suspeitas' de doen�as heredit�rias, ou ‘vidas indignas de serem vividas’, como diziam na �poca, deveriam ser exterminadas".

M�dicos nazistas, em vez de tratar os pacientes, entregavam os considerados incur�veis, seja por terem defici�ncias f�sicas, seja por apresentarem transtornos psiqui�tricos, � morte.

No dia 6 de junho de 1941, o hospital de Schladming foi invadido por soldados alem�es. Os pacientes — entre eles, Maria Carolina — foram transportados, em ve�culos apelidados de "�nibus da morte", para o Castelo de Hartheim.


Castelo de Hartheim
O Castelo de Hartheim, onde Maria Carolina foi morta (foto: United States Holocaust Memorial Museum)

Assim que chegaram ao centro de exterm�nio, os pacientes que tinham dentes ou obtura��es de ouro eram marcados pelos guardas. Depois de sua morte, tais objetos de valor seriam extra�dos.

Hartheim era um dos seis centros de exterm�nio existentes na �poca. Os outros cinco eram Bernburg, Brandenburg, Grafeneck, Hadamar e Sonnenstein. Neles, os pacientes eram mortos por envenenamento a g�s — mon�xido de carbono ou cianeto de hidrog�nio — ou com inje��o letal.

"Na hierarquia da mem�ria, os deficientes f�sicos e mentais ocupam o �ltimo lugar", afirma a pesquisadora Esther Mucznik, presidente da Associa��o Mem�ria e Ensino do Holocausto (Memosho�), em Lisboa. "E ocupam o �ltimo lugar, n�o s� pelo apagamento de vest�gios, mas, porque, ao contr�rio de outras v�timas do Shoah, como judeus, ciganos e homossexuais, n�o tinham representantes ou porta-vozes".

No mesmo dia em que chegou a Hartheim, 6 de junho de 1941, a princesa Maria Carolina de Saxe-Coburgo e Bragan�a foi executada, completamente nua, numa c�mara de g�s disfar�ada de banheiro. Dos chuveiros, n�o sa�a �gua, mas g�s letal. Da inala��o ao �bito, a v�tima, calculam os historiadores, n�o durava mais do que 20 minutos…

Hor�rio de sua morte: 3h40.

Estima-se que, entre maio de 1940 e agosto de 1941, 18,2 mil pacientes tenham sido executados em Hartheim — m�dia de 40 por dia. N�o por acaso, o centro de exterm�nio ganhou o macabro apelido de “Castelo da Morte”.

O corpo de Maria Carolina foi incinerado em um cremat�rio dentro do pr�prio castelo e suas cinzas supostamente guardadas na cripta da fam�lia na par�quia de Santo Agostinho, em Coburgo.

No mesmo dia de sua execu��o, o pr�ncipe Ernesto recebeu uma carta de condol�ncias. O documento informava o �bito de Maria Carolina, mas n�o trazia a causa de sua morte. Em geral, os m�dicos alegavam que os pacientes morreram de pneumonia ou tuberculose.


Carta endereçada ao Príncipe Ernesto comunicando a morte da Princesa Maria Carolina
Carta endere�ada ao pr�ncipe Ernesto comunicando a morte da princesa Maria Carolina (foto: Acervo Pessoal)

"O termo eugenia foi criado pelo cientista brit�nico Francis Galton (1822-1911) para designar uma ‘ci�ncia’ de melhoria da esp�cie humana", explica a m�dica Andr�a Maciel Guerra, doutora em Gen�tica e Biologia Molecular pela Unicamp. "Suas ideias de aprimorar a qualidade da popula��o por meio do encorajamento da uni�o entre pessoas com caracter�sticas desej�veis ficaram conhecidas como eugenia positiva".

Se a "eugenia positiva" estimulava a uni�o de pessoas com caracter�sticas desej�veis, a "eugenia negativa" proibia a de indiv�duos com caracter�sticas indesej�veis, como geneticamente incapazes, racialmente indesejados e economicamente empobrecidos.

"Na Alemanha, a eugenia inspirou defensores da supremacia racial, como Adolf Hitler, que tinham receio da degenera��o da popula��o pela reprodu��o de deficientes e de pessoas de camadas sociais inferiores", prossegue a geneticista. "Ele aplicou as doutrinas eugenistas de esteriliza��o compuls�ria, eutan�sia passiva e exterm�nio em massa dos indesej�veis e legitimou seu �dio fan�tico pelos judeus com uma fachada m�dica e pseudocient�fica".

'Eutan�sia nazista'


'Pedra de tropeço' em homenagem a Maria Carolina instalada em Schladming, na Áustria
'Pedra de trope�o' em homenagem a Maria Carolina instalada em Schladming, na �ustria (foto: Divulga��o)

No dia 12 de novembro de 2021, uma "pedra de trope�o" (“stolpersteine”, no original em alem�o) em homenagem � princesa Maria Carolina de Saxe-Coburgo e Bragan�a foi instalada em frente � antiga resid�ncia de sua fam�lia em Schladming, na �ustria. Atualmente, o castelo abriga a sede da prefeitura.

