(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

A ci�ncia, a pseudoci�ncia e a psican�lise


13/08/2023 04:00
667

Jan Luiz Leonardi
Psic�logo, coordenador do Clube de Excel�ncia em Psicologia Baseada em Evid�ncias

A publica��o do livro "Que bobagem! Pseudoci�ncias e outros absurdos que n�o merecem ser levados a s�rio", de Nat�lia Pasternak e Carlos Orsi, reacendeu um antigo e acalorado debate sobre a cientificidade da psican�lise e a sua relev�ncia na �rea da sa�de. Ora, a psican�lise est� profundamente enraizada na compreens�o da mente humana, � ensinada em universidades renomadas e amplamente praticada na cl�nica.

Ent�o, por que tanta gente a ataca? A raz�o est� nas interpreta��es exc�ntricas de Freud, at� hoje sem provas emp�ricas, sobre o sofrimento ps�quico de seus pacientes, que constituem a ess�ncia da psican�lise. As meninas t�m inveja do p�nis, o que as levam a se sentir inferior e a desenvolver um desejo inconsciente pelo �rg�o. Meninos se sentem sexualmente atra�dos por sua m�e e desejam  inconscientemente a morte de seus pais. Sonhos s�o express�es simb�licas de desejos inconscientes recalcados.

Al�m disso, a teoria psicanal�tica (incluindo sua evolu��o ao longo do s�culo XX) n�o se relaciona com o resto da ci�ncia psicol�gica, com tudo que foi descoberto nos �ltimos 100 anos sobre comportamento, psicopatologia, neuroci�ncias, aten��o, percep��o, mem�ria, cogni��o, linguagem, motiva��o, personalidade, tomada de decis�o etc.

Parte dos psicanalistas defende que a psican�lise n�o � ci�ncia e sequer pretende ser. Alguns afirmam que � uma filosofia, outros que � um m�todo interpretativo e outros que � uma forma de an�lise do sofrimento humano. 

Bom, a quest�o que emerge � se uma filosofia ou uma hermen�utica deve ser utilizada como estrat�gia de tratamento de condi��es como suic�dio, ansiedade, depress�o, anorexia nervosa, depend�ncia qu�mica e autismo e, tamb�m, se as suas explica��es sobre a natureza humana s�o, de fato, confi�veis. Em um pa�s onde os dados epidemiol�gicos sobre depress�o e ansiedade s�o alarmantes, uma pr�tica cl�nica n�o cient�fica baseada numa teoria sem sustenta��o emp�rica deveria ser custeada com dinheiro p�blico?

A maioria dos psicanalistas advoga a psican�lise como um m�todo terap�utico t�o ben�fico quanto, ou at� melhor, do que outras modalidades de psicoterapia. Neste caso, estamos no campo da ci�ncia. Logo, devemos perguntar quantas pesquisas cl�nicas existem, qual � a qualidade metodol�gica dessas pesquisas, qual � a validade e confiabilidade das medidas escolhidas para avaliar os pacientes, qu�o replic�veis s�o os procedimentos utilizados, como as condi��es experimental e controle foram arranjadas para permitir compara��es entre elas, como os dados foram analisados, qual � a consist�ncia dos resultados das diferentes pesquisas, qual � a magnitude de benef�cio encontrado etc. Tais perguntas n�o est�o sendo adequadamente respondidas por psicanalistas.

H� tamb�m aqueles que afirmam que a psican�lise constitui uma ci�ncia distinta, operando com seus pr�prios crit�rios de verdade. Parte do argumento � o de que a complexidade dos fen�menos da mente humana � imposs�vel de ser avaliada por meio da “ci�ncia tradicional”. Em primeiro lugar, eventos subjetivos s�o pass�veis, sim, de serem quantificados e analisados. Existe uma �rea da psicologia chamada psicometria, que se dedica a traduzir experi�ncias subjetivas em dados mensur�veis. Todas as �reas da sa�de dependem de psicometria. Por exemplo, na fisioterapia � fundamental avaliar a intensidade de dor, que � um evento subjetivo. Na medicina, � fundamental medir fadiga, tontura, coceira, zumbido no ouvido.

Existem instrumentos psicom�tricos para avaliar tristeza, pessimismo, autocr�tica, ansiedade, vontade de morrer, medo de engordar, qualidade de vida, perfeccionismo, impulsividade, etc. O desafio surge quando algu�m declara que a mensura��o na psican�lise � invi�vel, justificando que ela se ocupa do “existir”, da “jornada do viver”, da “ess�ncia ps�quica”. O debate sobre a efic�cia de uma psicoterapia, seja ela de base psicanal�tica ou n�o, est� intrinsecamente ligado � capacidade de detectar e avaliar mudan�as nos resultados cl�nicos. Sem isso, fica dif�cil saber se a psicoterapia funciona e, mais, se ela � segura. 

Al�m disso, a alega��o de que a psican�lise n�o � pass�vel de ser avaliada por lidar com fen�menos que nem sequer somos capazes de mensurar leva-nos a um questionamento muito pertinente: como os psicanalistas sabem que seus constructos te�ricos s�o realmente confi�veis e que n�o est�o enganados? Outro argumento sobre a psican�lise enquanto uma ci�ncia autossuficiente � o de que cada ser humano � um indiv�duo �nico, com caracter�sticas idiossincr�ticas e que, portanto, precisa de um tratamento �nico. Assim, descobertas cient�ficas envolvendo outras pessoas n�o poderiam ser extrapoladas para um determinado paciente em particular, devido � singularidade de cada indiv�duo. Primeiro, sim, todo indiv�duo � �nico. Isso � ineg�vel.

Segundo, a individualiza��o de um tratamento � inevit�vel n�o s� na psicoterapia, mas tamb�m na medicina, na fisioterapia, na odontologia, na fonoaudiologia, na educa��o f�sica, �reas que avan�aram significativamente gra�as a pesquisas cl�nicas. Terceiro, ter algum ponto de partida para generaliza��o certamente � melhor do que nada. O fato de cada indiv�duo ser �nico n�o impossibilita depreender infer�ncias probabil�sticas de amostras para pacientes individuais. Dados probabil�sticos s�o imperfeitos, mas s�o muito melhores do que especula��es te�ricas, intui��o cl�nica ou evid�ncias aned�ticas (“meu vizinho fez e melhorou”). A rigor, uma interven��o absolutamente individualizada, que n�o usufrui de conhecimento acumulado, n�o tem como ser cient�fica, por defini��o.

A verdadeira quest�o n�o � meramente se a psican�lise � ci�ncia, filosofia ou m�todo interpretativo, mas se ela pode ser efetivamente integrada e eticamente responsabilizada dentro de um sistema de sa�de que enfrenta desafios cotidianos alarmantes. A psican�lise n�o � imune � cr�tica e � refuta��o. Psicanalistas se comportam como se ela fosse confi�vel para o al�vio de sofrimento psicol�gico e para a solu��o de problemas humanos. Ser� que �? Para isso, a psican�lise precisa ser avaliada por meio de m�todos rigorosos. E, para isso, a ci�ncia tem muito a oferecer.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)