
Sintetizado nos anos de 1980, sua patente j� expirou e pode ser produzido por qualquer empresa. O uso se tornou indiscriminado, relatam acad�micos e t�cnicos agr�colas.
Os agr�nomos contam que outros agrot�xicos, como inseticidas a base de nicotina, herbicidas e fungicidas, minam o organismo das abelhas de forma lenta, debilitando as fun��es f�sicas at� a morte, o que reduz as colmeias ao longo do tempo.
O fipronil � diferente. A subst�ncia atua no sistema nervoso central dos insetos, provocando uma superexcita��o nos m�sculos e nervos. � implac�vel como agente da morte aguda, afirma Ricardo Orsi, professor de veterin�ria da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
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"Inseticida sist�mico de a��o prolongada e agressiva, hoje ele � usado em diferentes culturas, o que explica a ocorr�ncia de contamina��es de abelhas em v�rios pontos do Brasil", explica ele.
Formigas e cupins s�o os seus principais alvos, mas � ele aplicado contra o bicudo do algod�o, a larva-alfinete no milho, a lagarta-elasmo na soja. Tamb�m tem usos dom�sticos. Est� nos mata-moscas e em coleiras de c�es e gatos contra pulgas e carrapatos.
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Segundo levantamento da Folha de S.Paio, os exames mostraram que foi o fipronil que vitimou 100 milh�es de abelhas no Mato Grosso, em junho, 80 milh�es na Bahia e, em julho, e tamb�m, provocou, em janeiro, perdas em Minas Gerais.
Estudos cont�nuos no Mato Grosso do Sul identificaram associa��o crescente entre mortes em massa a subst�ncia. Em 2017, o fipronil estava em 30,5% das amostras. Em 2021, em 66,6%. No ano passado, foi detectado em 85,7% nas amostras.
Voltando um pouco no tempo, tamb�m foi respons�vel pela morte de 50 milh�es de abelhas em Santa Catarina, em 2017, e pelo surto que dizimou quase 500 milh�es no Rio Grande sul, entre outubro de 2018 e mar�o de 2019.
Em todos os casos de mortandade em massa, n�o muito longe das colmeias havia alguma propriedade rural com cultivo em larga escala.
"N�o tem lugar mais arriscado para uma abelha hoje do que do lado de uma fazenda, pois voc� nunca sabe que agrot�xicos v�o usar, e como v�o usar", afirma o apicultor Jos� Arnildo Marquezin.
Foi preciso tempo para fazer a correla��o entre fipronil e mortes agudas, afirma Aroni Sattle, professor aposentado da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). "Os surtos come�aram no in�cio dos anos 2000. As abelhas chegavam, eu examinava, e n�o encontrava nenhuma doen�a ou praga que justificasse a mortandade intensa, do dia para noite, ent�o, passei a congelar amostras", diz.
Em 2018, ele enviou 37 delas para avalia��o, e o fipronil apareceu como o agrot�xico preponderante. Avalia��es de surtos posteriores foram na mesma linha. "Podemos afirmar que 60% a 70% das mortandades s�o provocadas por ele".
T�cnicos afirmam que a pulveriza��o por avi�o ou do trator, com risco ao trabalhador, � o principal problema, em especial quando feita na flora��o. A abelha infectada leva o veneno para colmeia e contamina o enxame.
"No caso mais recente aqui no Mato Grosso, n�o consideraram a temperatura e o vento recomendados para a aplica��o e, naquele dia, ainda ocorreu invers�o t�rmica, potencializando o efeito nocivo por um raio de 26 km [quil�metros]", diz a m�dica veterin�ria Erika do Nascimento, fiscal do Indea (Instituto de Defesa Agropecu�ria no estado).
A fiscaliza��o percorreu 22 propriedades e localizou a subst�ncia numa fazenda de algod�o. O produtor foi multado em R$ 225 mil.
Na Bahia, n�o se chegou aos culpados, mas a identifica��o do fipronil foi considerada um avan�o, explica Marivanda Eloy, coordenadora da �rea de apicultura da Superintend�ncia da Agricultura Familiar do estado.
"Na maioria dos casos, n�o sabemos o que aconteceu porque faltam laborat�rio e, recurso. Os apicultores s�o pequenos produtores que n�o podem pagar de R$ 800 a R$ a 1.000 para cada teste. Mas desta vez, conseguimos avaliar muitas amostras e encontramos fipronil at� na cera, onde � dif�cil detectar res�duos."
O surto matou 1.500 enxames de 32 produtores que, organizados em cooperativas e associa��es, fizeram mutir�o para seguir o protocolo previsto nesses casos: recolher as amostrar, fazer o BO (Boletim de Ocorr�ncia), e queimar todo o mel e cera.