O projeto, lan�ado em 1992, � uma iniciativa do escultor alem�o Gunter Demnig, de 71 anos. O objetivo dele � lembrar algumas das incont�veis v�timas do Holocausto.

"Uma pessoa s� � esquecida quando seu nome � esquecido", explica o criador do projeto.

At� maio de 2023, j� foram instaladas mais de 100 mil "pedras de trope�o" em 26 pa�ses, como �ustria, Pol�nia e Argentina. S� na Alemanha, s�o mais de sete mil. Cada placa custa, entre produ��o e instala��o, 132 euros.

As "pedras de trope�o" s�o placas de bronze, esculpidas � m�o, sobre cubos de concreto. Em geral, as pedras, de 10 cent�metros, s�o instaladas na cal�ada diante do �ltimo endere�o conhecido da v�tima.

Na "pedra de trope�o" de Maria Carolina est� gravada a inscri��o "Aktion T4".

O T4 faz refer�ncia ao endere�o da sede da suposta Funda��o de Caridade para Cuidados Institucionais: o nº 4 da rua Tiergartenstrasse, em Berlim, na Alemanha. Quem trabalhava l�, entre outros, era Karl Brandt (1904-1948), o m�dico particular de Adolf Hitler.

"A A��o T4 � conhecida, eufemisticamente, como eutan�sia nazista", revela o historiador Pedro Mu�oz, doutor em Hist�ria das Ci�ncias pela Fiocruz e professor de Hist�ria da PUC-Rio. "Tratava-se, na realidade, de uma pol�tica de exterm�nio em massa de doentes mentais que antecedeu a chamada solu��o final".

"Os historiadores alem�es que estudam a hist�ria da eutan�sia nazista estimam um total de 200 mil v�timas da Aktion T4 em diferentes territ�rios sobre o dom�nio do Terceiro Reich", acrescenta Mu�oz.


Príncipe Augusto Leopoldo e sua mulher, a arquiduquesa Carolina, com sete de seus oito filhos.
Pr�ncipe Augusto Leopoldo e sua mulher, a arquiduquesa Carolina, com sete de seus oito filhos (foto: Prefeitura de Schladming)

Lembrar para n�o esquecer

No dia 19 de janeiro de 2023, a princesa Maria Carolina ganhou mais uma homenagem: a inaugura��o do Memorial �s V�timas do Holocausto, no Rio de Janeiro.

L�, o p�blico pode conhecer as hist�rias de dezenas de v�timas do Holocausto, como a escritora alem� Anne Frank (1929-1945), ou sobreviventes, como o psiquiatra austr�aco Viktor Frankl (1905-1997).

"Os terr�veis n�meros de milh�es de homens, mulheres e crian�as perseguidas e mortas pelo regime nazista escondem a trag�dia vivida por cada indiv�duo", observa Alfredo Tolmasquim, curador da exposi��o do Memorial �s V�timas do Holocausto, no Rio de Janeiro.

"Cada pessoa v�tima do nazismo tinha um nome, um rosto e uma hist�ria, e n�s queremos dar voz e contar a hist�ria de cada um deles".

Logo na entrada do museu, um monumento de 20 metros de altura, que simboliza os Dez Mandamentos, destaca o quinto deles: "N�o Matar�s".

A exposi��o � dividida em tr�s salas. Na primeira delas, iluminada e colorida, o visitante recorda o dia a dia dos judeus antes da ascens�o de Hitler ao poder. H� v�deos e fotos de escolas, casamentos e anivers�rios.

O segundo m�dulo, sombria e silenciosa, retrata a vida durante o Holocausto. Nas paredes, em vez de fotografias colorizadas, retratos em preto & branco. O sil�ncio � quebrado quando o visitante toca um totem e ouve as hist�rias de v�timas e sobreviventes. A da princesa Maria Carolina � apenas uma entre tantas.

A �ltima sala ilustra a vida depois da Segunda Guerra Mundial. No centro do m�dulo, uma mesa interativa dos sobreviventes que foram acolhidos no Brasil. Destaque para Nanette Blitz Konig, de 94 anos.

De origem holandesa, ela foi colega de Anne Frank tanto no Liceu Judaico, na Holanda, onde estudaram, quanto no campo de concentra��o de Bergen-Belsen, na Alemanha, onde estiveram presas. Hoje, mora em S�o Paulo.

O regime nazista perseguiu, torturou e assassinou, al�m de judeus, negros, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeov� e deficientes f�sicos e mentais, entre outros.

"Os deficientes f�sicos e mentais eram considerados um peso para a sociedade", descreve Alfredo Tolmasquim.

"Os nazistas identificavam os alem�es como membros da ra�a ariana, uma ra�a superior, idealizada como pessoas altas, inteligentes, atl�ticas, louras e de olhos azuis. Os deficientes 'sujavam' a pureza da ra�a. Milhares de deficientes foram assassinados e outros tantos foram esterilizados em nome de uma pretensa 'pureza' da ra�a".


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