Professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Em recente programa televisivo, uma entrevista foi conduzida pela jornalista Miriam Leit�o, tendo como participantes Marina Silva, Fernando Henrique Cardoso e Ciro Gomes. O epis�dio, somando-se a outras iniciativas, parece seguir na dire��o da constru��o de uma proposta capaz de gerar uma frente mais ampla de defesa da democracia e de contraposi��o ao governo Bolsonaro.
A presen�a dos tr�s, de partidos distintos, com perspectivas ideol�gicas, �s vezes, distantes, tem um simbolismo interessante de se notar, bem como a presen�a de Miriam Leit�o. Tanto Miriam quanto FHC foram v�timas do arb�trio do regime militar. A primeira, presa e torturada; o segundo foi aposentado, compulsoriamente, logo ap�s conquistar a c�tedra de ci�ncia pol�tica na USP e, perseguido, teve que se exilar, pois foi proibido de lecionar ou desenvolver pesquisas no Brasil. Certamente, FHC, com quase 90 anos, teve sua trajet�ria e compromisso com a democracia reconhecido por ambos, Ciro e Marina. Ciro, no in�cio e no final da entrevista, fez quest�o de destacar que, em muitos casos, esteve em lado oposto de FHC e, ainda, o tratou com dureza, ainda que no campo das ideias, segundo ele. Marina, por sua vez, rememorou que durante o governo FHC foi recebida pelo presidente mesmo sendo uma senadora do PT e, mais que isso, destacou o aux�lio dele na cria��o da primeira linha de cr�dito para os extrativistas da Amaz�nia.
Infelizmente, no Brasil, h� tempos, nega-se a import�ncia da pol�tica, os advers�rios s�o convertidos em inimigos e, por isso, interdita-se o di�logo e a constru��o de consensos. Assim, esse encontro de tr�s atores pol�ticos - Ciro e Marina ainda na ativa e FHC afastado da vida partid�ria - traz, aos democratas, esperan�as de novas pontes e n�o apenas da solidez de muros que os separaram nos �ltimos anos. A democracia, em primeiro plano, foi, por todos, objeto de pondera��es e destacada sua import�ncia para a vida pol�tica e da pr�pria oxigena��o da sociedade, com liberdade, respeito �s leis e �s institui��es. Foram, tamb�m, enfatizadas as quest�es atinentes aos direitos das minorias, as desigualdades estruturais da sociedade brasileira e o v�cuo de lideran�a neste singular e cruel momento pand�mico, conjugando crises de sa�de, econ�mica, pol�tica, institucional e, potencialmente, uma profunda crise social a ganhar forma no futuro pr�ximo. Ap�s a exibi��o do programa, coment�rios pulularam nas redes sociais.
Dois grupos n�o gostaram: os bolsonaristas e os petistas. Os primeiros, por quest�es �bvias; os segundos, petistas, por indicarem ter ocorrido um boicote da rede de televis�o ao n�o convidar Fernando Haddad. Creio, at�, que Haddad se disporia a sentar-se com os tr�s. At� porque o petista, inclusive, assinou manifesto no qual seu nome saiu ao lado do de FHC. Diferentemente de Haddad, Lula asseverou que n�o assinaria manifestos com algumas pessoas e, especialmente, afirmou que FHC e Temer n�o seriam democratas. Para o lulopetismo, os interesses pessoais e do partido est�o acima da democracia e da sociedade brasileira, ao que parece.
Marina, FHC e Ciro demonstraram que o di�logo pela democracia n�o � apenas poss�vel, mas urgentemente necess�rio. Ali, na conversa, fica cristalina a posi��o de que, numa democracia, deve prevalecer a for�a do argumento e n�o o argumento da for�a. E esse di�logo deve ser obra dos democratas, independente de colora��o partid�ria. A sociedade e os seus atores v�o se movimentando no tabuleiro da pol�tica.