A contagem dos apicultores dimensiona perdas comerciais na produ��o do mel. No entanto, pouco se sabe sobre o que est� ocorrendo com as abelhas silvestres, e qual o efeito na preserva��o da flora.
O Brasil tem 2.000 esp�cies de abelhas nativas, explica Andr� Sezerino, pesquisador da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecu�ria e Extens�o Rural de Santa Catarina).
"O pessoal acha que mel � o maior bem da abelha e que � bonitinho ela visitando as flores, mas o mel � uma parte m�nima do que ela faz. O grande servi�o � a poliniza��o", afirma ele.
"Esse trabalho mant�m o meio ambiente e o que comemos. Mais de 70% de todos alimentos que consumimos dependem da poliniza��o das abelhas."
APICULTORES TENTAM MUDAR LEGISLA��O
Como a frequ�ncia das mortes abelhas � crescente, apicultores est�o mobilizados em v�rios estados na tentativa de restringir o fipronil.
Goi�s aprovou em abril uma lei restringindo o uso da subst�ncia. A Assembleia de Minas Gerais tamb�m tem proposta semelhante. "J� faz dois anos que perco as abelhas, abaixo a cabe�a e come�o de novo, mas da �ltima vez, eu dei o grito", afirma o apicultor Marcelo Ribeiro, que lidera o trabalho para convencer os deputados a aprovarem o projeto. "Parte do meu trabalho agora com apicultor � acabar com a carni�a desse fipronil, que foi apontado como o principal respons�vel."
A refer�ncia em mudan�a legal � Santa Catarina, estado que tem uma c�mara setorial do mel muito organizada.
Com isso, adotou um regulamento mais r�gido, que pro�be a pulveriza��o, aumenta a fiscaliza��o e intensifica o di�logo com cooperativas e produtores para deter pr�ticas erradas.
Uma vez, por exemplo, o Minist�rio P�blico identificou que um �nico agr�nomo tinha emitido 1.450 receitu�rios para o fipronil em duas semanas. Na verdade, havia deixado as folhas assinadas nos balc�es das agropecu�rias onde era respons�vel t�cnico. O produto saia de qualquer jeito, para qualquer um.
"Conseguimos reduzir em 70% as mortes agudas", afirma Ivanir Cella, presidente da Federa��o das Associa��es de Apicultores e Meliponicultores de Santa Catarina.
O setor, no entanto, quer uma discuss�o nacional para restringir ou mesmo proibir o fipronil. A comiss�o que trata de mortandade de abelhas dentro C�mara Setorial do Mel tem feito esfor�os em Bras�lia.
Em agostou, reiterou o pedido de revis�o da legisla��o no Ibama (Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis). Foi encaminhado um of�cio detalhando o avan�o das mortes.
"Como o fipronil � uma mol�cula t�xica precisa sofrer avalia��es", explica Rodrigo Zaluski, integrantes do grupo e professor da UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul).
"Ocorre que esse processo foi instalado em 2012 e j� dura mais de dez anos sem uma conclus�o. Pelo que identificamos, os inseticidas a base de nicotina podem ser revistos antes do fipronil, que j� � comprovadamente mais t�xico."
Questionados, Ibama e Minist�rio da Agricultura n�o responderam at� a publica��o deste texto.
Nesse meio tempo, outros pa�ses j� proibiram o fipronil, caso da Col�mbia e Costa Rica.
A subst�ncia tamb�m foi vetada na Uni�o Europeia justamente pela alta letalidade em insetos que n�o s�o alvos. Tamb�m contribuiu para a decis�o, a contamina��o de ovos em ao menos 15 pa�ses na regi�o, em 2017. Uma empresa utilizou fipronil na composi��o de um desinfetante avi�rio, comprometendo as galinhas.
O bloco europeu, por�m, segue permitindo a exporta��o da subst�ncia para outros lugares. Ativistas t�m pedido uma mudan�a nessa regra.
"� escandaloso ver que a Uni�o Europeia ainda permita que suas empresas qu�micas exportem o fipronil para pa�ses como o Brasil", afirma o ativista irland�s Eoin Dubsky, que atua pela ONG Eko.
A alem� Basf adquiriu o produto em n�vel global em 2003, e manteve a patente no Brasil at� 2011, quando ele passou a ser comercializado por outras empresas. Sua marca, por�m, permanece associada � subst�ncia.
Procurada pela reportagem, a empresa afirmou que tem acompanhado os acontecimentos e que identifica o uso indevido da subst�ncia. Ainda segundo ela, em nenhum dos casos recentes os produtos utilizados tinham sido produzidos ou comercializado pela Basf.