Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
Presidente da Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Os descompassos na sociedade brasileira exigem que se levante a voz – n�o se pode correr o risco de omiss�o. A indiferen�a � uma coniv�ncia imoral. Torna-se, pois, urgente levantar a voz. O desafio � entender bem a qualidade desse ato. Ao contr�rio dos embates que se presenciam nos cen�rios contempor�neos, � necess�rio que se levante a voz, seguindo o exemplo da rica tradi��o dos profetas de Israel. Levantar a voz na tradi��o prof�tica e no exerc�cio do minist�rio de Jesus � a exig�ncia de se dizer em vista da verdade, do bem e da justi�a.
O falat�rio atual precisa ser substitu�do, urgentemente, pelo compromisso de que se levante a voz para educar e recompor o perigoso esgar�amento do tecido sociopol�tico que amea�a o futuro e o presente. H� de se notar as trapalhadas nas falas e nas propostas com o estabelecimento de muita confus�o. O momento exige um recome�o a partir de contribui��es significativas de modo que, ao se levantar a voz, se esteja engajado em processos que contribuam para nova compreens�o da realidade. Se o conjunto da humanidade, neste exato momento, nos seus diferentes segmentos, n�o conseguir levantar a voz, saibam: a sociedade ser�, velozmente, e sempre mais de modo destruidor, lan�ada no caos e na autodestrui��o.
O novo do indispens�vel processo de se levantar a voz, agora, tem seu ponto de partida na escuta qualificada dos outros, particularmente em se tratando dos clamores dos pobres e dos honestos. Assiste-se � derrocada de institui��es indispens�veis a assegurar os funcionamentos democr�ticos. H� sinais de posturas ditatoriais e de configura��o de esquemas de negociatas e de vantagens para grupos e segmentos olig�rquicos sob a hegemonia sedutora e doentia da idolatria do dinheiro. H� convic��es de que o lugar ocupado � justo, sem autocr�tica. Uma vis�o emoldurada por entendimentos question�veis, com uma l�gica empobrecida do sentido de humanismo e de "perten�a" � na��o.
Levantar a voz precisa ser um forte movimento de repara��o e de impulso para uma compreens�o ajustada da sociedade, do uso de seus bens, da sensibilidade social, que fecunda o sentido de respeito � casa comum, pela supera��o desses disparates que est�o comprometendo o respeito indispens�vel a uma sociedade democr�tica. Levantar a voz � um rem�dio para salvar a sociedade brasileira – ant�doto para a "avalanche" de falat�rios est�reis propalados como verdade. Falat�rios que s�o difundidos por quem n�o goza de autoridade moral. N�o basta falar. H� quem fale, e muito, at� mesmo para se justificar e se defender pela arma criminosa da detra��o do outro.
Na raiz da incompet�ncia revelada nos falat�rios que est�o diametralmente opostos ao ato de levantar a voz, com sua for�a moral pr�pria, constata-se grave relativismo pr�tico respons�vel por um estilo de vida desordenado, gerador de confus�o mental e escolhas pautadas por par�metros med�ocres e mesquinhos. O papa Francisco j� admitiu que esse relativismo pr�tico � mais perigoso que aquele doutrinal. H� uma onda perigosa em que o indiv�duo se coloca no centro, dando prioridade absoluta aos seus interesses absurdos. As institui��es est�o sendo atingidas frontal e mortalmente. H� verdadeira adora��o pelo poder e pelo dinheiro, o que faz indiv�duos se tornarem representantes do maligno. As consequ�ncias terr�veis s�o evidentes na degrada��o ambiental e social em curso. Essa famigerada cultura do relativismo � a patologia que manipula a pessoa e a convence de se aproveitar dos outros, como se fossem meros objetos. Com isso, as institui��es est�o em processo de derrocada, pois carecem de pessoas com verdadeira e comprovada autoridade moral. V�-se, com perplexidade, defesas de moralidades e, ao mesmo tempo, o comprometimento de intoc�veis princ�pios. Uma confus�o que acirra posi��es parciais t�picas de indiv�duos que n�o d�o conta do m�nimo moralmente exigido e indispensavelmente requerido.
A l�gica desse relativismo da moral � a mesma que leva � defesa r�gida de um aspecto e a negocia��o de outro por fraqueza e interesses esp�rios. Dois pesos, duas medidas. "Levante a voz" � o convite interpelante, din�mica da reconstitui��o do tecido moral da sociedade brasileira. Para isso, a coer�ncia prof�tica � condi��o indispens�vel, de modo que o falar seja acompanhado sempre de gestos concretos coerentes e fundamentados na verdade. A sociedade precisa que suas institui��es levantem a voz para salv�-la do fracasso, imposto pela falta de coer�ncia e pelas manipula��es. Isso exige coragem e destemor. O mundo da educa��o, particularmente, precisa levantar a voz e desinstalar-se daquelas costumeiras cr�ticas ins�pidas e conceitualistas sem for�a de mudan�a. Todos precisam levantar a voz, antes que seja tarde.
Fale alto o bem comum, impulsione o altru�smo, valha a honra, o respeito e a generosidade. Consiga-se, assim, fazer frente ao rolo compressor dos falat�rios e falsifica��es com a voz que se levanta e produz novos entendimentos, escolhas assertivas e justas. Efetive-se a supera��o de criminosos denuncismos, para desenhar novas din�micas civilizat�rias, livres de ju�zos sem a m�nima no��o de realidade. � tempo de levantar a voz para fazer valer a verdade e avan�ar na dire��o do bem. Se quiser contribuir agora, do seu lugar, alicer�ado na verdade e no apre�o pelo outro e pelo bem, levante a voz. Trata-se de efetiva participa��o democr�tica.
Uma nova compreens�o com escolhas adequadas � a exig�ncia para corre��o de rumos e descobertas de novas respostas. Essa conquista n�o � f�cil de ser alcan�ada. Vir� sempre de quem atender ao convite: levante a voz, para promover entendimentos e iluminar mentes, levando a escolhas que equilibrem a vida e as rela��es. Levante a voz para fazer valer a verdade em lugar de cal�nias e difama��es, para construir projetos e novos sistemas. Se todos levantarem a voz no horizonte da fraternidade e da verdade do evangelho de Jesus, ser�o fortalecidas din�micas de convers�o e mudan�as no tecido civilizat�rio – uma urg�ncia para a sociedade brasileira, que depende muito de que se levante a voz.
